Lia de Itamaracá, 80 anos no ventre das águas e recebe três dias de festa em seu Centro Cultural
Cirandeira pernambucana celebra oito décadas de vida nesta sexta (12), no Festival O Canto da Sereia
Em Itamaracá, no Litoral Norte de Pernambuco, há exatas oito décadas, nascia uma rainha. Maria Madalena Correia do Nascimento, a cirandeira Lia de Itamaracá, Patrimônio Vivo de Pernambuco, completa 80 anos nesta sexta-feira, dia 12 de janeiro.
Para celebrar a data, a artista recebe mais de 35 grupos e artistas como Otto, Daúde, Nação Zumbi e Isaar no Festival “O Canto da Sereia”, que oferece programação gratuita até domingo (14), no Centro Cultural Estrela de Lia (confira a programação completa).
“Sou uma artista muito trabalhosa e guerreira. Uma artista daquelas mesmo, do ‘pé’ do microfone!”. Assim se descreve Lia enquanto capricha na própria maquiagem, já vestida em seu deslumbrante vestido azul, se preparando para mais uma sessão de fotos.
A cirandeira se diz de braços abertos para receber tributos, desde que sejam feitos nesse plano.
“Estou me sentindo muito feliz com essas homenagens, que estão sendo boas para mim, pois estou recebendo todas elas em vida. Quanto mais, melhor. Se fizerem depois, não vai adiantar, pois não verei nada. A idade chega. Se for demorar e esperar Lia completar 100 anos, Inês é morta!”, diz.
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Origem familiar e ancestral
Filha da empregada doméstica Matilde Maria da Conceição e do agricultor Severino Nicolau Correia do Nascimento, Lia nasceu na praia do Sossego, em Itamaracá, e foi a única dos 22 irmãos (sete da mesma mãe e 18 da segunda família do pai) a seguir carreira na música.
A sua mãe foi trabalhar na casa de Santino, proprietário de terras que a aceitou com todos os seus filhos em uma casinha no sítio próximo, em Jaguaribe, após ela se separar e perder a ajuda do pai. Lá, foi criada e vive até hoje, em meio aos folguedos da tradição dos pescadores.
Para desvendar suas raízes africanas, Lia participou, em 2015, do projeto “Brasil: DNA África”, série de documentários da Globo Filmes, GloboNews e Cine Group, que encontrou a origem dos genes de 150 afrodescendentes brasileiros para reconstruir suas identidades.
Foi assim que ela conheceu a sua “ancestralidade genética maternal do povo Djola, de Guiné-Bissau”, segundo a African Ancestry Incorporated. As manifestações populares que vivenciou desde criança - a exemplo do fandangos caiçaras, dos pastoris e buscadas de santos - e a descoberta da sua ancestralidade africana fazem de Lia uma referência de artista negra consciente e empoderada de suas origens.
Do ostracismo ao sucesso
“Já saí da barriga de mãe cirandeira”, diz Lia ao recordar sua infância. Aos 12 anos, já cantava e dançava, influenciada pela mãe, entusiasta do coco de umbigada. Daí a começar a compor, foi um caminho natural.
A artista gravou seu primeiro LP “A Rainha da Ciranda” (1977), aos 33 anos. Depois, passou quase 20 anos no esquecimento do meio artístico. “Fiquei no mato sem cachorro e ninguém chegava para ajudar. Fiquei assim por falta de incentivo”, lembra.
O retorno da artista aos palcos só veio após conhecer o produtor Beto Hees, que a levou, em 1998, a participar do festival Abril pro Rock, aplaudida por 12 mil pessoas.
“Beto perguntou se eu estava interessada em trabalhar com ele. Eu disse: ‘quem estava atrás de um empresário era eu e você veio mandado por Deus, vamos trabalhar! Dou graças a Deus a Beto, que foi o único que me tirou do buraco para me levar para o mundo com a gota!”. lembra.
De Itamaracá para o mundo
Depois do sucesso no Abril Pro Rock, Lia passou a fazer turnês no Brasil, nos Estados Unidos e Europa. “É bacana, muito bom [viajar pelo mundo]. Onde eu chego, espalho alegria, espalho energia, amor e tranquilidade, e faço amizade com todo mundo. Para mim é o dez! Só lembranças boas e conhecimentos mais, som à proa”, comemora.
De volta ao sucesso, gravou enfim, seu segundo disco, “Eu Sou Lia” (2000) e outros três álbuns: “Ciranda de Ritmos” (2008) e “Ciranda Sem Fim” (2019).
Nos últimos anos, foi tema de exposições pelo Brasil, será enredo de escolas de samba no Rio de Janeiro e em São Paulo e uma das homenageadas no Carnaval do Recife 2024.