João Côrtes estreia como diretor com o filme 'Nas mãos de quem me leva'
Longa-metragem premiado em festivais aborda questões como liberdade e amadurecimento
O ator João Côrtes, 26, ficou conhecido pelo grande público pelas campanhas publicitárias e, posteriormente, pelos trabalhos de atuação na televisão e no cinema, além da participação no programa musical “Popstar”, da Globo. Agora, ele apresenta mais uma faceta artística com “Nas mãos de quem me leva”, seu primeiro filme como diretor.
Disponível nas plataformas digitais iTunes, Apple TV+, Google Play, YouTube Filmes, Vivo, Now e Looke, o longa-metragem foi exibido em alguns festivais internacionais ao longo de 2020. Foi premiado em eventos como New Cinema - Lisbon Monthly Film Festival, em Portugal, e o Seoul International Short Film Festival 2020, na Coreia do Sul.
“Ficamos todos (da equipe) muito felizes com os reconhecimentos que o filme recebeu. É importantíssimo para a vida saudável do projeto, mas também injeta uma dose considerável de esperança e fé na nossa alma de artista”, comenta João, que tão cedo já começa a colher os frutos do trabalho como cineasta, em entrevista à Folha de Pernambuco.
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“Nas mãos de quem me leva” retrata a trajetória de Amora (Fernanda Marques), uma jovem filha de pais artistas, que se torna órfã. Ela enfrenta os desafios de se tornar uma mulher independente, tendo que lidar com a dor da perda e a relação conturbada com a avó (Neusa Maria Faro) religiosa e conservadora. O encontro com Bruno (Ed Côrtes), um empresário mais velho, faz com que a protagonista encare uma verdadeira montanha-russa de emoções.
De acordo com o diretor, a reflexão maior do filme é sobre a ideia de liberdade e o quão abrangente esse conceito pode ser. “Se libertar dos nossos medos, das nossas inseguranças, dos traumas que nos aprisionam. Nós escrevemos nosso destino. Nosso passado não nos define, e as pessoas com quem nos relacionamos também não”, pontua.
Confira a entrevista completa com o artista:
Quando e como você começou a sentir vontade de trabalhar atrás das câmeras?
Acho que, no fundo, ela sempre existiu. Eu sempre tive esse olhar para o cinema que vai além da atuação. Mas demorou até eu me sentir pronto para encarar essa responsabilidade. Foram nove anos de carreira como ator, trabalhando e experienciando vários sets de filmagem diferentes, trocando com diretores diferentes, entendendo e observando as dinâmicas de cada projeto. Mas esse processo de abraçar de fato outras funções começou com a escrita do roteiro mesmo. Assim que eu me vi com esse roteiro na mão, eu tinha total clareza de que eu deveria dirigir aquele filme. Eu queria muito contar aquela história, eu tinha cada plano, cada cena na mente. E simplesmente pulei de cabeça no desafio.
Como a sua experiência como ator afeta e influencia o seu olhar como diretor?
As duas coisas estão totalmente conectadas. Na minha experiência pessoal, me tornei um ator melhor por ter dirigido um filme, e acredito que ser ator, também especificamente no meu caso, claro, me tornou melhor diretor. Sinto que poder trocar de lado com a câmera me engrandeceu demais como artista, me potencializou. Eu senti na pele que o meu grande prazer como diretor foi dirigir os atores. Trabalhar e descobrir os silêncios, as pausas, os olhares, as nuances. E é a mesma fonte de inspiração que me impulsiona como ator. Esse desejo de contar histórias. De adentrar o universo do sutil.
Como nasceu o filme “Nas Mãos de quem me leva”? Qual foi a inspiração inicial?
Nasceu de uma imagem que surgiu na minha cabeça, de uma jovem mulher grávida, dirigindo um carro em uma estrada com o sol brilhando em seu rosto. A menina está sozinha e chorando, apenas seguindo sem destino, estilo road-movie. Essa imagem me inspirou. Me deu muita vontade de desenvolver isso. E aí comecei a pensar se essa imagem era o fim ou o começo da história, e o que poderia ter acontecido pra chegarmos naquele ponto. E daí em diante fui criando a trama.
Você acredita que muita gente pode se identificar com a história de Amora? Quais reflexões você gostaria de levantar a partir dessa jornada?
Eu espero que sim. Das experiências que tive com os públicos que já assistiram cabines fechadas do filme, todo mundo se emociona bastante, se conecta com a jornada da Amora. Acredito que a reflexão maior é essa ideia de liberdade. E o quão abrangente esse conceito pode ser. Se libertar dos nossos medos, das nossas inseguranças, dos traumas que nos aprisionam. Se libertar ao ponto de entender que somos autores e autoras das nossas próprias histórias. Nós escrevemos nosso destino. Nosso passado não nos define, e as pessoas com quem nos relacionamos também não. É sobre amadurecer. Sobre crescer nesse mundo caótico, se aventurar e se entregar para os relacionamentos, e encontrar nossa força interior. Que é intrínseca à todxs. De onde tiramos nossa coragem? Nosso fôlego? Vem de dentro. Tudo isso pra mim é liberdade.
Quais foram os maiores desafios nesse primeiro trabalho como diretor e com uma obra feita de forma independente?
Vários. Fazer cinema independente no Brasil é guerrilha. É resistência em sua forma mais pura e sólida. Tem que amar muito o que está fazendo. E tem que acreditar 100% na história que está contando. Esse é o motor. Como diretor, você toma trezentas decisões por dia, desde o início da pré-produção, até o lançamento do filme. E todas essas decisões afetam o seu projeto, de algum jeito. Então, é primordial construir essa confiança para liderar uma equipe. Você é o capitão do navio. É uma baita responsa. Acontece que quando não se tem muitos recursos financeiros, se tem bem menos tempo. Com menos tempo, todo o processo acontece de forma acelerada, e por vezes, abrupta. E tempo - para fazer uma obra de arte - é chave. Tempo para se alinhar com a sua equipe sobre qual a história que estão contando, tempo para pensar em cada locação, cada cenário, cada figurino, para ensaiar com os atores, para criarmos uma química verdadeira. Tudo parte do dinheiro. Mas é possível, dá para fazer. Esse filme é prova disso.
Você pretende continuar transitando entre suas diferentes facetas artísticas ou, a partir de agora, é o João Côrtes cineasta que deve tomar conta da cena?
Pretendo continuar transitando entre diferentes áreas sim. Com absoluta certeza. Quero conseguir continuar levando minha carreira de ator, continuar escrevendo roteiros, dirigindo e cantando por aí e, quem sabe, tudo junto. Por que não, né? Eu gosto de pluralidade. Amo enlouquecidamente o que eu faço. Amo trabalhar. Então sim. Vou seguir tentando girar todos esses pratos juntos.
Ter sido premiado já no seu primeiro longa-metragem é um estímulo para seguir na direção?
Ficamos todos (da equipe) muito felizes com os reconhecimentos que o filme recebeu. É importantíssimo para a vida saudável do projeto, mas também injeta uma dose considerável de esperança e fé na nossa alma de artista. No nosso amor pelo cinema. Reconhecimento é essencial, sempre. É a lenha que mantém a fogueira acesa. Quero seguir dirigindo, me desafiando, saindo da zona de conforto, com certeza.