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Fim do Disney Channel no país deixa em luto fãs de atrações que marcaram, como 'Hannah Montana'

'Muita gente cresceu junto com os artistas', diz fã do canal por assinatura, que sairá do ar em fevereiro

High School Music, Hannah Montana e Os feiticeiros de Waverly PlaceHigh School Music, Hannah Montana e Os feiticeiros de Waverly Place - Foto: divulgação

O anúncio de que o Disney Channel sairá a TV a cabo do Brasil a partir do dia 28 deixou uma geração de fãs em luto.

No ar por aqui desde 2001, o canal já foi líder de audiência no segmento infantojuvenil e lançou astros teens como Miley Cyrus, Selena Gomez, Demi Lovato, Zac Efron, Zendaya e, mais recentemente, Jenna Ortega, que continuaram se destacando como cantores e atores na idade adulta.

Hoje na faixa dos 20 e dos 30 anos, o público que pegou o auge do canal, com produções como “Hannah Montana”, “High School Musical” e “Sunny entre estrelas”, envelheceu junto com seus ídolos e ainda mantém um vínculo com eles. Mesmo para quem já não assistia ao canal com frequência, a decisão da Disney soou como o fim de uma era.

Durante a infância, o estudante de Economia Paulo Calixto Silva achava que seu destino era casar com Alex Russo, a personagem de Selena Gomez na série “Os feiticeiros de Waverly Place”, produzida entre 2007 e 2012. Também jurava que chegaria a sua vez de protagonizar a vinheta clássica da emissora, em que os ídolos da casa desenhavam o logo da Disney Channel na tela com uma espécie de caneta mágica.

Após fevereiro, as suas atrações favoritas do passado, como “Hannah Montana” e “Sunny e as estrelas”, continuarão disponíveis, como muitas outras que tiveram produção encerrada, no streaming da gigante do entretenimento americano, o Disney+. Ainda assim, o jovem de 22 anos sente uma espécie de vazio com o fim do canal a cabo.

— É triste porque essa geração do meu irmão mais novo, que tem 14 anos e não faz ideia de quem seja Hannah Montana, terá menos chance de conhecer os programas mais antigos — diz Silva, que hoje já não sonha mais em pedir a mão de Selena Gomez, mas ainda assiste ocasionalmente aos programas com seu namorado. — Vai se criar um distanciamento ainda maior entre aquilo que eu vivi e aquilo que as novas gerações vão viver.

Questão de identidade
Como lembra a pesquisadora Tatyane Larrubia, que acompanha as novidades da Disney no perfil @alokadadisney, o canal seduzia os jovens com personagens que viviam os mesmos dilemas e desafios que eles — mas de forma “mágica e lúdica”. Em “Hannah Montana”, a adolescente interpretada por Miley Cyrus era uma garota comum do ensino médio que tinha uma vida secreta como popstar.

— Muita gente cresceu junto com os artistas e quando você vê quem você admira vivendo fatos corriqueiros do cotidiano do adolescente acaba criando uma relação de identificação — diz a carioca, de 32 anos, PhD em comunicação e cultura pop.

— O que tornava as produções do Disney Channel tão únicas para nós era a maneira como misturavam realidade e ficção. Muitas vezes, os atores tinham o mesmo nome dos personagens, e a gente ficava sem saber onde começava um e onde terminava outro. O personagem lançava uma música e você não sabia se ela era do artista ou do seriado.

A Disney não respondeu às perguntas da reportagem sobre o encerramento do Disney Channel e de outros canais do grupo (Star Channel, Cinecanal, FX, National Geographic e Baby TV).

Através de uma nota oficial, atribuiu a decisão “às transformações no cenário local de mídia e entretenimento” e ao objetivo de atender “às necessidades de nossos consumidores com agilidade e inovação”.


No auge da TV por assinatura, os principais canais disputavam a audiência investindo pesado em produções e astros. Nos anos 1990, a Disney teve entre suas crias ícones da cultura pop como Britney Spears, Christina Aguilera e Justin Timberlake, além do futuro indicado ao Oscar Ryan Gosling. Todos foram treinados desde cedo para cantar, dançar e atuar.

Esse star system continuou forte nas duas primeiras décadas deste século, antes que a internet mudasse de vez o comportamento do público.

— A TV a cabo trouxe a possibilidade de segmentar o conteúdo para o público infantojuvenil e foi nesse contexto que a Disney Channel surgiu — explica Pedro Curi, coordenador do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-Rio e especialista em hábitos de consumo de fãs brasileiros de séries de TV.

— Boa parte do público era atraído pelos ídolos formados pela emissora e pela garantia de que a qualquer hora haveria uma atração voltada para eles.

Nas últimas duas décadas, o modelo de nicho dos canais a cabo sofreu gradativamente um revés com a chegada do streaming e dos sites de compartilhamento de vídeo, aponta Pedro Curi. Com o digital, veio junto uma hiper-segmentação que fragmentou o consumo.

— Hoje, esse modelo de canal a cabo voltado para os mais jovens não cabe mais no atual ecossistema de comunicação — diz o pesquisador. — Creio que o grande desafio da Disney será trazer o público infantojuvenil para a sua plataforma de streaming, onde não existe uma curadoria tão bem amarrada quanto na TV. Essa migração não acontece naturalmente.

Para Melina Meimaridis, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em ficção seriada, a concorrência com produções de baixo orçamento na internet vai gerar novas lógicas de produção.

Enquanto os gigantes do entretenimento continuam apostando em qualidade e consenso para atender ao público mais geral possível, crianças e adolescentes se encantam por produtores de conteúdo autodidatas que proliferam no YouTube e no TikTok.

Os novos astros são muitas vezes jovens da mesma faixa etária, que usam a mesma linguagem do seu público e se especializam em temas ainda mais nichados.

— Minha sobrinha de 10 anos tem acesso a vários conteúdos no streaming, mas prefere ver conteúdo tosco no YouTube, em geral sketches mal ensaiados, mal apresentados e mal editados feito por pessoas sem formação — diz a estudiosa. — Outro dia ela, ficou vidrada em uma influenciadora mirim cujo único conteúdo é abrir pacote de bala.

Segundo Meimaridis, a democratização da mídia possibilita novas formas de ascender ao estrelato.

— Na era da produção de conteúdo para as redes, os ídolos não precisam mais ter aquele treinamento formal dos ídolos teens de antigamente, que aprendiam a ser bons em tudo — avalia a pesquisadora. — Agora é uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Hoje, vejo só o K-Pop sul-coreano investindo em ídolos com a intensidade que a Disney fazia.

Tatyane Larrubia diz que aposta em uma reinvenção das produtoras de entretenimento:

— Como fã, doeu no coração a notícia do fim do Disney Channel. Mas, como pesquisadora, entendo que era inadiável, cedo ou mais tarde ia acontecer. É verdade que, de forma geral, a relação do público com os seus ídolos mudou bastante. Mas acredito que sempre vamos procurar por artistas que tenham alguma forma de talento. Sem isso só se consegue uma fama efêmera.

Ela lembra que os ídolos da Disney nos anos 1990 e 2000 também eram questionados pela mídia.

— Diziam que os ídolos eram fabricados em série e que não tinham talento. Criticavam a Britney Spears pelo uso do playback, mas hoje todos reconhecem que ela entregava performances icônicas no palco — explica a especialista.

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