Como guerras e incerteza política têm afetado o mercado bilionário da arte
Segmento teve volume de vendas mais baixo desde 2009, segundo empresa especializada, embora número de transações tenha batido recorde
Os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, além da incerteza política internacional, afetaram em 2024 o mercado de arte, que perdeu 33,5% de seu volume de negócios, registrando US$ 9,9 bilhões de dólares (R$ 57 bilhões), segundo o relatório anual Artprice.
Foi o volume de vendas mais baixo desde 2009, informou a empresa especializada em análise de mercados artísticos.
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A redução atingiu todas as grandes capitais: Nova York 29%, Londres 28%, Hong Kong e Paris 21%.
No entanto, o número de transações bateu recordes, chegando a mais de 800 mil (+5%), o que compensa essa queda e garante liquidez ao mercado de arte, disse Thierry Ehrmann, CEO da Artprice.
"Os grandes colecionadores estão cautelosos, mesmo no caso de grandes figuras como Mark Rothko, Jasper Johns, Ellsworth Kelly ou Jean-Michel Basquiat" destacou.
O mesmo vale para Pablo Picasso, cujas vendas mundiais devem cair à metade até 2024, para US$ 223 milhões (R$ 1,28 bilhão), segundo o relatório.
Já se foram os dias de lances recordes intermináveis em leilões de arte, com o mercado antes em expansão estimulado pelo dinheiro especulativo em declínio desde 2021.
Isso significa que alguns vendedores de alto nível adiaram ou cancelaram vendas planejadas, disponibilizando menos obras. Em um sinal da mudança no setor, a casa de leilões líder Sotheby's demitiu 100 funcionários — 6% de sua força de trabalho global — em dezembro.
Especialistas dizem que a queda acentuada no ano passado foi relacionada às guerras na Ucrânia e em Gaza, grandes eleições em todo o mundo e taxas de juros mais altas, que aumentaram o custo dos empréstimos.
Além disso, a economia chinesa desacelerou drasticamente desde a pandemia de Covid-19, enfrentando ventos contrários causados por uma crise de dívida em seu setor imobiliário e tarifas de seus parceiros comerciais.
Para compradores de alto patrimônio líquido, "a arte é o primeiro luxo que você para de comprar quando precisa consolidar, e é por isso que notícias econômicas positivas retornam ao mercado de arte muito rapidamente", disse Lindsay Dewar, da consultoria de mercado de arte ArtTactic, sediada em Londres.
Os insiders da indústria agora estão se perguntando como o mercado global reagirá à presidência de Donald Trump.
O otimismo inicial sobre um "impacto de Trump" nos mercados de ações desapareceu rapidamente, pois ele introduziu tarifas e iniciou brigas com aliados.
O enfraquecimento da demanda no nível global de colecionadores de arte também se alimenta das vendas primárias — vendas de obras por meio de galerias — que afetam os preços e a renda dos artistas.
Obras acessíveis e IA
As transações das Belas Artes (pintura, escultura, desenho, fotografia, gravura, vídeo, instalações, tapeçaria e NFT) diminuíram, à medida que os preços aumentaram.
Por outro lado, a atividade em torno de obras acessíveis vive uma efervescência sem precedentes, com mais da metade encontrando um comprador por menos de US$ 600 (R$ 3,4 mil), acrescentou Ehrmann.
A inteligência artificial (IA) também fez uma "entrada histórica" no mercado de arte com uma pintura feita pela Ai-Da, um robô humanoide autônomo.
O retrato do matemático inglês Alan Turing foi vendido por US$ 1 milhão de dólares (R$ 5,7 milhões), quase dez vezes o menor valor estimado.
Em relação aos países, destaca-se que a queda das vendas na China, com US$ 1,8 bilhão (R$ 10,38 bilhões (-63%).
O país caiu para o segundo lugar no mundo, atrás dos Estados Unidos (US$ 3,8 bilhões, ou R$ 21,91 bilhões), empatado com a União Europeia (US$ 1,8 bilhão, ou R$ 10,38 bilhões).
O preço recorde para uma obra de arte em 2024 foi o de 'L'Empire des Lumières' (O Império das Luzes), de 1954, do artista belga René Magritte, vendido por US$ 121 milhões (R$ 697 milhões), comparado aos US$ 139 milhões (R$ 801 milhões) pagos por uma obra de Picasso em 2023.
Já a "pop art" americana registrou um novo recorde de US$ 68 milhões (R$ 392 milhões) para uma obra de Ed Ruscha, nascido em 1937.
Duas grandes vendas de leilões futuras darão uma ideia das condições no topo do mercado.
A Sotheby's deve vender obras pertencentes ao falecido banqueiro nova-iorquino Thomas A. Saunders e sua mulher em maio, enquanto a Christie's levará parte da coleção de arte moderna do magnata dos livros Leonard Riggio a leilão nos próximos meses.