Filha da Nobel de Literatura Alice Munro diz ter sido abusada sexualmente pelo padrasto
Andrea Robin Skinner publicou um texto em primeira pessoa em um jornal canadense; 'Nós nunca nos reconciliamos', disse
Andrea Robin Skinner, filha da escritora canadense Alice Munro, Nobel de Literatura morta em maio, afirma ter sido abusada por seu padrasto e que a mãe, sabendo de tudo, preferiu não se separar dele.
Num texto em primeira pessoa publicado no jornal canadense The Toronto Star, Andrea conta que, aos nove anos de idade, foi visitar a mãe durante as férias e, certa noite, foi atacada sexualmente pelo padrasto, Gerald Fremlin.
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“Na manhã seguinte, eu não conseguia levantar da cama. Eu tinha acordado com minha primeira enxaqueca, que, ao longo dos anos, se tornou um problema crônico, que persiste até hoje”, escreveu Andrea, que, na época, vivia com o pai, a madrasta e o irmão postiço, em outra cidade.
No fim das férias, Fremlin levou Andrea ao aeroporto sem a supervisão de Munro.
Ele perguntou à menina sobre a “vida sexual” dela, sobre “brincadeiras inocentes” com outras crianças. Também narrou sua própria vida sexual e intimidades de Munro.
De volta à casa do pai, Andrea contou tudo ao irmão, que sugeriu que ela conversasse com a madrasta. O pai da menina soube de tudo, mas decidiu não mencionar nada a Munro.
Andrea continuou frequentando a casa da mãe.
“Quando eu estava sozinha com Fremlin, ele fazia piadas sexuais, mostrava suas partes íntimas quando estávamos juntos no carro, me contava sobre as meninas da vizinhança de quem ele gostava e descrevia as necessidades sexuais da minha mãe”, escreveu Andrea no jornal. “Naquela época, eu não sabia que isso era abuso.”
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Quando Andrea tinha 11 anos, antigos amigos de Fremlin contaram a Munro que ele havia assediado a filha deles, de 14 anos. Ele negou tudo.
Negou também que já tivesse feito algo parecido com Andrea.
“Na frente da minha mãe, ele me disse que muitas culturas do passado não eram tão ‘puritanas’ quanto a nossa e que era considerado normal que crianças aprendessem sobre sexo fazendo sexo com adultos. Minha mãe não disse nada. Eu olhei para o chão, com medo de que ela visse meu rosto ficando vermelho.”
Durante a adolescência e a vida adulta, Andrea sofreu com enxaquecas, bulimia e insônia. Um dia, durante uma visita, Munro lhe contou que havia lido um conto sobre uma menina que morre sem contar a mãe que havia sido abusada sexualmente pelo padrasto. “Por que ela contou à mãe?”, perguntou a escritora.
Andrea, então, escreveu uma carta contando tudo.
“Estou guardando um segredo há 16 anos. Gerry abusou sexualmente de mim quando eu tinha nove anos, quando você estava na China. Quando você me falou do conto “Marine Life”, quis chorar e te abraçar e te agradecer e TE CONTAR. Tive medo a vida toda que você me culpasse pelo que aconteceu”, diz um trecho da carta, reproduzido no Toronto Star.
“Apesar da simpatia dela por uma personagem de ficção, minha mãe não teve nenhum sentimento semelhante para comigo. Ela reagiu exatamente como eu temia, como se ela tivesse descoberto uma infidelidade”, recorda. Munro foi morar provisoriamente com a irmã, convencida de que o pai de Andrea nunca lhe dissera nada sobre o abuso com o objetivo de “humilhá-la”. Ela também disse a Andrea que Fremlin tinha “amizades” com outras crianças.
Fremlin, por sua vez, ameaçou matar Andrea caso ela fosse à polícia e escreveu cartas culpando-a pelo abuso.
“Andrea invadiu meu quarto em busca de uma aventura sexual”, ele chegou a escrever. Munro se reconciliou com Fremlin, com quem viveu até a morte dele, em 2013.
“Ela disse que soube ‘tarde demais’, que o amava muito, que a culpa era da nossa cultura misógina se eu esperava que ela negasse suas próprias necessidades, se sacrificasse pelas filhas e compensasse as falhas dos homens. Ela estava convencida de que o que quer que tivesse acontecido era entre mim e o meu padrasto. Não tinha nada a ver com ela.”
Andrea tentou perdoar a mãe e continuar visitando a família, mas cortou relações com Fremlin quando teve filhos.
Ela não o queria perto das crianças. Munro disse que seria complicado visitar a filha sem o marido, uma vez que ela não dirigia. As duas se afastaram de vez.
Em 2004, Andrea leu uma entrevista da mãe ao New York Times na qual ela elogiava o marido e dizia ter uma “relação próxima com as filhas”.
Foi então que decidiu denunciar o padrasto. Como Fremlin tinha confessado o abuso nas cartas ameaçadoras enviadas à família de Andrea, ele acabou condenado a viver dois anos em liberdade condicional. Mas Munro continuou em silêncio.
“A fama da minha mãe garantiu que o silêncio continuasse”, afirmou Andrea. “Muitas pessoas influentes souberam de parte da minha história, mas continuaram a apoiar a versão que eles sabiam ser falsa. Parecia que ninguém queria que a verdade fosse contada.”
“Quanto a minha relação com minha mãe, nós nunca nos reconciliamos. Eu não me obriguei a consertar as coisas ou perdoá-la”, finalizou Andrea.