Em "Mesmo rio", Elisama Santos mergulha na ficção para falar de relações familiares
Depois de três livros dedicados a parentalidade, psicanalista e escritora estreia seu primeiro romance
Foi no pensamento do filósofo Heráclito que Elisama Santos encontrou inspiração para batizar o seu mais novo livro. Em “Mesmo rio”, lançado pela Editora Record, a escritora e psicanalista baiana parte da premissa que, assim como “ninguém pode entrar no mesmo rio duas vezes”, é impossível que irmãos compartilhem da mesma mãe e do mesmo pai.
Para adentrar no delicado tema da distribuição dos afetos entre os filhos, a autora mergulha nas várias histórias que unem os Soares, uma família negra formada pelo casal Maria Lúcia e Benedito, e seus três filhos. Com cada um deles, a mãe estabelece uma relação diferente. Enquanto Lucas, o primogênito, recebe gratuitamente todo o amor vindo dela, Marília se esforça ao máximo para agradá-la. Já para a caçula, Rita, pouco sobra além de desprezo.
“A gente tem a tendência de dizer: ‘Tiveram a mesma mãe e o mesmo pai, mas olha como são diferentes’. Isso é uma mentira sem tamanho. Somos diferentes a cada filho que chega. Eu queria trazer essa provocação no meu livro. Eu preciso agir de forma diferente com cada um dos meus filhos, porque eles não são iguais. O problema é quando a gente faz isso inconscientemente, ferindo, preterindo e comparando”, aponta a escritora, em entrevista à Folha de Pernambuco.
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Mergulho na ficção
Educadora parental e consultora em comunicação, Elisama é conhecida pelos livros que tratam da criação de crianças e adolescentes com afeto. Depois de emplacar os best-sellers de não ficção “Educação não violenta” (2019), “Por que gritamos” (2020) e “Conversas corajosas” (2021), ela resolveu sair de qualquer zona de conforto e abraçar um desafio diferente dos quais já estava acostumada.
Elisama já tinha em mente a ideia de falar sobre a relação entre irmãos, mas em vez de trazer o tema em uma continuação dos seus trabalhos anteriores, decidiu escrever um romance sem nunca ter publicado uma ficção antes. “Eu entendo que a arte escolhe a forma dela de vir ao mundo. A Maya Angelou fala que não existe angústia maior do que guardar alguma história para ser contada dentro da gente”, comenta.
Ainda que o gênero literário seja outro, “Mesmo rio” não deixa de estar conectado às demais obras da autora, que também tratam de relações familiares e parentalidade. “Os meus outros livros falavam de família na teoria. Agora, as pessoas têm nomes e você identifica muitos dos sentimentos delas na sua própria jornada”, afirma.
Olhar sem julgamentos
O processo de escrita do romance, segundo Elisama, foi acompanhado pela insegurança, mesmo transcorrendo com fluidez. A experiência acumulada ao longo de sete anos, ouvindo famílias de diversas partes do Brasil, a inspirou a costurar a história da família Soares. Com uma narrativa que vai e volta no tempo, intercalando diferentes pontos de vista, bem ao estilo da série “This is Us”, o livro convida o leitor a olhar para cada um dos seus personagens sem julgamentos, buscando entender as raízes que levaram ao desmantelamento dessa estrutura familiar.
“Eu gostaria que, a partir desse livro, as pessoas conseguissem enxergar as suas próprias histórias com mais complexidade. Família é um negócio muito complicado e que a gente romantiza demais. Relações com tanta proximidade e intimidade não tinham outro caminho a não ser o de serem um tanto doloridas também. A grande questão é que, na família saudável, a dor é a exceção e não a regra”, defende.
Serviço
“Mesmo rio”, de Elisama Santos
240 páginas, Editora Record
R$ 59,90