Em "Menos que um", Patrícia Melo escancara tragédia humana brasileira
Escritora aborda vivências da população de rua no seu novo romance
Embora não existam dados oficiais recentes, mas basta olhar para debaixo das marquises e viadutos de qualquer grande cidade brasileira para perceber que a população de rua do País cresceu significativamente nos últimos anos. A necessidade latente de discutir esse tema foi o que impulsionou a premiada escritora paulista Patrícia Melo a escrever o seu novo romance.
“Menos que um”, que acaba de ser lançado pela editora LeYa, busca inspiração na dureza de uma realidade que tem ficado cada vez mais difícil de ser ignorada. “Para mim, essa situação é urgente há muito tempo. Agora, com a pandemia e a crise política, social e econômica, ficou ainda pior. Mesmo para quem costuma desviar os olhos quando passa por um morador de rua, é difícil não sentir a gravidade do que estamos vivendo”, comenta a autora, em entrevista à Folha de Pernambuco.
Ao longo das 368 páginas que compõem o seu 13º livro, Patrícia entrecruza histórias de homens e mulheres castigados pelas mazelas que afligem os centros urbanos brasileiros. São dependentes químicos, flanelinhas, desempregados, catadores e outros tantos personagens lutando por sobrevivência. Em comum, carregam o fardo de terem sido levados a viverem nas ruas, onde se deparam com a violência, a solidão, o frio e a invisibilidade.
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“Eu digo sempre que essas pessoas só são invisíveis para terem seus direitos respeitados. Agora, para sofrerem repressão da polícia, serem expulsas do local onde estão passando a noite ou serem acordadas com jato d’água, elas se tornam bem visíveis”, aponta a escritora que, apesar das circunstâncias, segue esperançosa quanto a uma futura mudança de quadro.
“Em 60 anos de vida, acho que esse é o momento mais trágico que eu já vi o Brasil passar. É muito triste olhar para esse retrato, mas tendo a acreditar que esse não pode ser o destino do País. Deve haver uma saída para essa situação e isso depende, sobretudo, de vontade política”, observa.
“Menos que um” foi gestado ao longo de dois anos, entre uma minuciosa pesquisa e a escrita. Vivendo em Lugano, na Suíça, desde 2010, a autora contou com a colaboração da jornalista Emily Sasson Cohen, que no Brasil entrevistou ativistas, pesquisou trabalhos acadêmicos, visitou ocupações e conheceu in loco a realidade de pessoas em situação de rua. O material serviu de embasamento para Patrícia, mas não limitou seu trabalho como romancista.
“É uma característica minha me aprofundar nas temáticas que eu descrevo. Por outro lado, continuo sendo uma ficcionista. Eu sei colocar um freio na pesquisa. Ela, para mim, é importante só na medida em que torna a minha ficção verossímil. Meu livro é realista, mas não deixa de ser uma fábula”, comenta.
Patrícia não esconde a dificuldade que sentiu ao escrever sobre um tema tão espinhoso. “Lidar com uma tragédia como matéria prima do seu ofício é muito pesado. Você se sente impotente diante de tudo o que vê”, explica. Mesmo experiente, a escritora confessa que viu como obstáculo encontrar um formato literário que desse conta do conteúdo que ela queria expor com a obra.
“Havia uma angústia de estilo, de como contar essa história de um jeito eficiente. Eu queria uma forma que fosse como a cidade: ao mesmo tempo, dinâmica, dura, vertiginosa e, às vezes, suja e fria”, conta a autora, que acabou recorrendo a uma narrativa caleidoscópica, construída no vai e vem de tramas paralelas.
Serviço
“Menos que um”, de Patrícia Melo
Editora: LeYa Brasil, 368 páginas
Preço: R$ 60 (impresso) e R$ 42 (e-book)