Lei Aldir Blanc fez ressoar "artistas invisíveis" do Estado
Fomento trazido pela Lei deu respiro a artistas, coletivos e outros setores da classe, uma das mais penalizadas pela pandemia
Qual o futuro da arte na pós-pandemia? Para boa parte da classe artística “independente” e ao mesmo tempo oprimida de recursos para seguir em frente, é cedo para projetar horizontes e o foco ainda é o presente que, com (muito) esforço, precisa se manter ativo. E é nesse ponto que subsídios como a Lei Aldir Blanc (L. 14.017/20) ganham importância e dão sobrevida à cultura em Pernambuco, possibilitando visibilidade a trabalhos que merecem ser reverberados.
Por meio da Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult- PE), sete editais da Lei com R$ 51,6 milhões em apoio a mais de duas mil propostas culturais deram um certo descanso ao setor.
“Foi uma alternativa e com recortes importantes como o regional, o de raça, gênero, isso possibilitou que os ‘invisíveis’ tivessem trabalhos divulgados. Parte deles nunca tinha tido acesso a nenhum tipo de fomento”, pontua Afonso Oliveira, à frente de políticas públicas culturais através do Movimento Canavial.
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Da Mata Norte ao Sertão do Estado, da Região Metropolitana ao Agreste, o setor padeceu e o “virar-se como pode” se tornou símbolo de mestres e mestras da Cultura Popular, artistas da música e da arte visual, do teatro, da dança e de outros vieses da artísticos. “Meu nome é Tacio Fernandes, mas na adolescência tive pseudônimo de Russo, desde então comecei a assinar como tal. Sou da Zona Norte do Recife, do Alto Santa Terezinha, onde morei. Hoje estou na Linha do Tiro”.
Tacio Russo é poeta, artista visual e periférico. Entre idas e vindas em ônibus subúrbio/centro/subúrbio, ele imergiu no cotidiano urbano do Recife e deu traços à sua arte. Passou pelo audiovisual e pelo rap, e fez nascer sua escrita poética como “potência modificadora” e com os lambes fincou o elo entre arte e cidade.
“Me vi com espaço para intervir de forma mais ativa dentro do ambiente urbano, com meus poemas pela Cidade, refletindo sobre a rotina das metrópoles e seus afetos e desafetos”, explica ele que, com a Aldir Blanc, teve a "Cartilha Lambe Lambe como Diagnóstico Pedagógico" aprovada e fomentada, em parceria com Camila Serejo, acadêmica em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
“A gente estruturou uma publicação didática de como utilizar a técnica do lambe lambe dentro da sala de aula”, complementa ele, prestes a concluir licenciatura em Teatro pela UFPE, e que com o material produzido ganhou visibilidade País afora “Educadores do Brasil estão em contato para receber a cartilha. Vamos disponibilizá-la online e gratuitamente e fazer uma tiragem impressa para bibliotecas públicas e instituições parceiras. O surgimento da Aldir Blanc foi um grande salve”.
O socorro também veio para o percussionista e compositor João Paulo Rosa, com o projeto solo “João Paulo e o Eito”. De Nazaré da Mata, na Mata Norte, ele foi parado pela pandemia e com o fomento, fez sua estreia. “Tudo ficou difícil e incerto. Com o edital, vi a oportunidade de lançar meu trabalho para o mundo. É um grande respiro”.
Visibilidade e recursos, sempre
Trabalhos culturais como do Festival Canavial LAB trouxeram à tona a cultura popular do maracatu rural, a exemplo do Estrela de Ouro (Aliança), com o Caboclinho Sete Flechas (Goiana), entre outros, exaltado na programação. Coletivos, dançarinas, caboclos de lança, filarmônicas e artesãos também foram agraciados com o fomento da Lei.
“Passamos 2020 sem atividade, mas vale dizer que independente da pandemia precisamos de visibilidade e de recursos para os povos de terreiros. Representamos a história e religiosidade do povo de Matriz Africana”, destaca Selene Caetano, produtora cultural do Ylê de Egbá, do Alto José do Pinho.
Fomentos para o setor serão bem-vindos sempre, com ou sem pandemia. Os últimos tempos têm sido mais difíceis, e isso inclui o momento político pelo qual o País atravessa. A Aldir Blanc trouxe acenos de gratidão e favoreceu a arte, e aos que vivem dela. Mas é preciso ir além, porque a cultura não sobrevive a repousos duradouros.
“O pós-pandemia será um momento de reestruturação em diversos sentidos. A cultura, as leis de incentivo, as políticas precisam ser pensadas e feitas para ‘geral’. Esse é o corre, com poemas tristes e felizes”, finaliza Tacio Russo, um dos nomes (finalmente) ressoados Brasil afora.