Kilian Glasner ressignifica perdas em mostra individual no CCBB, em São Paulo
"Macrocosmos, microcosmos ou, a cosmogonia dos incêndios" reúne desenhos, objetos e um filme em torno de um incêndio
O artista pernambucano Kilian Glasner encontrou nas ruínas do seu ateliê, na Ilha de Itamaracá, no Litoral Norte, o combustível necessário para ressignificar uma tragédia. O incêndio, que atingiu seu local de trabalho no último mês de maio, impulsionou um processo criativo conectado ao seu modo de enxergar e produzir arte. O resultado está na mostra individual “Macrocosmos, microcosmos ou, a cosmogonia dos incêndios” aberta até dia 22 novembro, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em São Paulo, com curadoria de Paulo Kassab.
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Dessa conexão Pernambuco - São Paulo, com boa parte ligada à questão da perda e do desapego, surgiram 30 obras entre desenhos, objetos que sobraram da casa e um filme gravado em meio aos escombros, que mostra Kilian produzindo com materiais do próprio incêndio. Não à toa, pó e carvão foram materiais indispensáveis para o surgimento de boa parte do traço. “A exposição reúne várias temáticas, mas tudo está relacionado ao fogo, criando essa atmosfera dramática relacionada à superação, que dá lugar à tendência natural de se deprimir com um acontecimento como esse”, diz o artista.
Macrocosmos, microcosmos
Nos desenhos abstratos é possível notar várias nuances do espaço sideral, representadas por meio de nebulosas e corpos celestes. Essa, aliás, é uma temática que desperta o interesse do pernambucano desde sempre, sendo agora associada aos materiais da mostra no CCBB. “Me motiva falar de eventos celestes, que têm a ver com movimentos cíclicos. Além disso, sempre houve o interesse pelo próprio fogo e outros acidentes envolvendo ele. Algo muito comum em Pernambuco, como no ato cotidiano de queimar o lixo, por exemplo”, detalha.
Destroços, escombros e outras perdas já permearam trabalhos anteriores do artista, a exemplo da série “Rua do Futuro”, de 2019, unindo fotografia e desenho. As labaredas também aparecem de outras formas na sua produção de 2014 chamada “Anatomia do fogo”.
O céu para contemplar
Nas telas estão micropontos, variando entre tons de vermelho e amarelo, sobre tela escura. Por vezes revelados de maneira caótica e outras de forma tranquila, fazendo um verdadeiro convite à contemplação do céu - algo que o próprio artista costuma fazer.
“Sempre achei que as representações do céu estrelado ficam numa fronteira entre o real e o abstrato. Na minha pesquisa, parte da representação é baseada em fotos. Algumas eu fiz no Deserto do Atacama. A outra parte é intuitiva. A parte que lanço manchas e mais estrelas sem compromisso com o real”, destaca.
Produção contínua
Mesmo que de maneira involuntária, a ressignificação é tema abordado duplamente. A arte, produzida no período de pandemia, pode dar essa leitura de resistência por quem convive com as restrições do período. Mais ainda para quem traz na bagagem produções contínuas, que dificilmente enxergariam limites. Kilian Glasner fez graduação e mestrado na École Nationale Superieure des Beaux-Arts e residiu em Paris no início dos anos 2000, com participação em mostras na França, Holanda, Itália, Portugal, São Paulo, Rio de Janeiro e outros.
“Na verdade, acho que o mercado da arte não parou durante a pandemia. As pessoas, sim, pararam de circular. Mas elas procuraram mais conforto para as suas casas. Conforto esse que vai além de um móvel, porque a arte tem esse poder de confortar a mente e o espírito. Tanto que muitas galerias continuaram a produzir”, afirma.