Em versão musical, "A Cor Púrpura" traz tom mais esperançoso, mas perde carga emocional
Filme dirigido por Blitz Bazawule apresenta a mesma história contada em longa-metragem de Steven Spielberg lançado em 1985
É bem verdade que a quantidade de remakes, reboots e sequências produzidas nos últimos anos têm feito Hollywood navegar em um grande mar de falta de originalidade. No entanto, é preciso levar em conta que certas histórias, quando revisitadas anos mais tarde, podem ganhar contornos tão ou ainda mais interessantes do que na primeira vez. É o caso da nova versão de “A Cor Púrpura”, que chega amanhã aos cinemas brasileiros.
O longa-metragem é mais uma adaptação do romance homônimo da escritora estadunidense Alice Walker, lançado em 1982, e que foi levado ao cinema pelas mãos de Steven Spielberg em 1985. O novo filme traz o diferencial de ser um musical, seguindo os passos do espetáculo de sucesso que estreou na Broadway em 2005. Desta vez, a direção da obra foi entregue ao cineasta ganense Blitz Bazawule, que codirigiu o álbum visual “Black is King” (2020), de Beyoncé.
Ambientada no Sul dos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século 20, a trama é centrada em Celie (interpretada na juventude por Phylicia Pearl Mpasi e, na maturidade, por Fantasia Barrino), mulher negra que sofre diversos tipos de violência ao longo da vida. Abusada sexualmente pelo pai (Deon Cole) na adolescência, ela engravida duas vezes. Separada dos filhos, é obrigada a se casar com Mister (Colman Domingo), que a trata como uma escrava.
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Sem receber qualquer tipo de carinho, Celie se agarra ao sonho de um dia reencontrar a irmã, Nettie (vivida por Halle Bailey e Ciara), de quem foi afastada pelo marido. Os anos passam sem que a mulher saiba o que é receber afeto e ser respeitada, até que a amante de Mister surge em sua vida. Shug (Taraji P. Henson), uma cantora de blues que vive uma vida totalmente oposta à de Celie, a ajuda a finalmente conhecer a liberdade e o amor.
Uma diferença crucial entre o novo “A Cor Púrpura” e sua versão anterior está na ênfase dada ao sofrimento de sua protagonista. Enquanto o filme de Spielberg carrega no drama, explorando a tragédia pessoal vivida por Celie em cada ato cruel cometido contra ela, Bazawule opta por fazer da esperança a força motriz da história. O resultado é uma obra com carga emocional menor, sem tantos momentos catárticos, mas que se mostra conectada à forma como os assuntos abordados são vistos atualmente.
Apoiada por outras mulheres, Celie encontra na sororidade um ponto de apoio para conseguir se rebelar contra a lógica patriarcal que a oprimia. É também ao lado de outra mulher que ela descobre o que é a paixão. Diferente da primeira versão, a nova adaptação não suaviza a relação entre Shug e Celie, deixando bem claro que o que há entre as duas não é outra coisa senão um romance dos mais sólidos.
Apesar das diferenças significativas entre as duas versões, o novo filme não chega a ignorar o seu antecessor. Ao contrário disso, ele o reverencia ao colocar em cena Whoopi Goldberg, que protagonizou o longa de 1985, em uma passagem curta, porém significativa para a trama. Ela surge como a parteira do segundo filho de Celie, como se também estivesse ajudando a trazer à luz mais uma vez a mesma história. Destaque ainda para a atuação de Danielle Brooks. Sua força na entrega da petulante Sofia, que não abaixa a cabeça para o machismo, garantiu a ela a indicação ao Oscar de Atriz Coadjuvante. Merecido.