Gary Oldman fala sobre seus vícios e período de sobriedade
Ator inglês esteve em uma apresentação na Espanha do filme ''Parthenope'', de Paolo Sorrentino, no qual interpreta o escritor John Cheever
No terraço do hotel onde atende a imprensa, Gary Oldman fala enquanto luta contra os cabelos que invadem seu rosto. O vento não para, e o inglês não parece se importar muito.
Na verdade, um sentimento reina na expressão plácida do ator: nada o incomoda, o tempo está congelado, não há pressa, só há espaço para a diversão e a conversa tranquila. Oldman fala diante de grupo de jornalistas acelerados na apresentação de "Parthenope: Os Amores de Nápoles", de Paolo Sorrentino, que estreia amanhã na Espanha embora vá chegar ao Brasil apenas em março.
No filme, Oldman interpreta o escritor John Cheever, e durante a entrevista ele decide se abrir sobre a sua vida, a de um homem que não bebe há 27 anos. O ator respira fundo e não deixa espaço para muitas perguntas; só haverá respostas. Parte da tranquilidade vital de Oldman vem de seu casamento (o quinto) desde 2017, com a fotógrafa e galerista Gisele Schmidt.
''Sempre viajamos juntos, Gigi (acena para ela em uma mesa a poucos metros de distância), meu enteado (ao lado da mãe) e eu. E isso me fez passar pelo melhor momento da minha vida. Isso vem de alguém que passou metade da vida vivendo com uma mala, em hotéis. Apenas. Quando o dia terminava, eu ia para o hotel, pedia um jantar nojento ao serviço de quarto e, como escreveu John Cheever: 'Minha mão trêmula alcançava o telefone para ligar para o Alcoólicos Anônimos, e então pegava a última dose de uísque, o gim, o vermute... ligo amanhã.' Demorei muito para me livrar da ressaca, conhecer alguém e curtir viajar e ser feliz. Eu sei que também há pessoas que não entendem. Eu entendo. Eu estaria morto se não tivesse parado de beber.''
John Cheever é o último dos viciados, no caso do escritor em álcool. No filme, é interpretado por Oldman, um ator especializado em personagens turbulentos com os quais acabou se parecendo por muito tempo. Se, para o público do cinema popular, o londrino é aquele ator de sucessos como a saga Harry Potter ou o Batman de Christopher Nolan, os cinéfilos lembram dele, no final dos anos 80, como o sujeito pálido que surgiu no cinema indie inglês com "Sid e Nancy" e "O amor não tem sexo" antes de desembarcar nos Estados Unidos para a prodigiosa sequência prodigiosa "Tiros de miseridórdia", "JFK" e "Drácula".
Desde então, ele fez de tudo, filmes de médio orçamento e blockbusters, ganhou o Oscar por interpretar Winston Churchill em "A Hora Mais Escura" (2017) e foi indicado pela terceira vez (a primeira havia sido por "O espião que sabia demais") graças a "Mank".
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Ao longo dos anos, Oldman brincou com todos os tipos de sotaques e emprestou sua voz para filmes de animação e até videogames, mas seu histrionismo desaparece pessoalmente, e sua voz natural é muito mais um sussurro do que o jorro que emana da tela. Com o passar dos anos ele abandonou personagens sádicos por papéis com certa bonomia.
Cheever é um desses, um autor naufragado pelo álcool na idílica Nápoles que Sorrentino desenha em "Parthenope". Oldman sente que o papel chegou até ele na hora certa: suas experiências são semelhantes, embora o ator tenha sido salvo.
— Paolo me disse que John Cheever era um escritor melancólico, triste e bêbado. Eu sei o que é isso. Não é segredo que eu bebia e, na verdade, acabei de comemorar 27 anos de sobriedade — Oldman faz uma pausa, e fica claro que sua resposta estava incompleta.
— Cheever era uma alma torturada que sofria de uma vida dupla. Ele era casado, tinha família e teve que esconder sua homossexualidade porque era o que se fazia naquela época. Toda aquela culpa, vergonha e segredos o afogaram no álcool. Você conhece o ditado: 'Você é tão doente quanto seus segredos'. Os segredos comem você vivo, assim como quando você duvida de si mesmo ou se odeia. Entendi o personagem instintivamente, e criei minha própria versão melancólica daquele estereótipo do escritor solitário e alcoólatra, tipo Hemingway, com bloqueio criativo, que esconde um criador que sussurra em um ouvido e um crítico no outro. Eu sei disso tudo muito bem. Acho que foi isso que o levou ao álcool, porque foi o que me levou ao álcool.”
O ator insiste que, além dos prêmios ou dos aplausos, o que o salvou da autodestruição foi a aceitação de quem ele era e a participação nas reuniões dos Alcoólicos Anônimos.
— A sobriedade pode acabar em segundos. A aceitação tem que vir de você mesmo. Como diz o livro do Alcoólicos Anônimos: “A aceitação foi a resposta para todos os meus problemas” — E solta uma gargalhada. — Calma, o Oscar também é bom. Eu passo por ele de vez em quando.
Essa compreensão permite que ele dê vida, desde a sobriedade, a bêbados como em "Mank", neste "Parthenope" ou na série "Slow Horses" (disponível na Apple TV+).
— A romantização que a ficção costuma fazer do alcoolismo não é boa, e sempre foi assim. Todos os meus heróis quando criança eram bêbados. E agora olhem para mim, eu mesmo estou passando pelo meu período de personagens alcoólatras... Você sabe quem criou o melhor bêbado do cinema? Denzel Washington em "O voo". Denzel nunca decepciona.
Oldman, o novo xamã da autoaceitação, aconselha.
— Existe uma frase muito popular que diz algo como: 'Temos um pé no passado, outro no futuro, e mijamos no presente'. Ou seja, não aproveitamos o momento. É óbvio que não podemos fazer nada em relação ao envelhecimento, por isso não vale a pena se opor a ele. Portanto, hoje estou mais feliz do que nunca, me sinto mais confortável na minha própria pele do que quando era jovem.