Fechadas, galerias abrem mão de sedes físicas, mas seguem vendendo na crise
Transformação dos espaços físicos das galerias, motivada pela transição para o digital, é uma de tantas que o mercado de arte tem promovido para se adaptar ao novo cenário
Luciana Caravello fechou sua galeria de 500 metros quadrados no Rio de Janeiro e a trocou, no início de julho, por um espaço de 70 metros quadrados em São Paulo. Ali, funcionará sem exposições, só para mostrar obras a compradores.
A mudança, que já estava sendo gestada, foi impulsionada pela pandemia. "O tal do 'stay home' me fez ver que dá para fazer: eu posso ter um galpão em algum lugar e ficar remota. Mas, em março, isso ainda era surreal", conta.
Essa transformação dos espaços físicos das galerias, motivada pela transição para o digital, é uma de tantas que o mercado de arte tem promovido para se adaptar ao novo cenário. Outra é atrair novos colecionadores, ofertando obras mais acessíveis.
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Algumas das casas especializadas nesse perfil dizem ter registrado até mesmo altas de vendas neste período de quarentena. Elas trabalham com artistas em início e meio de carreira, e com preços que giram em torno dos R$ 5.000 aos R$ 50 mil, aproximadamente.
Lucas Cimino, sócio da Zipper Galeria, é um dos que afirma ter registrado um recorde histórico de transações. Ele, que trabalha com obras dos R$ 20 mil a R$ 70 mil, diz que as vendas em junho, um "mês normalmente morto", mais do que triplicaram em relação ao mesmo período de outros anos.
Além da Zipper, as também paulistas Janaina Torres e OMA Galeria afirmam ter alcançado altas inéditas.
No caso de Caravello, a equipe trabalhando remotamente e as vendas online estimularam a mudança para São Paulo, que, segundo ela, já tinha um público disposto a comprar pela internet. Ela também lançará uma plataforma mais interativa, com salas de exposições virtuais e a compras diretamente no site.
Por causa da quarentena, exposições não estão no horizonte, mas ela planeja alugar espaços temporários para mostrar seus artistas no futuro.
O cenário de pandemia também impulsionou o fechamento da galeria da Fortes d'Aloia e Gabriel na Vila Madalena e a reforma do galpão na Barra Funda, ambos bairros da zona oeste de São Paulo, um processo gestado há três anos.
"A gente já tinha o projeto desenvolvido, mas é uma hora em que você tem que repensar o tempo das coisas e das operações", diz Alexandre Gabriel, da Fortes.
A galeria não pretende reduzir o número de exposições. Uma reforma prevista para ser finalizada em março de 2021 mudará a disposição do galpão, com um espaço expositivo de 400 metros quadrados.
"Neste ano, o foco de todo mundo foi o site, porque não tinha feiras. Então, a forma como você trabalha o online teve que necessariamente mudar num ritmo super forte", afirma. No caso da Fortes, isso englobou registros das montagens em vídeos e salas virtuais com formatos diferentes para cada exposição.
Ele diz acreditar que a sofisticação das exposições e vendas no ambiente virtual não substituirão espaços físicos, mas que não há retorno para os sites pensados num mundo pré-pandemia.
A transição para o digital ainda pode ter garantido fôlego renovado ao mercado de arte. Depois de março e abril com vendas pingadas, nos últimos meses, os negócios começaram a voltar, dizem os galeristas.
Se os resultados não se equiparam aos de antes da pandemia - uma das casas estima que o faturamento neste primeiro semestre representou um quarto daquele alcançado no mesmo período do ano passado, por exemplo -, eles parecem ser o suficiente para manter o otimismo das casas, que em março previam uma hecatombe.
Até porque, elas declaram, não foram só as exposições e feiras virtuais ou a presença nas redes sociais que contribuíram para essa retomada. Segundo os marchands, a própria quarentena parece ter renovado o interesse pela arte.
De um lado, eles dizem, os colecionadores, isolados em casa, passaram a conviver mais com os acervos que já possuem, o que estimulou o interesse em novas aquisições.
De outro, uma nova safra de clientes, mais jovens e acostumados às compras via redes sociais, vem se delineando. "Acho que as pessoas começaram a notar aquela parede vazia, ou aquele trabalho que não tinha significado, e isso incomodou mais do que antigamente", resume Cimino, da Zipper.
Isso, aliado ao cancelamento em série das feiras internacionais, que comprometem boa parte do orçamento das casas, faz com que as perspectivas do mercado de arte soem mais favoráveis do que a de muitos outros setores. Só uma participação na SP-Arte, por exemplo, pode ultrapassar os R$ 100 mil, e alguns espaços viajavam para mais de uma dezena de eventos do tipo num ano.
Mesmo assim, o período está longe de ser de vacas gordas. Várias galerias menores continuam a sofrer. E a OMA e a Janaina Torres, outras a relatarem altas de vendas, creditam seus crescimentos a uma ação promocional do projeto Partilha, nascido da união de espaços pequenos e médios na pandemia. As galerias que participam da iniciativa oferecem descontos sobre trabalhos de outros artistas em compras de obras selecionadas.
Thomaz Pacheco, da OMA, diz que iniciou a ação já em abril, um mês antes das demais galerias a adotarem. Ela resultou na comercialização de 33 obras, mais do que as 26 do seu pico de vendas anterior, na SP-Arte. Além disso, vários desses negócios foram fechados com colecionadores novos.
Pacheco avalia que a quantidade de obras vendidas e a conquista de 20 novos clientes fez valer a pena baixar os preços. Mais importante, porém, foi o fato de que a ação conseguiu beneficiar vários artistas da galeria. "Em tempos adversos como esses, é fundamental a preocupação com quem está construindo com a gente. Porque a galeria ganha com todos os artistas, mas o artista só ganha com o próprio trabalho."
Mesmo mantendo os valores, espaços maiores também relatam ter visto uma procura maior por obras mais acessíveis. Além de funcionarem melhor no ambiente virtual, elas também são mais atrativas para os novos colecionadores.
Um cliente novo provavelmente não comprará um trabalho de R$ 200 mil de uma casa que não conhece, exemplifica Alexandre Gabriel, da Fortes, pois isso "exige um nível de envolvimento com a galeria". "Ele vai comprar uma fotografia ou um desenho de um artista conhecido."
"Estamos nos adaptando", diz Thiago Gomide, da Bergamin e Gomide, que conta ter apostado em obras de artistas mais jovens do seu time, como Marcelo Cipis, e estar vendendo trabalhos de R$ 20 mil a R$ 200 mil.
Antes, a faixa girava em torno do R$ 1,5 milhão, e a maioria das vendas era para estrangeiros.
Luisa Strina, a mais poderosa galerista do país, afirma que recentemente voltou ao ritmo normal de vendas.
Segundo ela, sempre há mercado para coisas boas. "O desejo continua, ele não vai embora."
Questionada sobre as suas expectativas para o futuro, ela responde que o cenário é incerto. "Se eu soubesse, te contava. Mas não dá para saber."