Documentário de Natara Ney segue o rastro de 180 cartas de amor
'Espero que esta te encontre e que estejas bem' abre a competição de longas do Festival de Brasília
Bem antes do surgimento das redes sociais e das chamadas de vídeo, era por meio de cartas que um relacionamento à distância se mantinha. Foi assim que Lúcia, uma jovem de Campo Grande (MS), manteve contato com seu namorado no Rio de Janeiro de 1952 a 1953. Muitos anos depois, esses textos chegaram às mãos da pernambucana Natara Ney, inspirando a produção de um documentário. “Espero que esta te encontre e que estejas bem” estreia nesta terça-feira (15), às 23h, abrindo a mostra competitiva do Festival de Brasília, com exibição pelo Canal Brasil.
Montadora e roteirista com anos de experiência, Natara fazia pesquisa de locação em uma feira de antiguidades na Capital fluminense em 2011, para um filme do diretor Lula Buarque, quando se deparou com algo inusitado. Encontrou 180 cartas escritas pela mesma remetente e destinadas a um mesmo destinatário. Ao ler os textos, a pernambucana confirmou o que o vendedor da barraca já havia adiantado: era um material especial.
“Além da caligrafia ser belíssima, a forma como ela descrevia essa saudade era incrível. Era quase um diário. Acompanhei dois anos da vida de uma pessoa que nem conhecia. Ela falava da radiola que quebrou, da chuva que a impediu de ir ao correio, dos filmes que estava vendo, das músicas que ouvia. E na última carta dizia que esperava o namorado para o dia do casamento. Eu fiquei desesperada, me perguntando se ele foi, se deu certo, se estão juntos até hoje e o que poderia ter acontecido para que essas cartas tenham se perdido deles”, relembra a diretora.
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Movida pelo encanto e pela curiosidade jornalística, Natara se propôs a descobrir o paradeiro dos personagens. A ideia inicial era devolver a eles ou aos seus familiares toda aquela correspondência, transformando o processo em um curta-metragem. “Listei todos os endereços citados. Onde eu chegava, mesmo quando os moradores não conheciam os donos das cartas, um leque de afetos se abria. Era como se aqueles papéis disparassem um dispositivo na memória de quem as pegasse. Sendo assim, precisava contar também as histórias de amor das pessoas que atravessavam essa minha busca”, conta.
Ao tentar conectar cada nova informação recebida, a cineasta chegou até Campo Grande, de onde as cartas eram enviadas. Ao entrevistar pesquisadores e outras fontes, constatou a transformação vivida pela cidade do Centro-Oeste dos anos 1950 até agora. “Eu conversei com um grupo de senhoras. Uma delas, por exemplo, contou que não podia andar de bicicleta porque o pai a proibia. A mulher daquela época, de uma forma geral, ficava escondida em casa, sob a tutela dos pais ou do marido”, aponta. As narrativas contadas na tela são embaladas por uma trilha que traz vozes como a da atriz e cantora Laila Garin e da cantora lírica Sandra Menezes.
O documentário teve montagem assinada por Mair Tavares, com contribuição de Karen Akerman. Mesmo experiente no segmento, Natara resolveu contar com o trabalho de outros profissionais em seu primeiro longa como diretora. “Acredito que cada profissional dentro de um filme tem uma missão. Eu necessito dessa troca na ilha de edição, porque o montador aponta caminhos que eu não pensava por estar tão imersa na direção”, diz.
Atuante no Rio de Janeiro há mais de duas décadas, Natara está vivendo um período no Recife desde março. Veio para trabalhar na montagem da série “Chão de Estrelas”, de Hilton Lacerda. Com a pandemia do novo coronavírus, acabou ficando por aqui e também finalizando seu próprio projeto. O filme, que tem apoio do Funcultura e do Fundo Setorial do Audiovisual da Ancine, deve ser lançado em circuito comercial no segundo semestre de 2021.