"Entre a Flor e a Cruz" legitima a musicalidade nordestina da Banda de Pau e Corda
Álbum recentemente lançado pela Biscoito Fino, celebra 50 anos de trajetória da banda
Antes do cumprimento (com um abraço), um passeio pelos "oxentes", "tu visse" e "bora" estampados na camisa já seria suficiente para estreitar ali uma prosa com Sérgio Andrade.
Afinal, há pelo menos cinco décadas, via Banda de Pau e Corda, é este o dialeto reverberado por ele ao celebrar a musicalidade nordestina palcos Brasil e mundo afora, desde "Vivência" (1973, RCA), o álbum inaugural, até o recente "Entre a Flor e a Cruz" (2023, Biscoito Fino) - trabalho que reforça a significância de ser do Recife e se valer, assim, da raridade sonora e poética cultivada pelo grupo - longevo, raro e bravamente resistente à turbulência rítmica, comercial e rasa que segue predominante ouvidos afora.
Com Fagner, Lenine, Marcos Valle, Juliana Linhares e padre Fábio de Mello entre os convidados da festa dos 50 anos - que tem Sérgio como remanescente da formação original do grupo - "Entre a Flor e a Cruz" tem produção de José Milton e de Alexandre Baro, este último baterista e percussionista do sexteto.
Yko (flauta), Júlio Rangel (viola e vocal), Sérgio Eduardo (contrabaixo), Zé Freire (violão e vocal), além de Sérgio Andrade, voz principal da banda fundada por ele e pelos irmãos Waltinho e Roberto Andrade - este, falecido em 2017, mesmo ano em que também se foi Paulo Rezende, primo do trio de irmãos e também co-fundador da banda - completam o grupo.
O disco, que mescla inéditas, como "Rosa Roubada" (Sérgio Andrade) e "Insônia" (Yko Brasil), regravações e retorna também com canções que foram destaques na trajetória do grupo, é aberto por "Vivência", composta por Waltinho e Roberto Andrade, e que deu nome ao primeiro trabalho da banda.
Na faixa seguinte, a conexão Paraíba-Pernambuco vem à tona com a ciranda de Chico César "Moer Cana" e é nela que Lenine empresta sua voz. E composta por Gean Ramos Pankararu e PC Silva, vem a seguir a faixa-título "Entre a Flor e a Cruz".
Rememorando as origens, "Areia" (Sérgio Andrade e Waltinho, 1976) é revisitada no disco e conta com a participação de Fagner. Tal qual "Lampião" (1973) e "Flor D'Água" (1974), ambas de autoria de Roberto Andrade e Waltinho, além de Esperança (Sérgio Andrade e Waltinho), que conta com a participação de Pe. Fábio de Melo.
"Lamento Sertanejo" (1973) de Gil e Dominguinhos e "Carcará" (1964), composta por João do Vale e José Cândido - esta, incrementada no disco pela sutileza (e força) de Juliana Linhares - reforçam o quão apta é/está a Pau e Corda quando se trata de temáticas que enaltecem o Nordeste.
Já "Pelas Ruas do Recife" (1968), composta por Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, encerra o disco e emociona ao reforçar o Frevo como ritmo intrínseco à banda, na mesma medida em que foi/é "Viva o Recife" (Sérgio Andrade e Zezinho Franco, 1979) em toda nobreza de exaltar acordar a capital pernambucana e encontrar o povo nas ruas, nas pontes, nas praças, com alegria - no gingado do frevo, da ciranda, do baião e da Banda de Pau e Corda, incólume aos avessos prescindíveis da arte.