HQ ''O Discurso da Pantera'', de Jérémie Moreau, faz o leitor refletir sobre dilemas existenciais
Livro traz seis histórias protagonizadas por animais, em tom de fábula
À primeira vista, e por se tratar de um título publicado pelo novo selo infantojuvenil da editora Veneta, o Oh! (Outra História), pode parecer que “O discurso da pantera” é um livro para crianças — mas não se engane. Ainda que protagonizadas por animais, como os contos de Esopo, as seis narrativas em quadrinhos da publicação, todas sem título e interligadas, trazem reflexões tão importantes que devem acertar em cheio os corações e mentes de leitores com mais idade, não necessariamente adultos. Estes, com certeza, vão se maravilhar com as questões que afligem os personagens de asas, pelos, escamas etc.
Como o búfalo da aventura que abre o álbum. O animal não pensa na morte simplesmente porque ele não tem tempo de morrer. Sua missão de empurrar a ilha em que vive para longe da trajetória de um cometa é mais importante. O leitor mal acaba de ler a história acachapante e topa com outra, agora com uma avestruz que vive com o pescoço enfiado num buraco. Porque se acha feia. Além da morte e da autoestima (algo que pode ser desenvolvido na leitura com os pequenos), surgem ainda temas tão importantes como a amizade, a memória e o sentido da vida. E tudo de forma delicada, em tom de fábula, mas ainda poderoso, contundente. Difícil ler e sair incólume.
“O discurso da pantera” é o primeiro livro lançado no Brasil de Jérémie Moreau, francês de 37 anos que, aos 18, ainda estudante, foi premiado em Angoulême e, há seis, recebeu o mais importante reconhecimento no festival, o Fauve d’Or, por “La Saga de Grimr” (ainda inédito no Brasil).
Leia também
• Estrelas de Hollywood brilham em dourado no Globo de Ouro
• Fernanda Torres: Perfil do Globo de Ouro exalta brasileira após prêmio de Melhor Atriz de Drama
• Fernanda Torres vence Globo de Ouro e faz história; confira os vencedores
Seu estilo de ilustração digital, de colorização com gradientes complexos, causa uma certa estranheza a princípio para logo em seguida provocar um estado de maravilhamento em páginas com pouco texto e muitas cores, além de narrativa ousada, com quadros que podem se tornar losangos ou paralelogramos, a depender da narrativa. Como na história em que um pássaro captura um caranguejo na praia para, logo em seguida, perdê-lo, em razão do vento. Os quadros de Moreau, em uma única página, parecem se transformar e balançar, sacudindo os animais no ar.
Em outra página, também impressionante visualmente e que pode ser conferida ao lado, pássaros de diferentes espécies e origens pegam carona nas costas de um rinoceronte e viajam juntos por um deserto da África, à noite, enquanto losangos revelam o que parecem ser as múltiplas texturas dos lugares percorridos pelos animais em sua jornada. E, como toda boa história infantojuvenil, eles cantam juntos, claro, conforme os músicos de Bremen, clássica fábula dos irmãos Grimm.
Cotação: Ótimo