Fernanda Montenegro retorna aos cinemas e protagoniza o filme "Vitória"
Marcado pela força natural e carisma de Fernanda, o longa envolve sua narrativa em volta da personagem cativante de Dona Nina, resguardando o legado de uma história real.
Após a campanha significativa da filha (Fernanda Torres) durante a temporada de premiações, com sua vitória emocionante no Globo de Ouro e passagem pelo Oscar, é a vez de assistir ao retorno tocante de Fernanda Montenegro às telas do cinema.
O longa “Vitória” estreia hoje nos cinemas e é marcado pela força natural e carisma de uma das maiores atrizes brasileiras.
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Conhecemos Joana Zeferino da Paz, ou Dona Nina, idosa e doméstica aposentada, que mora em frente a um ponto de encontro de traficantes, no Rio de Janeiro. A vida dela é marcada pelos tiros, execuções a céu aberto e vendas de drogas.
Após diversas tentativas falhas de denúncias, a protagonista decide agir por conta própria e gravar a rotina do tráfico, de sua janela.
Com suas fitas de gravação e ajuda do jornalista policial Flávio Godoy (Alan Rocha), ela consegue derrubar aquela rede de crimes.
Fato real
O longa-metragem é baseado em uma personagem real, que precisou viver em anonimato, protegida pelo Programa de Proteção à Testemunha, e adotou o nome Vitória para se esconder.
Em 2023, após sua morte, sua identidade e características reais foram divulgadas, e entre elas o fato de Joana ser uma mulher preta, o que gerou polêmica nas redes sociais pela escolha de uma atriz branca para interpretá-la.
As gravações de “Vitória” foram encerradas em 2022, mas de acordo com reportagem exibida pelo “Fantástico” no último domingo, a produção do filme tinha conhecimento de suas características físicas e detalhes.
A opção por fazer mudanças na história e aparência da personagem teria sido com intuito de evitar uma possível identificação.
Andrucha Waddington (“Sob Pressão”, “Casa de Areia”), genro de Fernanda Montenegro, assumiu a direção do filme após a morte do realizador Breno Silveira (“Dois Filhos de Francisco” e “Entre Irmãs”) durante as gravações.
O cineasta teve um infarto fulminante quando filmava uma cena em Pernambuco, na cidade de Limoeiro, em 2022.
Nunca uma vítima
É muito fácil para uma narrativa encaixar uma personagem como Nina numa posição de vulnerabilidade e incapacidade.
O longa não deixa de explorar a sensibilidade da vida da protagonista, uma senhora de 80 anos que é muitas vezes incompreendida e descredibilizada pela polícia e moradores do prédio.
Mas acima disso, não isenta a mulher de ser ativa em suas decisões e imposições. Mesmo diante das trocas de tiros que invadem seu apartamento, com balas perdidas marcando suas paredes e tirando suas noites de sono, ela não para de realizar suas denúncias e tentar de tudo para que aquele espaço volte a ser seu por inteiro.
Sem rodeios em suas falas, Fernanda é brilhante em seu timing e consegue até aliviar momentos de tensão com sua entrega carismática.
Falando em entrega, o elenco coadjuvante do filme harmoniza muito bem com a história. Destaco a atuação singela de Linn da Quebrada, que vive a vizinha de porta de Nina, Bibiana.
Mais jovem que a protagonista, Bibiana sempre enxergou Dona Nina. Não apenas como os outros moradores, mas realmente criando laços com a personagem.
Ambas protagonizam cenas bonitas, estabelecendo sua amizade.
Conflito
Em dos momentos mais sensíveis do filme, Nina descobre que, para que a polícia siga usando suas fitas para investigação do tráfico, ela teria que se mudar de seu apartamento e viver em anonimato, escondida daqueles que poderiam lhe caçar.
“A senhora quer que eu morra para não morrer?”, pergunta para a chefe de polícia (Laila Garin), com uma carga emocional que não pega de surpresa, mas que encanta da mesma forma.
Outro personagem de destaque durante esse momento de conflito é Marcinho, vivido pelo talentoso Thawan Lucas. O menino representava aquilo que Dona Nina acreditava: esperança.
Ali, naquela criança que desde muito nova vivia em uma situação de vulnerabilidade social, a protagonista via a esperança da solução de seu conflito.
E justamente ao ver essa peça, tão central para o entendimento da personagem de Dona Nina, adentrar o ciclo do tráfico, a personagem começa a encarar toda a situação com outro olhar, mesmo que lentamente.
“Vitória” é envolvente, emocionante e um retrato da coragem. Um tipo de narrativa que abraça a protagonista como a alma da trama, a bússola da narrativa. Nas telas, Fernanda Montenegro com presença arrebatadora, e na memória, o legado de Joana da Paz.