Festival de Gramado tem início nesta sexta em busca de um final feliz após tragédia das chuvas
Primeiro grande evento a ser realizado no estado, evento apresenta novos longas de Anna Muylaert, Eliane Caffé e estreia na direção da atriz Dira Pae
“Uma operação de guerra”. É como Rosa Helena Volk, organizadora do Festival de Cinema de Gramado, descreve os desafios de pôr de pé a 52ª edição do evento, que estende hoje seu tapete vermelho.
O festival será o primeiro grande evento no Rio Grande do Sul após as fortes chuvas que castigaram o estado entre o final de abril e início de junho, resultando em inundações, deslizamentos e grave comprometimento da malha aérea e viária, afetando mais de dois milhões de habitantes, em 478 cidades, e deixando 182 mortos, segundo dados da Defesa Civil do RS.
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Apesar de localizada na região serrana, Gramado não escapou do impacto das chuvas. A cidade teve deslizamentos em diversas áreas e viu seus acessos serem gravemente prejudicados, com impacto até os dias de hoje no cotidiano local, que tem o turismo como principal matriz econômica.
— Não está sendo fácil. Nosso planejamento teve que ser todo alterado, mas desde um primeiro momento tínhamos uma certeza: o festival tinha que acontecer — conta Volk, presidente da Gramadotur, autarquia municipal responsável pela realização do evento.
— O Festival de Gramado sobreviveu ao fim da Embrafilme no governo Collor, com a falta de produções nacionais, sobreviveu à pandemia e sobreviveu à ausência de investimentos federais e estaduais no passado. Passou por inúmeras situações econômicas e políticas, e continuou. O festival tem sido um palco de resistência do audiovisual brasileiro e irá continuar.
Após a exibição do filme de abertura nessa sexta (9), “Motel Destino”, de Karim Aïnouz, fora de competição, o Festival de Gramado inicia no sábado as sessões de sua mostra competitiva, com as produções na disputa pelo troféu Kikito. “Barba ensopada de sangue”, adaptação de livro de Daniel Galera por Aly Muritiba; “Cidade; Campo”, drama de Juliana Rojas exibido no Festival de Berlim; “Estômago 2: o poderoso chef”, continuação de hit de 2007 mais uma vez sob comando de Marcos Jorge; “Filhos do mangue”, novo longa de Eliane Caffé; “O clube das mulheres de negócios”, trabalho de Anna Muylaert com Rafael Vitti, Louise Cardoso, Irene Ravache e Luis Miranda no elenco; “Oeste outra vez”, de Erico Rassi; e “Pasárgada”, estreia na direção de Dira Paes, são os filmes na disputa na competição principal de longas.
Transtorno no transporte
Volk aponta que o evento não teve cortes no orçamento, mas sofreu com o aumento significativo de custos, especialmente de logística, em razão do fechamento, desde o início de maio, do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre (ainda sem data para retorno — especula-se, diz Volk, um retorno no final de outubro, operando com um terço da capacidade regular), e da impossibilidade de passagem em algumas estradas, como o caminho mais curto entre Caxias do Sul e Gramado, por Nova Petrópolis.
Os custos de transporte subiram dez vezes em comparação com os do ano passado, com realizadores, atores, jornalistas e cinéfilos que visitarão a cidade precisando chegar via alternativas à capital, como Canoas, Caxias do Sul, Florianópolis e Jaguaruna (as duas últimas em Santa Catarina).
— Gramado escolheu que seu desenvolvimento como cidade seria através de eventos culturais — lembra Volk, que cita ainda as realizações do Gramado in Concert (festival internacional de música erudita) e o Natal Luz. — Manter o festival de cinema é pela sobrevivência da cidade, é o nosso negócio. Precisamos mostrar que a estrutura turística está toda preservada.
‘Festival mais importante em 2024 do que nunca’
Turismo, por sinal, é um elemento chave na equação. Principal destino turístico e dona da maior rede hoteleira do Rio Grande do Sul, Gramado tem sua economia 87% dependente da movimentação turística, segundo a Gramadotur.
No período mais grave das chuvas, em maio, a cidade viu alguns de seus mais de 200 hotéis e 300 restaurantes optarem por suspender o atendimento, alguns dando férias para os funcionários.
A presidente da Gramadotur, Rosa Helena Volk, no entanto, garante que toda a estrutura da cidade já foi restabelecida. Ela comemora ainda o retorno, aos poucos, dos turistas à região, especialmente no que diz respeito ao turismo local ou rodoviário.
Nas férias de julho, a cidade recebeu uma grande leva de visitantes vindos do próprio estado, do Paraná e de Santa Catarina.
E o turismo se mistura à cultura na cidade.
— Imediatamente após o evento climático, passamos a não evitar esforços para trazer de volta os postos de trabalho para toda a gente da área das artes e da cultura. Não queríamos uma outra pandemia, em que os artistas fossem os primeiros a parar e os últimos a retornar — diz Beatriz Araujo, secretária de Cultura do RS. — Não temos constrangimento de investir em cultura, é um investimento também em segurança e em turismo.
Outro palco
O ator Caio Blat assume, pelo segundo ano, a responsabilidade de ser um dos curadores do evento (função dividida com o crítico e jornalista Marcos Santuario).
— É diferente de tudo que já fiz, uma trabalheira enorme, mas é um privilégio poder assistir a tantos filmes. É uma dificuldade fazer escolhas e definir um recorte — diz ele.
Blat destaca a forte presença de realizadoras mulheres, que comandam mais da metade dos filmes selecionados.
O fato também é celebrado por Anna Muylaert, que retorna ao evento em que foi premiada por “Durval Discos”, vencedor dos Kikitos de melhor filme, direção e roteiro, dentre outros. Ela também exibiu na cidade “Que horas ela volta?”, mas fora de competição, em 2015.
— É muito bom retornar ao Festival de Gramado 22 anos depois com quatro filmes, dos sete da competição, de diretoras mulheres — diz Muylaert, que era a única diretora na competição em 2002.
À parte a disputa principal, Gramado conta com seleções competitivas de longas e de curtas gaúchos, além de outras duas mostras, com exibição exclusiva no Canal Brasil, de documentários e de curtas brasileiros.
O evento contará ainda com sessões especiais de “Virginia e Adelaide”, longa de Jorge Furtado e Yasmin Thayná, com Gabriela Correa e Sophie Charlotte no elenco, e “Cidade de Deus: a luta não para”, série da HBO que terá o primeiro episódio exibido no evento. É uma continuação do clássico nacional “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, que retorna agora como produtor.
Quem também retorna é Alexandre Rodrigues, no papel do fotógrafo Buscapé. A direção é do cineasta que, na disputa principal, concorre com a adaptação do livro de Daniel Galera, Aly Muritiba, que ano passado também apresentou uma série no festival, “Cangaço novo”, do Prime Video.
Destaques
Além de exibir “Virginia e Adelaide”, o gaúcho Jorge Furtado subirá ao palco do Palácio dos Festivais para receber o Troféu Eduardo Abelin, uma das homenagens especiais do evento.
Outros homenageados serão o ator Matheus Nachtergaele, com o Troféu Oscarito, a atriz Vera Fischer, com o Troféu Cidade de Gramado, e a diretora do Festival de Berlim Mariëtte Rissenbeek, com o Kikito de Cristal.
— Comecei minha trajetória como cineasta em Gramado, meu primeiro curta, “Temporal” (1984), foi exibido lá. Já estive concorrendo, como jurado, como espectador. Já recebi homenagens em outros lugares, mas ser homenageado no seu estado é especial — diz Jorge Furtado.
— Estrear o filme em Gramado é prestigiar o festival e valorizar o esforço da comunidade que o manteve apesar de tudo e de todas as dificuldades. O Festival de Gramado talvez seja mais importante em 2024 do que nunca.