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Gabriel Mascaro imagina Brasil evangélico em 'Divino amor'

Depois de ser exibido em festivais internacionais, novo longa-metragem do cineasta pernambucano ganha pré-estreia nesta quarta-feira, no Cinema São Luiz

Filme mostra uma realidade futura num país dominado pelos evangélicosFilme mostra uma realidade futura num país dominado pelos evangélicos - Foto: Divulgação

Os dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010, mostram que o número de evangélicos no Brasil cresceu 61,5% em dez anos. Segundo especialistas, caso essa expansão não desacelere, a religião poderia se tornar majoritária dentro do país nas próximas décadas. Imaginar as consequências de uma mudança tão profunda em nossa sociedade é o exercício proposto pelo filme "Divino amor", de Gabriel Mascaro.

Após passar pelos festivais de Sundance e Berlim, o terceiro longa-metragem de ficção do diretor pernambucano chega aos cinemas brasileiros nesta semana. Uma sessão de pré-estreia ocorre nesta quarta-feira (26), às 20h, no Cinema São Luiz, com presença da equipe envolvida, incluindo o cineasta e elenco. É a primeira oportunidade que o público recifense tem de conferir como Mascaro usa a ficção científica para traçar reflexões sobre a atualidade. Como em toda boa distopia, o filme diz muito sobre a realidade.

Na trama, é 2027 e muita coisa mudou em território brasileiro. A maioria da população é evangélica e o carnaval perdeu espaço para a Festa do Amor Supremo, uma rave gospel que reúne multidões. É nesse novo contexto que vive a funcionária pública Joana (Dira Paes). Extremamente devota, ela utiliza seu ofício em um cartório para impedir divórcios. Recrutando casais para a seita da qual participa ao lado do esposo, Danilo (Julio Machado), ela entrega corpo e alma para reconciliar maridos e mulheres.

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Os esforços da protagonista, no entanto, não são puramente altruístas. Enquanto cumpre o que acredita ser sua missão, ela espera ter a fidelidade recompensada de alguma forma, ainda que não seja financeiramente. A fé quase inabalável da personagem só estremece diante da dificuldade em realizar o desejo de ter um filho. A intenção da obra, segundo o diretor, não é condenar a crença de Joana ou de seus correlatos na vida real. "Eu venho da classe média baixa. Vi meu bairro e meus vizinhos se transformarem com o avanço da evangelização. Embora veja esse processo com certa preocupação, respeito muito a fé das pessoas", declara o diretor.

Embora tenha começado a trabalhar no longa ainda em 2016, Mascaro aponta semelhanças entre o que retrata na tela e a ascensão política do presidente Jair Bolsonaro, eleito com forte apoio dos evangélicos no ano passado. "As relações com o presente são das mais assustadoras. Desde a estreia mundial, em janeiro, o filme ganhou mais calor. Confrontar as cenas com o que está acontecendo hoje é um exercício muito forte", afirma.



Ao passo que a religião influencia o comportamento das pessoas, o Estado se mostra cada vez mais dominador no futuro desenhado por Mascaro. O controle político do corpo humano é resumido no slogan do Governo Federal, que diz "A grande obra é cuidar da vida". Através de um scanner é possível saber o estado civil de alguém ou detectar uma gravidez, e até mesmo um exame de DNA pode ser aplicado mediante a simples conferência de um código de barras.

Foram utilizados como locações espaços como o Centro de Convenções, em Olinda, e um condomínio no bairro da Várzea, que pela aparência fria e impessoal fazem com que os cenários do longa não representem nenhuma cidade específica. "Para mim, o importante era pintar um religião muito complexa, capaz de se apropriar de uma imagem pop e de terapias que sugerem um comportamento liberal. Mas tudo está a serviço de uma agenda conservadora, da manutenção da família cristã", explica.

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