Sex, 26 de Dezembro

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Filme chileno retrata o processo de luto de uma mulher trans diante da morte do seu marido

“Uma mulher fantástica” ganha complexidade ao trazer personagem em meio à dor e ao preconceito

Marina (Daniela Vega)  enfrenta o desrespeito  das pessoas ao seu momentoMarina (Daniela Vega) enfrenta o desrespeito das pessoas ao seu momento - Foto: Imovision/Divulgação

A história de “Uma mulher fantástica”, em cartaz no Recife, segue um trajeto relativamente direto: uma mulher perde seu marido e precisa lidar com a tristeza e o processo burocrático do funeral.

O filme do chileno Sebastián Lelio ganha complexidade quando percebemos que Marina (Daniela Vega) é transexual e dessa forma toda essa rotina de luto é afetada por machismo, preconceito e a dura realidade de uma época em que pessoas não apenas olham feio para uma relação dessa natureza como também agridem os envolvidos.

É aniversário de Marina e seu marido, Orlando (Francisco Reyes), lhe oferece carinho e mimos. À noite, o homem sofre um ataque súbito e morre inesperadamente. Marina leva seu marido para o hospital e logo é cercada por acusações mascaradas como perguntas dos médicos: o que estavam fazendo?

A relação era consensual? Havia dinheiro envolvido? Marina precisa lidar não apenas com a perda de seu amor como também com a desconfiança e o despreparo das pessoas que se recusam a entender que ela é apenas uma mulher em luto.



A vida da protagonista piora muito quando a família de Orlando se envolve. Ele, um homem mais velho, foi casado e tinha filhos - gente que não entendia essa nova relação e enxergava Marina com uma mistura de ódio e nojo.

Às vezes esse sentimento parece contido em falsa polidez, como no caso de Sonia (Aline Küppenheim), ex-mulher de Orlando; em outras surge descarado de forma intensa e agressiva, nas ações de Bruno (Nicolás Saavedra), seu filho.

Adriana (Amparo Noguera) é a detetive do caso e mesmo tendo experiência em situações como a de Marina parece ser tão estúpida em seus modos como qualquer outro.

A força do filme é mostrar que nada no cotidiano de uma transexual é livre de preconceito e agressões; não há possibilidade de paz e respiro, nem mesmo em momentos de intimidade e luto.

 É impactante a forma como Sebastián transforma essas crises em material audiovisual, com cenas que reproduzem através de alegorias o estado emocional de Marina. Em outros momentos, o diretor usa o talento da atriz para a música (Daniela é cantora na vida real), entoando numa ópera versos emocionantes sobre seu processo particular de dor e luto.

Marina (Daniela Vega) enfrenta desrespeito das pessoas ao seu momento

Marina (Daniela Vega) enfrenta desrespeito das pessoas ao seu momento - Crédito: Imovision/Divulgação


A constatação de que este é o primeiro grande papel de Daniela apenas ressalta a versatilidade de seu talento. Ela carrega a complexa rede de emoções da personagem, que varia delicadamente entre o silêncio e a explosão diante de pequenas e grandes injustiças do cotidiano.

Embora seja um poderoso drama com temática contemporânea, abordando uma realidade injusta, o filme segue certos clichês de preconceito, criando personagens que são unicamente raivosos e brutos.

O que eleva o longa-metragem é a performance de Daniela: um fascinante e poderoso testemunho sobre a afirmação de uma identidade.

Cotação: BOM 

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