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Entrevista: Milhem Cortaz encara o cativante malandro Osmar de "Volta por Cima"

Na pele de Osmar, Milhem tem se desdobrado para viver um personagem que está constantemente na corda bamba da ética e da moralidade.

Milhem CortazMilhem Cortaz - Foto: Divulgação/Globo

Encarar um vilão não é nenhuma novidade para Milhem Cortaz. Ao longo de sua trajetória no vídeo, o ator de 52 anos ficou conhecido por encarnar tipos desagradáveis e amorais.

A trama de “Volta por Cima”, porém, mostrou que nem sempre carranca e maldade são a base para a construção de um vilão.

Na pele do malandro Osmar, Milhem tem se desdobrado para viver um personagem que está constantemente na corda bamba da ética e da moralidade.

“É um personagem que é um grande vilão, mas é um tipo muito complexo. É um vilão difícil de adestrar, mas como venho de uma linha de vilões na dramaturgia, tem sido mais fácil, até porque a Claudia (Souto, autora) o descreve muito bem. Ele é otimista para o lado bom e ruim. Ele acredita muito nos caminhos. É mais um brasileiro que não sabe onde vai chegar”, aponta.

Homem preguiçoso e sem aptidão para o trabalho, Osmar se faz de coitado para ser protegido pela irmã, Doralice, papel de Teresa Seiblitz. Ele quer uma vida que não pode ter, mas diz que um dia terá tudo o que sempre sonhou.

Com a morte de Lindomar, rouba um bilhete premiado da irmã e das sobrinhas, comprado pelo pai. Além disso, acaba seguindo o caminho da contravenção ao se relacionar com Violeta, papel de Isabel Teixeira.

“O Osmar é parecido com muitos brasileiros que conhecemos. É um cara otimista e esperançoso. É uma novela popular e para se divertir, mas não é boba. É engraçada”, defende.


P – Após diversos personagens vilanescos, o Osmar traz um seu lado leve e cômico. Você chegou a ser surpreender com essa escalação?
R – Sabe qual foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça? 53 anos? Convidado? Raramente sou convidado para alguma coisa. Estou sempre fazendo teste. Então, que bom e que legal que isso aconteceu.

Acho que a maturidade me trouxe uma certa elegância. Isso faz com que as pessoas me enxergarem de outra forma. Com todo esse relaxamento e não me levar tanto a sério, eu talvez consiga construir um caminho mais leve e divertido.

Na verdade, sou sempre surpreendido quando alguém me convida para um papel. Nunca estou esperando. Fiquei animado porque estava diante de um personagem que é um grande vilão, mas é um tipo muito complexo.

P – Como assim?
R – Osmar é o típico brasileiro que temos na família bem próximo. Aquela pessoa que não dá certo em nada do que faz. Arruma um jeito de vencer na vida e chamar atenção. É o personagem mais complexo que fiz na televisão até hoje em novela. É um vilão difícil de adestrar, mas como venho de uma linha de vilões na dramaturgia, tem sido mais fácil. Até porque a Claudia o descreve muito bem.

P – Mas você se sente mais leve em cena ao viver um tipo mais descontraído?
R – Acho que não porque a exigência é a mesma. O envolvimento é o mesmo. Coloco toda minha energia em cada trabalho. São 10 meses pensando nele. Separando uma parte da sua vida e do seu cotidiano para viver outra realidade. É uma dedicação de tempo igual aos demais trabalhos.

P – O Osmar tem uma trajetória muito tortuosa. Malandro e atrapalhado, ele vive o dilema de ter se dado bem depois de roubar a própria família e de se tornar um contraventor. Tudo isso faz dele o grande vilão da novela?
R – Ele é o grande vilão. Totalmente vilão. Está escrito e construído assim pela Claudia. O que eu faço? Deixo a construção desse personagem aberta para ele ter uma infinidade de caminhos. Ele, por exemplo, ama demais a família dele.

Mas ele tem um grande erro com essa família. Ele faz aquilo (roubar o bilhete de loteria premiado) para se manter vivo. É a grande falha trágica dele. Desde o início, a minha ideia era construir um Osmar popular, cativante e cheio de humor.

P – Por quê?
R – Nunca foquei meu trabalho em algo popular. Então, se me perguntassem o que eu quero? Quero me tornar popular. É meu primeiro caminho nesse trabalho. E Osmar é bem complexo. Então, isso ajuda nesse caminho dúbio, né? Quero que público torça pela redenção ou pela morte dele.

Quero que curtam o Osmar do começo ao fim. Geralmente quero defender e humanizar os personagens que são densos. Aqui eu não preciso disso porque está escrito assim. A Claudia me surpreende com as atitudes humanas dele. Ele acerta e erra na mesma página.

P – O documentário “Vale o Escrito”, original Globoplay, aborda o mundo da contravenção e ganhou uma grande repercussão após o lançamento. Você chegou a se inspirar em tipos reais para viver o Osmar?
R – Me inspirei, na verdade, em muitos amigos parecidos. Pessoas bem-sucedidas e com privilégios e facilidades, mas que a vida não dá certo. Eu não digo que o Osmar é o vilão porque faz maldade. Mas são as escolhas que ele faz.

P – De que forma?
R – Ele é um cara idôneo, guerreiro e que ri para as dificuldades. Mas ele não dá certo. Estamos falando de um brasileiro. Por mais que se esforce, ele não dá certo. Se quando a vida é generosa, a gente erra, né? Imagina quando a vida não é. A vida mostra que ele não tem talento. Essa tristeza e indignação trazem uma carga de dúvida que faz com que ele erre.

P – Surpreendeu você o retorno positivo do público?
R – Acho que é um personagem que diverte as pessoas. É um homem protetor, digno, mas cheio de erros. Acho que todo mundo se apaixona por ele porque é o vilão mais humano que recebi na minha mão.

"Volta por Cima" – Globo – Segunda a sábado, às 19h30.

Ator e padeiro
A vida artística é apenas parte da rotina de Milhem Cortaz. O ator também é dono de uma padaria na Zona Oeste de São Paulo.

A panificação chegou na vida de Milhem durante a pandemia de coronavírus. O hobby, porém, foi ganhando contornos profissionais ao longo do tempo.

“Hoje a padaria está voando. Funciona bem no balcão e estamos vendendo bastante para os restaurantes de São Paulo. Não pretendo abrir filial pelo Brasil porque tenho de estar por perto. O pão sai das minhas mãos. Não tem como terceirizar”, explica.

A padaria, no entanto, não é o único negócio de Milhem. Ele também é sócio da Cannoleria do Bixiga. O local — aberto em 2015 por Alexandre Leggieri e encerrado em 2023 — foi reaberto, sob nova direção, no mesmo endereço.

“A Cannoleria é mais fácil de ter filiais. Penso em uma expansão para bares e restaurantes. Depois disso, penso também em uma expansão para o Rio de Janeiro”, planeja.

No sangue
O desejo de ser comerciante era algo que corria nas veias de Milhem Cortaz. Filho de comerciantes, o ator via como natural o desejo de empreender. A ideia de trabalhar no comércio, inclusive, era mais palpável do que a trajetória artística.

“Cresci em um estoque, almoxarifado. Está enraizado em mim. Se não fosse agora, seria mais para a frente”, explica o ator, que sempre se sentiu à vontade atrás do balcão. “Faz mais parte da minha vida do que a arte. A arte eu fui conquistando e aprendendo, trazendo para perto. O comércio é de berço”, completa.

Instantâneas
# O ator está no elenco da série “Vermelho Sangue”, original Globoplay, que estreia ainda este ano.

# Milhem também pode ser visto em outros serviços de streaming. Ele está no elenco de “B.A: O Futuro Está Morto”, original Max, e “Anderson Spider Silva”, disponível no Paramount+.

# Antes de ganhar destaque na Globo, o ator realizou uma série de trabalhos na Record, como “Essas Mulheres”, “Cidadão Brasileiro” e “Os Dez Mandamentos”.

# Milhem começou no teatro, aos 11 anos de idade.
 

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