"É demais fazer turnê!", diz Adriana Calcanhotto; confira entrevista completa
Chegando neste sábado (5) ao Recife, com o show do seu novo disco, "Errante", a cantora e compositora gaúcha dá entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco
Depois do período pandêmico que confinou o mundo inteiro em casa, Adriana Calcanhotto volta à estrada com um álbum seu: “Errante”, lançado no fim de março deste ano. O álbum de 11 faixas surge como um desejo de retomar a estrada, a movimentação, a liberdade.
A sua chegada ao Recife, neste sábado (5), com show no Teatro Guararapes, faz parte da turnê, que iniciou em Portugal (entre maio e junho)e, no Brasil, em Porto Alegre (no último 22 de julho).
Em entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco, a cantora fala sobre o novo álbum, os desejos que a movem em direção a essa errância, a descoberta de antepassados sefarditas, a pandemia e o novo momento, de sair em turnê.
Confira:
Calcanhotto é um sobrenome italiano, não é?
Sim.
Na música que abre “Errante” (“Prova dos Nove”), você fala “tenho um corpo italiano”. Você já faz ali um caminho da tua ascendência, sobre o constitui tua natureza como ser humano?
É. Essa canção tem muitas camadas. Uma delas é as coisas que a gente escolhe e as coisas que a gente não escolhe. A gente sendo tudo aquilo que a gente escolhe não ser. Eu entendi a coisa da errância quando, no final de 2021, eu descobri oficialmente que os meus antepassados que saíram da cidade do Porto, fugidos da Inquisição, vieram pro Brasil, constituíram famílias e tal… então, eu tenho como herança, no sangue, a errância. E eu escolhi para a minha vida a errância, sem saber disso. O disco tem muito a ver com isso.
Tudo isso eu fiquei pensando, confinada, na pandemia: “Eu estou aqui, fazendo o que eu tenho que fazer, que é estar confinada, mas, se eu fosse livre para escolher, eu preferia estar agora na estrada”, ainda que nos piores momentos da estrada, naquelas chatices de estrada. Preferia, agora, estar comendo uma comida de avião, do que estar aqui. Eu sou uma alma mais nômade do que eu imaginava.
Então, fiquei pensando nisso, no quanto é minha escolha, no quanto é minha herança nesse tipo de questão. Ter um corpo italiano não é uma escolha minha; e eu estar num corpo branco não quer dizer necessariamente que eu concorde com a branquitude, sabe?
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Eu já tinha um começo dessa canção. Ela inicialmente se chamava “Susana”, ela tá no meu livro de letras. E naquela versão – que eu tenho mais de uma canção com isso: têm um mesmo começo e finais diferentes; e elas têm nomes diferentes porque têm momentos diferentes em que foram feitas e finais que dão n’outra coisa. E “Prova dos nove” é isso.
Quando fiz pra Susana eu não tava pensando em escolhas, mas Susana é uma escolha, e agora, em“Prova dos nove”, eu estou falando de todas as não-escolhas: uma escolha é a alegria do ponto de vista modernista, antropófago, que o Oswald (de Andrade) falava e que, agora, o Denilson Baniwa tá lidando com isso de outra maneira. Não é aquela alegria prova dos nove estanque, é aquela ideia em movimento.
E até os arranjos de sopros da música têm uns momentos que lembram muito Rogério Duprat…
Isso! Porque eu falei sempre pros meninos… eu não gosto de... assim: “Vamos fazer com décima terceira e nona aumentada”, mas eu falo assim: “Vamos pensar em Duprat! Vamos pensar em eventos!” E eu falei muito dele. Você tem razão.
Essa turnê do “Errante” é a primeira turnê de um disco teu que você está fazendo pós-pandemia. O “Só” chegou a ter uma turnê?
O “Só” teve uma turnê chamada “Um show só”, que era em plena pandemia, que eu fiz no Teatro Riachuelo, do Rio, com live, sem plateia, não dava pra ter plateia naquele momento…
Mas nesse formato de agora, voltando a ter plateia, você viajando…
É. A última coisa que eu fiz de disco foi o “Margem”, com o trio do (grupo) Tono, que agora eu não vou lembrar quando terminou (* início de 2020). Depois, eu fiz alguma coisa de voz e violão, e agora sim, depois da pandemia.
Porque você tinha feito, antes, com Gil e, depois, os shows do “Coisas sagradas permanecem”, cantando Gal. Como é que tá sendo a passagem pra esse momento: antes, de só poder fazer pelas telas, e agora, voltando, inclusive, a essa errância? Como é que tá sendo pra teu corpo, tua mente, pro teu espírito?
Olha, sensacional! Porque, para a humanidade, nada como um bom susto, que foi o que a pandemia nos deu, para aqueles mais sensíveis – teve pessoas que nem notaram (risos). Eu acho assim, que pensar que o mundo todo depende de insumos da China, esse tipo de coisa que... na verdade, o que é que é isso? É um negócio da China só para a China, vamos combinar, né? Os oceanos lotados de plástico… tá tudo errado. E o Planeta conseguiu respirar na pandemia, apesar que, em seguida, ficou cheio de máscaras e embalagens de delivery e tudo que a pandemia criou, mas… é… eu tô indo longe (risos), mas cê entende o que eu tô falando, né?
Então, agora, é demais poder voltar! É demais fazer presencial! É demais fazer turnê! Porque teve um momento da pandemia que eu pensei: “E se acabou? E se agora não tem mais catarse? Não tem mais teatro? Não tem mais duas pessoas que, mesmo mudas, vão representar…
Se o destino for esse até o final da vida, né?
É. Eu tive esse medo. E eu fiquei muito impactada com isso, com esse sentimento, e a imagem disso eram pessoas naquelas sacadas italianas, cantando ópera, aquela coisa bem italiana, aquele jeito de lidar com isso. Sendo eu, italiana (risos), pelo menos no corpo… aquilo foi muito impactante, sabe? O “Só” nasce disso.
Na própria Itália sai, em abril (* de 2020), eu acho, a capa da Vogue é branca. Por isso, o “Só” tinha essa coisa branca. A capa nem chegou a ser branca, era no início, mas eu achei tão linda aquela foto… mas, a capa branca da Vogue italiana tem a ver com esses italianos gritando, cantando ópera naquela hora que poderia ser que nunca mais houvesse catarse, nesse sentido de as pessoas estarem juntas, de ter uma coisa ao vivo.
A turnê “Errante” começou em Coimbra, Portugal; depois, veio para o Brasil, a partir de Porto Alegre, que é onde você nasceu. Inclusive, teve uma reorganização de datas, por conta do “Coisas sagradas permanecem”, né?
É tudo isso. Mas, o que eu queria eram “os começos”, porque essa coisa de estrada sempre dá-se o primeiro passo ou não é a estrada, né? E aí, eu quis (começar por) Coimbra porque é uma cidade muito importante pra mim, é uma cidade minha, e a cidade onde nasceu a Língua Portuguesa, que nasceu antes de Portugal. E escolhi Porto Alegre, no Brasil, porque é a minha cidade, onde eu nasci. Então, isso era importante pra mim.
Os shows da Gal tinham Salvador, que é a cidade dela, e Porto Alegre, que é a minha. E os shows da Gal eram aquelas datas porque eu cumpri datas que ela (Gal) tinha, e eu consegui que esse encaixe fosse antes do “Errante”, pra não ter nada paralelo, consegui o Theatro São Pedro (em Porto Alegre, onde estreou a etapa brasileira da turnê) porque ele vai entrar em reformas.
Eu tenho uma coisa de infância porque aquele teatro passou a minha infância cercado de tapumes (risos), era um mistério, era um fascínio, era o teatro onde minha mãe tinha sido a primeira bailarina – durante um curto tempo, mas dançava lá – então, tinham essas histórias de um lugar que não dava pra ver. Depois, eu cantei lá, muitas vezes. Depois, eu assisti lá coisas muito incríveis. Foi lá que Pina Bausch me viu, de voz e violão, a primeira vez. Tem memórias, sabe? E foi lindo. Realmente, a estreia foi incrível.
E nessa turnê você não tá tocando violão. O motivo específico? Pra focar mais na voz ou a coisa da interpretação, que pede mais?
É um pouco pra curtir a banda. Porque, uma vez que tem o naipe (de sopros/metais), que eu nunca tive um naipe ao vivo, o naipe supre uma série de coisas que tão na minha cabeça quando eu tô no violão, que tão na minha imaginação, mas que eu não consigo tocar (risos), coisas que eu tô pensando mesmo quando eu componho, aquelas frases tão meio por ali, e os metais fazem isso.
E o Pedro Sá e o Domenico (Lancelotti) já são meu violão. E o Guto Wirtti amarra tudo isso. O Jorge Continentino era meu sonho de consumo porque eu acho as melodias dele, o jeito que ele toca flautas brasileiras, pífano, ele tem essa sonoridade, mas ele morava em Nova York, eu via o trabalho muito pela Bebel Gilberto, lindas as coisas que ele fez. Ele tava no Brasil, já foi um sonho poder gravar com ele. Aí, ele pode estar na estrada, e é o máximo isso. Então, nem precisa tocar violão (risos).
Eu fico ouvindo eles. Se eu tô tocando violão, eu tenho que ouvir o violão que eu tô fazendo, é uma atenção que eu tenho que dar pro violão, que eu prefiro ouvir o que eles tão fazendo e cantar. É isso.
E curtir o que eles estão fazendo também, né?
E não atrapalhar eles, sobretudo (risos).
Sobre o repertório: você está trazendo as 11 músicas do disco, alguns clássicos da tua carreira, duas que estavam no repertório do “Coisas sagradas permanecem” e tá trazendo “Naquela estação”, que tá lá no disco “Enguiço”.
Exato. Eu acho que esse era o show e o jeito de fazer “Naquela estação”, porque na época que eu fui fazer o show de lançamento do disco “Enguiço” foi o momento de confisco da poupança, aquela coisa do Collor e, não só eu perdi um patrocínio – que não era O patrocínio, mas eu tinha – e um dinheiro reservado de gravadora para aquilo, só que as pessoas não tinham dinheiro pra pegar ônibus, as pessoas não tinham mais cash. Então, eu fiz show de voz e violão.
Me lembro de, no começo desse show, na saída, as pessoas passavam cheque, porque ninguém tinha cash, foi aquela loucura. Eu toquei essa canção de um jeito apropriado pro meu violão e tudo, que é uma canção pela qual eu me apaixonei, mas do meu jeito, não do jeito Donato.
Inclusive, Donato era um cara do piano, e eu aprendi violão – se é que eu posso dizer isso – e eu tinha esse professor de violão que eu ganhei junto com o violão, quando eu tinha 6 anos – minha vó me deu um violão e um professor, junto, de presente – que só gostava de João Donato e Tom Jobim (risos). Ela podia ter me dado um professor de violão que gostasse de violão, eu acho que minha vida teria sido mais fácil.
Então, Donato tá na minha vida a vida toda. E era compreensível isso. E foi um sucesso aquilo, as pessoas queriam ouvir e eu queria cantar, mas o jeito que eu faria é o jeito que eu tô podendo fazer agora, inclusive com músicos que amam ele, sabe? Um negócio em casa. E tem tudo a ver com um repertório de errância, né? E tem, também, Donato, agora, né? Então, eu canto pra ele.
E Recife foi agraciada entre as primeiras capitais a receber, no Brasil, o show “Errante”. Queria que você falasse sobre vir a Recife, se você tem alguma relação, lembrança daqui, algo que te toque em Recife.
Tudo me toca em Recife. Eu fiquei arrasada de não levar o “Coisas sagradas” para o Recife, e não era uma escolha, era o que era, eram as datas, e eu fiquei muito triste que não pode ser. Então, por causa de Recife, eu pensei, quando a gente terminou a turnê de Portugal, eu falei: “Bom, então eu vou botar o ‘Livre do amor’ antes do ‘Esquadros’”, que é como era no “Coisas sagradas permanecem”, que é um jeito de trazer um pedacinho, um holograminha do “Coisas sagradas”, porque é difícil não ter feito aí. Mas agora entendo que tô fazendo, acho que vai melhorar minha sensação em relação a isso.
SERVIÇO
Adriana Calcanhotto em “Errante”
Quando: 5 de agosto, às 21h
Onde: Teatro Guararapes
Ingressos: Plateia especial: R$ 220 e R$ 110 (meia); Plateia: R$ 180 e R$ 90 (meia); Balcão: R$ 140 e R$ 70 (meia); à venda na Sympla e bilheteria do teatro
Informações: (81) 3182-8020