Envolto por polêmicas, o filme "Emilia Pérez" estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta (6)
Película que traz a atriz espanhola Karla Sofía Gascón como protagonista é o principal "adversário" do brasileiro "Ainda Estou Aqui" no Oscar 2025
A temporada de premiações internacionais do cinema 2024/2025 vem sendo, acima de tudo, polêmica, cenário que, em muito, se deve à repercussão do longa-metragem “Emilia Pérez”, que estreia no Brasil nesta quinta (6).
Vencedor do Prêmio do Júri na última edição do Festival de Cannes, e líder de indicações do Oscar 2025 (13 ao todo), o musical dirigido pelo francês Jacques Audiard escalou uma narrativa pública repleta de discriminação, estereótipos e 'haterização' virtual - além do uso polêmico de Inteligência Artificial (IA).
Há quem diga que membros da Academia estão tendo dificuldade em dar voto a “Emilia Pérez” tanto pelos tropeços éticos do diretor, que chegou a comentar em entrevista que a língua espanhola "É um idioma de países emergentes, países modernos, modestos, de pobres e migrantes", quanto pelas falas discriminatórias da protagonista Karla Sofía Gascón, que foi afastada da campanha de promoção do filme por conta do seu mau comportamento em redes sociais e entrevistas - além do resgate de comentários xenofóbicos e de teor racista no X, a artista que concorre à estatueta de Melhor Atriz diretamente com a brasileira Fernanda Torres, ainda falou da "perseguição" dos brasileiros na internet.
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O complexo novelo de “Emilia Pérez” ainda conta com o agravante de não ter sido filmado no México, país cuja cultura ambientou o longa, mas, sim, na França, país de origem do controverso diretor.
Enfim, o roteiro
Em “Emilia Pérez” conhecemos a história da advogada Rita Mora Castro (Zoë Saldaña). Frustrada com a sua situação financeira, se vê diante de uma proposta incomum: Manitas Del Monte (Karla Sofía Gascón), chefe de um dos cartéis mais poderosos do México, quer a sua ajuda para realizar cirurgias de reafirmação de gênero e, assim, tornar-se a mulher que sempre sonhou ser.
Forjando a morte de Manitas e escondendo sua família, dois filhos e sua esposa Jessi (Selena Gomez), na Suíça, Rita completa o trabalho e recebe a fortuna que lhe foi prometida.
Anos depois, reencontra Emilia Pérez (nome adotado pela recém-transicionada mulher) e ganha mais uma missão: reunir Emilia com sua família, que não faz ideia de todo o plano executado.
Após o reencontro das protagonistas, ambas retornam ao México e começam o processo de reaproximação com a família. Enquanto isso, Emilia também deseja se redimir pelo seu passado no tráfico, criando uma ONG que auxilia famílias de pessoas desaparecidas.
Com tantas 'abas" abertas,“Emilia Pérez” se perde em tentativas de conectar todas as nuances do filme em uma força só, além de escantear uma das temáticas mais importantes a que, inicialmente, se propunha explorar: a transição de Emilia.
Emilia renega sua vida dentro do cartel, literalmente “matando” seu eu passado. Com uma representação obtusa do processo de transição, quase não há uma conexão com o que é mostrado em tela. Nem mesmo Karla Sofía, a primeira mulher trans a ser indicada ao Oscar, consegue maquiar a má abordagem abraçada por Jaques.
Caricatura
Fica claro que "Emilia Pérez" adota uma abordagem, no mínimo, rasa da cultura que tenta representar, seja pela ausência de atores mexicanos no elenco, seja pela representação caricata do que seria o México aos olhos do diretor europeu. O resultado é um retrato pobre em representatividade cultural e de gênero.
Nem mesmo a trilha sonora do musical se conecta de forma legítima com a trama, apesar de também concorrer ao Oscar desse ano na categoria de Melhor Canção Original, com “Mi Camino” e “El Mal”.
Além da falta de 'match' entre a linguagem musical adotada e o enredo, há ainda um pecado grave no roteiro em que a música e o canto são protagonistas: um elenco que pouco se destaca pelas técnicas vocais, à exceção da atriz e cantora americana Selena Gomez, que ainda distrai com um espanhol pouco claro.
Polêmicas
Afora todas essas problemáticas que envolvem "Emilia Pérez", a participação de Karla Sofía Gascón na campanha do filme em busca de algumas estatuetas do Oscar fez emergir uma série de polêmicas envolvendo seu nome.
Em entrevistas a veículos brasileiros, Gascón inicialmente elogiou Fernanda Torres, com quem disputará o Oscar de Melhor Atriz, mas, também usou a própria mídia para "pedir ajuda" de Torres por estar sofrendo hater de fãs brasileiros.
"Fernanda, me ajuda com a sua galera", disse Gascón em uma das entrevistas. Fernanda Torres, por sua vez, publicou, em suas redes socais, um vídeo em que pedia para o público brasileiro manter o respeito pela atriz espanhola, que nunca postou ou reconheceu publicamente o gesto da protagonista de "Ainda Estou Aqui".
Na mesma entrevista, Karla Sofía também se queixou de pessoas que deu a entender serem da equipe do filme brasileiro, "equipes de redes sociais que trabalham ao redor dessas pessoas (Fernanda) tentando diminuir o trabalho de outros como o meu ou o filme porque isso não leva a lugar algum."
Essa fala acendeu o alerta no público brasileiro, que começou a cogitar uma punição a Gascón, uma vez que a Academia tem regras que proíbem ataques ou considerações desonrosas entre indicados.
Mas, o pior foi a descoberta de postagens antigas de Karla Sofía Gascón no X – quando este ainda se chamava Twitter – , que emergiram na web nas últimas semana.
Tuítes repletos de racismo, xenofobia, islamofobia, com comentários controversos sobre, por exemplo, o caso George Floyd, muçulmanos, e sobre a política de diversidade do Oscar.
Totalmente acuada pela avalanche de revelações, Gascón chorou em entrevista, se disse vítima da "cultura do cancelamento", pediu desculpas pelos antigos tuítes e anunciou que estava fechando sua conta no X. Em seguida, noticiou-se que a Netflix a afastou da campanha do Oscar.