Há 100 anos a Escola Bauhaus mudava a história da arte
Confira a história de jovens recifenses que ainda carregam os traços deixados pela escola
Era uma época de desesperança em uma Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial quando o arquiteto Walter Gropius decidiu construir algo novo para aquela sociedade tão marcada: em abril de 1919, a cidade alemã de Weimar recebeu a Escola de Bauhaus, que significa "casa de construção", responsável por revolucionar o mundo da arte.
No entanto, em 1933, a Escola não resistiu às pressões do regime nazista, chegando ao fim com grande evasão de professores para outros países, mas espalhando a poética de Bauhaus pelo mundo inteiro e a manteve viva até os dias atuais, inclusive no Brasil.
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“Foi com as obras modernas de Luiz Nunes, nos anos 90, que a Bauhaus marcou o Recife”, aponta Maria do Carmo Nino, professora do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Além do arquiteto, outros nomes renomados, como o artista plástico Eudes Mota, tornam a poética de Bauhaus, cheia de formas geométricas, cores primárias e simplicidade, conhecida aos recifenses.
"A Bauhaus foi uma escola de arte bastante importante. Introduzindo o design moderno, a escola uniu a arte tradicional à indústria, produzindo materiais em escala industrial que passaram a ganhar uma função social: eram capazes de suprir os lares dos operários”, explica Fernando Diniz, professor do Departamento de Arquitetura da UFPE.
Cem anos depois, a Bauhaus ainda vive no Recife. No Chão Ateliê, no bairro do Derby, jovens recifenses produzem marcas e projetos arquitetônicos com uma metodologia universalista e multidisciplinar, unindo a arquitetura, a fotografia e o design e seguindo o que há muitos anos foi iniciado pelo alemão Walter Gropius. “Era de interesse dos estudantes da Escola criar uma experiência artística completa, na qual a arquitetura seria para onde convergem todas as artes”, pontua Maria do Carmo Nino.
Segundo João Ribeiro, 24 anos, um dos integrantes do ateliê, “as melhores soluções para os problemas existentes não vêm só de um lugar, por isso, a gente usa toda a nossa expertise para resolver um problema”. Outra integrante, Maria Eduarda Dantas, 24 anos, complementa: “A gente quer fugir de um sistema rígido e pensar outras formas de fazer”. Para os jovens do ateliê, produzir dessa forma é natural e eles garantem: assim há mais legitimidade no trabalho e proximidade com o cliente.
Contudo, para alguns, a estética de Bauhaus não se detém aos espaços das agências ou formas arquitetônicas, mas que arte toma a cidade através de obras como as do artista visual Arem, 27 anos. Para ele, que é grafiteiro há 12 anos, “o grafite se priva muito ao ter, às vezes, um bloqueio com as artes plásticas, certo que esse sempre foi um ambiente muito elitizado, mas a gente também tem que tomar esse lugar e aí eu tive o privilégio de estar em uma faculdade, estudar arte e lapidar o meu trabalho com a influência da Bauhaus”.
Com formação em andamento na área de design, foi na faculdade que Arem entrou em contato com os conceitos da Bauhaus de simplicidade, beleza e objetividade. De acordo com o artista, o seu trabalho foi desconstruindo, caminhando mais para o abstrato e misturando com os conceitos do grafite. O artista, que carrega as máximas da Bauhaus de “menos é mais” e “a forma segue a função”, revela:“Eu fui aprendendo que mesmo se simplificar não vai perder a beleza e nem a função. Passei a não só compor as peças, mas pensar antes e fazer uma composição mais elaborada que sanasse o objetivo que eu queria passar”.
Semelhantemente, o artista visual e pesquisador da UFPE Augusto Barros, 32 anos, compartilhando da ideia de Piet Mondrian, grande influenciador dos ensinamentos da Bauhaus, de uma “humanidade tão evoluída onde a arte estaria em tudo”, carrega os conceitos bauhausianos para suas obras, incluindo o grafite e a tatuagem.
Também trabalhando com economia na imagem e nas cores, o artista conta da dificuldade em popularizar seus trabalhos, principalmente na tatuagem, mantendo um público fixo que já sente proximidade com a abstração. “A gente acaba fazendo uns trabalhos mais comuns para financiar nossos experimentos”, conta. Para Augusto, que também pesquisa formas de artes desviantes das tradicionais, “é sempre uma luta” se manter produzindo dessa maneira. O artista, com medo da violência gratuita nas ruas, tem, inclusive, diminuído sua produção no grafite em espaços públicos.
Assim como agora,, nos últimos anos da Bauhaus, professores e estudantes tiveram que lutar contra a violência e a perseguição aos seus métodos não convencionais. “A arte de Bauhaus era política e confrontava os valores da sociedade. Hitler os chamava de ‘covil de bolchevismo soviético’, a arte degenerada”, explica Maria do Carmo Nino.
Sendo assim, cem anos depois de sua fundação, é nítido que os ensinamentos da Escola se mantêm vivos em nossa sociedade e se fazem necessários para produção artística e política de nossos tempos.