Homenageado na CCXP, Wagner Moura diz que pensa menos na carreira e mais na vida
Em entrevista exclusiva, ator de 48 anos, que virá a SP para convenção acompanhado do filho, fala de envelhecimento, relação com a Geração Z e novo filme rodado no Brasil: "Atuar na minha língua é libertador"
Uma multidão de 300 mil pessoas (em trajes de cosplay ou à paisana) são esperados na atual edição da Comic Con Experience (CCXP), que começa hoje e se estende até domingo no São Paulo Expo, na Zona Sul da capital paulistas. Grandes serviços de streaming, estúdios, editoras devem anunciar detalhes inéditos de filmes, seriados, novelas e programas de TV ao longo de todos os dias de atividade.
A Globo, por exemplo, levará a celebração de seus 100 anos para o evento e contará com um espaço de mais de mil metros quadrados. Trata-se de uma das maiores convenções do tipo em todo o mundo. Para se ter uma ideia da força da atração, artistas globalmente famosos como Keanu Reeves, Pedro Pascal e Sandra Bullock já passaram pelos palcos do evento em anos anteriores.
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Uma figura, porém, ainda não tinha brotado nas apinhadas arenas do evento. O ator, diretor e produtor Wagner Moura, de 48 anos. O baiano, contudo, deve recuperar o tempo perdido em uma grande aparição nesta sexta-feira, no palco principal da CCXP, onde será aclamado como o homenageado da edição pela carreira em filmes, séries e novelas.
Antes de desembarcar no Brasil, porém, o célebre intérprete do capitão Nascimento, em "Tropa de Elite", Pablo Escobar, em "Narcos" e Olavo, no folhetim "Paraíso Tropical" falou com exclusividade ao Globo sobre a chegada dos 50 anos em breve, de novos projetos e do sonho de ficar mais perto do Brasil. “Sinto que vou ser ator pelo resto da vida”
Como recebeu o convite da CCXP, foi difícil te convencer a vir?
Fiquei muito feliz, até porque nunca tinha ido à CCXP. É um negócio que cresceu, né? Assim que me chamaram, fiquei afim de cara. Aí fui olhar homenageados de outros anos e tinha muita gente incrível, Fernando Meirelles, a Xuxa, Renato Aragão, Fernanda Montenegro. Me senti muito bem em estar em meio a essas pessoas, e estou animado para ir ao Brasil. Já ia praí no Natal, mas vou chegar antes e ficar direto, sozinho. A minha família vai depois. Peguei esses dez dias para ficar em Salvador, vai ser bom pra mim. Fico vendo as imagens do evento é um negócio muito grande. Comento com meus amigos aqui (em Los Angeles) e todo mundo fala que é enorme e que já foram.
Pensa se o público da Geração Z, como seus filhos, conhece seu trabalho? A dispersão nas telas é grande…
Não penso muito nisso, mas você tem toda a razão. É uma galera que talvez não tenha visto as coisas que eu fiz, não sei bem. Os amigos do meu filho mais velho, o Bem (de 18 anos), que inclusive vai à CCXP comigo, acho que viram “Narcos” (série da Netflix, lançada em 2015) e falam comigo como se me conhecessem (risos). Eu também não tenho rede social, não apareço muito nesse mundo virtual então as pessoas só me conhecem por algum trabalho que fiz ou alguma polêmica política. Mas entrar no mundo do entretenimento pop é maneiro, acho que vou aparecer para pessoas que não me conhecem tanto.
A força dos brasileiros na internet pode ser um motor para dar força às nossas produções cinematográficas e atores?
Eu vi a Nanda Torres falando sobre a enxurrada de comentários em uma foto dela (no Instagram da Academia do Oscar) que diziam: Fernanda Torres no Oscar. E, em comparação com as fotos de outras pessoas, era ridículo, a foto dela tinha um milhão de comentários e as outras não. Isso é algo incrível, acho que demonstra força no virtual. E tem essa coisa dos memes, que os brasileiros gostam muito. Acho curioso. Tem ainda o sucesso que esse filme do Waltinho (“Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles) está fazendo, é lindo. Acho muito possível esse filme representar o Brasil no Oscar. O brasileiro está se sentido representado por essa obra, isso me deixa muito feliz, justamente por conta de tanta porrada que o setor cultural já tomou, os artistas. Somos um país com força comercial e política, não é à toa que tenha um evento desse tamanho, a CCXP, em São Paulo.
Como foram as gravações de “O agente secreto” com Kleber Mendonça Filho que aconteceram neste ano?
Foi bom demais, eu e Kleber éramos amigos e eu achava que faltava gravarmos juntos para sermos mais amigos. E foi bem isso que aconteceu. Gosto demais do jeito que ele se porta, que ele se coloca. Fazia muito tempo que eu não trabalhava no Brasil como ator. Meu último trabalho foi apenas como diretor, em "Marighella", em 2017 e já fazia tempo também. Fui fazer as contas e a última vez que eu tinha trabalhado como ator, em português, falando na minha língua foi antes de "Narcos". E você não imagina a liberdade que é pra mim atuar na minha língua, em português, é libertador. Tem toda uma profundidade emocional quando você diz algo em sua língua materna.
Acha que é melhor ator falando em português?
Eu acho! Não sei se para quem vê, mas eu me sinto. O (ator) Javier Bardem diz uma coisa assim: quando eu atuo em inglês é como se tivesse um escritório barulhento com pessoas trabalhando, passando fax, quando exista fax, enviando e-mail, ligando. E que quando atua em espanhol o escritório está vazio. Acho essa metáfora muito bonita e faz muito sentido. E, voltando ao filme do Kleber, é em Recife que é uma cidade muito importante em minha vida. Porque há 25 anos, eu, Lázaro Ramos, Vladimir Brichta e Gustavo Falcão fizemos uma peça de teatro chamada “Máquina”, essa montagem estreou em Recife e mudou nossa vida para sempre, fomos trabalhar no Rio e em São Paulo. Pedi, inclusive, para o Kleber me levar onde a peça havia estreado, no Armazém 14.
Seus 50 anos estão chegando, está reavaliando sua vida pessoal e suas escolhas pessoais?
Quando eu tinha 28 anos, o negócio do retorno de Saturno foi foda, me lembro até hoje. Acho que agora é diferente. Penso menos na minha carreira, embora não goste tanto desse nome, penso mais na minha vida. Onde quero estar, com quem quero estar, ou trabalhar. Estou menos ambicioso profissionalmente e mais grato. Aqui nos Estados Unidos tem um negócio que se chama de Thanksgiving (o dia de Ação de Graças), que é uma celebração meio hipócrita com colonizadores e indígenas comendo juntos, algo meio cínico, mas se tornou um dia para você estar com quem gosta e ser grato. Agradecer pelo que você tem. Isso nunca foi minha “coisa”, eu sempre estava querendo mais, ir para frente. Agora, chegando aos 50 quero agradecer ao que eu tenho, família, amigos, um trabalho que gosto e que sinto prazer em fazer. Quando eu tinha 30, não ligava para isso.
O que é o seu motor, então?
Quero fazer meu filme, quero dirigir, mas tudo isso com menos ambição. Aos 30, eu queria conquistar o mundo, tudo tinha um tamanho muito grande na minha cabeça, hoje eu faço o que posso em todas as áreas. Acho que é natural, né? Não sei se é sinal de ficar cansado ou se a gente vai acalmando um pouco. Sabe, eu gosto muito do U2, li a biografia de Bono, e o título é “Surrender” (do inglês: rendição). Achei curioso, porque acreditava que essa ideia tinha a ver com a derrota. Acredito, agora, que tem a ver com se entregar para a vida.
Seu trabalho já passou pela atuação, produção e direção. Não pensa em focar em apenas uma dessas áreas?
Tem uma coisa que nunca fiz que é atuar e dirigir ao mesmo tempo. Converso muito sobre isso com Selton Mello e outros colegas que já fizeram. Há esse projeto de um filme lindo que se chama “Last Night at the Lobster”, é um filme que precisa ser feito no inverno (do hemisfério norte), não sei se vai dar tempo. E terá um elenco incrível. Meus objetivos hoje são mais próximos, não tem aquela coisa idealizada de “quero me tornar um diretor”, quero mesmo é fazer esse filme. E também passar mais tempo em Salvador.
O que imagina para os próximos anos?
Sinto que vou ser ator pelo resto da vida. É uma profissão que te permite atuar velhinho. Tenho a maior admiração por artistas que seguem no palco em qualquer idade, como Roberto Carlos, Caetano, Gil, Bethânia, essa geração foda da MPB. Seguirei fazendo isso até porque é a única coisa que sei fazer.
Por vezes o Brasil lida, entende melhor, questões de sua história por meio do cinema. É assim agora, por exemplo, com “Ainda Estou Aqui”. Acha que vai demorar a existir algum filme sobre o 8 de janeiro?
Às vezes a história precisa correr. Conversei recentemente com Zé Padilha sobre o projeto da Marielle (que não foi lançado). A minha opinião é que aquele projeto tenha acontecido muito rapidamente, é preciso de mais tempo. Só agora estamos entendendo melhor a participação do Bolsonaro no negócio. O tempo faz bem, a história ganha mais perspectivas. Isso demora um pouco. Acho interessante o cinema dar conta das transformações históricas e políticas do país.
Você já disse que mora onde estiver trabalhando, mas também sempre fala da relação íntima que nutre com a Bahia. Está se preparando para realizar mais projetos no Brasil para unir as duas coisas?
Penso muito sobre onde quero estar e viver. Não quero ficar aqui por muito mais tempo. Embora esteja bem e tenha muitos amigos. Acho que sigo aqui nos Estados Unidos muito por conta dos meus filhos, há a escola, os amigos deles. Tenho pensado para onde vou quando eles forem adultos, certamente não será aqui. O dia que for só eu e San… (a esposa Sandra Delgado) vamos a outros lugares. Mas quero trabalhar no Brasil uma vez por ano! Sempre que estou aí volto como um ator mais inteligente. Principalmente quando vou à Salvador. Volto conectado com quem eu sou. O que me faz um ator diferente, minimamente interessante no mercado internacional, é porque sou de Salvador. Quando eu entro em uma sala eu digo: ninguém aqui sabe onde é o Pelourinho ou foi à Festa da Boa Morte. Ninguém passou pelo caminho que passei. Meu axé está em Salvador.
O que te falta?
Se você me perguntasse isso há dez anos eu ia enumerar mil coisas, falar em Oscar. Agora eu realmente não penso nisso. Quero fazer coisas bonitas com pessoas interessantes. Quero fazer vários filmes como “O Agente Secreto”, com o Kleber. Quando a gente trabalha aprende muito, claro, existe algo do ofício do ator, a necessidade de aprender para cada papel. Até avião aprendi pilotar uma vez. Mas vai além, é um aprendizado de vida. Quero estar confortável dentro da minha própria pele, onde quer que eu esteja.