A contribuição da linguagem indígena, a que ensina sobre o significado de "ser humano"
Linguista americano Daniel Everett, que esteve no Recife em evento na Unicap, defende a linguagem como parte da cultura de uma sociedade
Para além de uma tradição futebolística de um "Fla-Flu" em um Maracanã lotado, a origem do nome do estádio carioca Mário Filho reverbera - ou pelo menos deveria - para o âmbito da contribuição imensurável da linguagem dos indígenas, tais quais verbetes cotidianos como abacaxi, pipoca, mandioca, mingau e pereba, entre tantos outros ditos Brasil afora.
É que a linguagem é a maior invenção da humanidade, "inventada há quase 2 milhões de anos (...) todas as demais invenções e descobertas humanas vêm dessa invenção".
E especificamente as línguas indígenas "nos ensinam mais o que quer dizer 'ser humano'".
Ao menos é assim que reflete o professor e linguista americano Daniel Everett, 73 - que recentemente esteve no Recife para participar do XX Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia, sediado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap-PE).
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Na ocaisão, Daniel, professor de Ciências Cognitivas na Bentley Unicersity, lançou os livros "Charles Sanders Peirce: o Juggernaut Americano" e "Não Durma, Há Cobras: Vida e Linguagem na Floresta Amazônica".
Linguagem como
parte da cultura
Ele também é autor de "Linguagem - A História da Maior Invenção da Humanidade", cujos escritos se contrapõem aos de outro estudioso também americano, Noam Chomsky.
Para ele, a linguagem é capacidade inata ao ser humano, diferente do que pensa Everett, que afirma ser a linguagem parte da cultura de uma sociedade.
Conclusão advinda a partir de sua imersão com os povos Pirahãs, a partir da década de 1970, na Amazônia. Experiência, aliás, que lhe trouxe descobertas e o fez fluente no português do Brasil.
ENTREVISTA
FolhaPE - Sobre sua experiência na Comunidade Pirahã, o que as linguagens indígenas têm a nos ensinar, professor?
Everett - As línguas indígenas nos ensinam mais o que quer dizer “ser humano”. Esticam as fronteiras cognitivas e nos fornecem perspectivas novas sobre a natureza, a tolerância, outras filosofias e ideias que nos permitem entender como o ser humano pode resolver problemas naturais, com soluções bem diferentes - como conceber o universo, entender os animais, como crescer através da diversidade.
Os índios ensinaram aos europeus, aqui no Brasil e nos EUA, e a todos os países das américas a lidar com o nosso novo mundo.
FolhaPE - O que já "Não Durma, há Cobras: Vida e Linguagem na Floresta Amazônica" nos revela o que sobre a Amazônia? Aliás, professor Daniel, o que a Amazônia segue revelando ao senhor, como estudioso - e como pessoa.
Everett - Sempre aprendo muito com cada visita à Amazônia. Valores, pontos filosóficos, linguística, e outras coisas dos índios da amazônia. São extremamente sofisticados intelectualmente.
FolhaPE - A linguagem, professor, é a maior invenção da humanidade?
Everett - Sim. Como explico no meu livro deste título, ela foi inventada há quase dois milhões de anos pelo Homo Erectus e foi crescendo e se enriquecendo no decorrer dos anos.
Todas as demais invenções e descobertas humanas vêm dessa única invenção