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Em entrevista exclusiva, Mônica Salmaso fala sobre o disco ao vivo lançado com Chico Buarque

A cantora paulistana divide a cena com o autor em "Que tal um samba? (Ao vivo)", lançado nas plataformas de streaming

Mônica SalmasoMônica Salmaso - Foto: Cristina Granato/Divulgação

No último dia 24, chegou às plataformas digitais o álbum “Que tal um samba? (Ao vivo)”, de Chico Buarque. Mas não só Chico. Durante a turnê que deu origem ao disco, ele contou com a parceria da cantora paulistana Mônica Salmaso. A última vez que Chico havia dividido um projeto com uma intérprete foi em 1975, com o show/álbum “Chico Buarque & Maria Bethânia - Ao vivo”.

Ao longo de 10 meses, 65 apresentações Brasil afora, Mônica foi a voz que abria o show, cantando solo. O encontro foi registrado nos dias 3 e 4 de fevereiro de 2023, no Vivo Rio, e rendeu o disco duplo ao vivo, lançado pela gravadora Biscoito Fino. São 31 músicas, em um amplo recorte da obra de Chico.

Em entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco, Mônica Salmaso conta como foi participar desse álbum, cantar ao lado de Chico, e também analisou a importância da obra do autor. 

Confira a entrevista completa:

Desde 1975, quando Chico gravou o álbum ao vivo com Maria Bethânia, que ele não dividia um projeto com uma intérprete. Agora, em “Que tal um samba? (Ao Vivo)” , é com você. Como você recebeu o convite e como tem sido para a artista Mônica Salmaso compartilhar um trabalho em comum com Chico Buarque?

Foi um presente que eu jamais imaginei ganhar na minha carreira e na minha vida. Por isso, pelo tamanho que a obra do Chico tem na minha formação musical e pessoal, eu me dediquei completamente à turnê, vivi cada momento intensamente, e agora, podendo ouvir (e daqui a pouco ver as imagens do show), o que eu sinto é uma emoção imensa junto com uma saudade muito boa do que a gente viveu nestes 10 meses de trabalho.

Chico é conhecido por ter feito várias composições em que o eu-lírico é do sexo feminino. Algumas, até, questionadas por trazerem um olhar machista , o que poderia ser inevitável, uma vez que é um homem compondo (vide “Com Açúcar, com afeto”, que ele, inclusive, aposentou do seu repertório). O set list deste show, álbum, parece não contemplar essa faceta de Chico. Isso foi algo que vocês chegaram a considerar para o repertório desse disco? Como você enxerga esse lado da obra de Chico?

Meu momento solo de abertura até a entrada do Chico, eu idealizei, a pedido dele, com total liberdade. Da sua entrada em diante, a escolha das músicas e a ordem foram feitas por ele.
 
O repertório desta turnê contempla com bastante amplitude a obra do Chico tanto em relação aos temas quanto em relação às fases da sua obra. Tem algumas canções com o eu-lírico feminino sim (“Sob Medida”, “Biscate”). A obra do Chico é genial, entre muitas coisas, por seu poder de crônica social. Cada personagem encontra espelho na realidade brasileira e neste sentido, na minha opinião, todas as canções, (como toda obra de arte), desde que caibam conceitualmente em um projeto e sejam devidamente e cuidadosamente contextualizadas, podem ser cantadas. 
 
Você traz a esse show/disco uma maestria vocal como poucas intérpretes do Brasil. Inclusive, cantando “Biscate” – gravada por Chico com Gal Costa, outra cantora dona de uma excelência vocal incontestável. Maria Bethânia, Nara Leão, Elba Ramalho também são outras cantoras que já interpretaram Chico e que possuem um marcante registro vocal. Quais seriam os desafios e os deleites para uma cantora em interpretar a obra dele?

Os deleites são tantos que superam os desafios! Eu sou uma cantora apaixonada pela melodia. Gosto de melodia, da história musical que ela conta. O Chico e seus parceiros são todos mestres da música. Criam melodias, algumas mais tecnicamente desafiadoras no sentido de dificuldade do que outras, que dão gosto de cantar. Que são lindas, inteligentes, criativas, que chegam às pessoas que entendem ou não de técnica musical. São generosas neste sentido. E depois têm as letras dele que são cuidadosamente criadas. Nada está ali por acaso. Para mim, isso é um banquete; é o nirvana!

A turnê/show “Que tal um samba?” teve início em 2022, em que o Brasil ainda estava sob um período assombroso, e adentrou em 2023, quando começou a se descortinar uma esperança de tempos melhores (no campo político e social) – o show foi gravado em fevereiro de 2023, já sob os auspícios desse novo momento. A própria música “Que tal um samba?” é um desconjuro do período complicado que o Brasil vivia. O repertório do show parece também seguir essa travessia, do inferno às maravilhas. Como você vê a obra de Chico Buarque – a que está retratada nesse show/álbum – nesse sentido de sua dimensão social e política?

Minha percepção pessoal em relação a essa turnê é a de que ela teve uma importância fundamental na nossa (brasileira) necessidade desesperada de se reconhecer, de identidade, de voltar pra casa. Foi o que eu vi e vivi no palco com o público em todos os 65 shows da turnê. 

No início, antes das eleições, na reabertura dos shows presenciais, com 90% do público usando ainda máscaras, muitas pessoas voltando a um show pela primeira vez depois do imenso isolamento, o sentimento geral era de celebração da vida e da identidade. Teatros grandes lotados e as pessoas se olhando, cantando e chorando juntas, através da obra do Chico e com ele (e eu vivendo aquilo junto). Não dá pra descrever o poder que isso teve.

Durante as eleições, com a agonia do segundo turno, mais intensidade, agonia e ao mesmo tempo uma força coletiva. 

Depois, um outro tipo de celebração conjunta, de esperança, de alívio, de ver abrir uma luz e uma possibilidade de futuro.

O Chico não colocou no repertório nenhuma música icônica-explícita como se esperava (“Apesar de Você”, “Cálice” etc.). Ao invés disso, ele chamou as pessoas para a "volta pra casa". Uma casa cheia de deficiências e de coisas por fazer. Mas a nossa identidade de volta. Essa opção, a meu ver, tocou mais profundamente a todos. Estávamos exaustos do embate diário contra a brutalidade. Nos shows a gente viveu o afeto coletivo, a união e a soma de forças dos nossos valores mais preciosos. O afeto é muito mais poderoso do que o embate. Estava tudo lá!

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