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RETROSPECTIVA

Literatura em 2024: queda na leitura entre brasileiros, eventos lotados, adeus a Ziraldo e Nobel

Desafios e vitórias marcam um ano em que vingaram novas tendências, como as da ficção climática e da romantasia, e no qual se viu a consagração de Adélia Prado e a censura a obras em escolas do país

LIvrariaLIvraria - Foto: Pexels

Entre notícias preocupantes sobre o hábito de leitura no Brasil e animadoras como a de eventos literários lotados, o ano de 2024 no mundo editorial é uma história que precisa ser lida com atenção. Um levantamento revela uma grande queda no número de leitores no país em cinco anos, num desafio para editores, autores e profissionais do ramo em geral.

Também causou preocupação um movimento de censura a livros, considerados “impróprios” para a educação em sala de aula.

Enquanto isso, grandes encontros entre escritores e fãs, como foram a Bienal de São Paulo e a Flip, mostram vigor do setor, com programação ampla e atenta a novas tendências no mundo dos livros, como os títulos de ficção climática, romantasia, romance esportivo e ficção cristã.

Dificuldades atravessaram o caminho de editoras gaúchas, afetadas pela catástrofe das enchentes no Rio Grande do Sul, num 2024 marcado por grandes perdas como as dos autores Ziraldo e Dalton Trevisan.

O ano teve destaques positivos como as láureas à escritora brasileira Adélia Prado, de 88 anos, considerada a maior poeta hoje no Brasil, e o Nobel de Literatura para a sul-coreana Han Kang, de 53 anos, primeira asiática a receber o prêmio da Academia Sueca.

Brasil lendo menos
O ano de 2024 deixou um desafio para 2025. A 6ª edição da Retratos da Leitura no Brasil apontou uma redução de sete milhões de leitores nos últimos cinco anos (e um total de 11,3 milhões desde 2015).

Pela primeira vez desde o início da pesquisa, que acontece desde 2007, a proporção de não leitores foi maior do que a de leitores, com reduções em todas as classes, faixas etárias e níveis de escolaridade. Editores, autores, educadores, mediadores de leitura e profissionais do livro em geral têm agora mais uma informação sobre o preocupante cenário em que devem trabalhar no próximo ano.

Segundo o levantamento, 53% das pessoas não leram nem parte de um livro, em qualquer mídia (física e digital), e de qualquer gênero, incluindo didáticos, Bíblia e religiosos, nos três meses anteriores à pesquisa.

O número cai para 27% se for considerado apenas a leitura de livros inteiros. Para especialistas na área, a concorrência com a internet virou um fator decisivo. Na pesquisa, 87% do público leitor e 70% dos não leitores mencionaram usar a internet no seu tempo livre.

É um número que vem aumentando desde 2015, com as telas roubando o tempo do livro (na foto, Livraria Cultura que fechou as portas na Avenida Paulista).

Censura a livros
Casos de censura de livros nas escolas também preocuparam o setor em 2024. Em alguns casos, a iniciativa partiu dos pais, em outros, de professores ou políticos, sempre com o argumento de que os livros seriam inapropriados para o uso em sala de aula.

Em março, “O avesso da pele” (na foto), um contundente romance sobre racismo que venceu o Prêmio Jabuti em 2021, teve exemplares recolhidos em escolas estaduais do ensino médio em Goiás e no Paraná.

A justificativa foram as descrições de atos sexuais e o uso de palavras de “baixo calão”, que já tinham levado a obra de Jeferson Tenório a ser criticada por professores, políticos e influencers. O episódio soou o alerta no mundo dos livros, mobilizando editores, autores e educadores. As vendas de “O avesso da pele” chegaram a crescer mais de 6.000% após a polêmica.

— Não é algo que vai desaparecer simplesmente com trocas de governos, pois vem ocorrendo de forma mais ampla na sociedade — disse na época Dante Cid, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).

Tragédias climáticas
Em maio, uma onda de solidariedade tomou o mercado editorial, quando livrarias e editoras de Porto Alegre foram afetadas pelas enchentes na capital gaúcha. Com a elevação histórica do Rio Guaíba, a água tomou conta do Centro Histórico e invadiu o interior da Taverna (na foto), que ocupa desde 2020 um espaço no térreo da instituição cultural Casa de Cultura Mário Quintana.

A livraria teve um prejuízo de R$ 300 mil com a perda de parte do acervo e do mobiliário, e virou símbolo de superação pós-cheias ao reabrir em setembro, graças a vaquinhas e doações. Durantes as chuvas, várias editoras que mantêm depósitos na Zona Norte de Porto Alegre, como a L&PM, a Artes e Ofícios e a Libretos, perderam parte dos estoques. A Libretos estima ter perdido quase 12 mil livros, com prejuízos que superaram R$ 350 mil.

A tragédia das chuvas assustou o país, no momento em que uma nova safra de ficção climática ganhava as livrarias. “Água turva”, romance de Morgana Kretzmann lançado em 2024, tem como mote a história de uma reserva ambiental ameaçada pela construção de uma hidrelétrica na região. Já “Contra fogo”, de Pablo L. C. Casella, retrata o esforço de uma brigada voluntária de combate a incêndios na Chapada Diamantina.

Tendências da Bienal
A Bienal do Livro de São Paulo, em setembro, bateu recorde de vendas e demarcou outras tendências editoriais. A romantasia, que mistura romance e fantasia, com muito sexo, dragões e mundos mágicos, foi o gênero mais procurado no evento.

No topo de vendas estão romances como “Powerless” (Rocco), de Lauren Roberts, “Assistente do vilão” (Alt), de Hannah Nicole Maehrer, “Canção dos ossos” (Galera Record), de Giu Domingues, e “Quarta asa” (Planeta), de Rebecca Yarros.

De acordo a Circana BookScan, consultoria especializada no mercado editorial, o filão deve movimentar em todo o mundo cerca de US$ 610 milhões até o fim do ano. Nos primeiros cinco meses de 2024, livros que se encaixam no rótulo venderam 11 milhões de exemplares no mundo, quase o dobro do mesmo período do ano passado.

Outros gêneros em evidência foram os romances esportivos, que trazem histórias de amor no ambiente competitivo dos atletas, como “Em rota de colisão” (Alt), de Bal Khabra, “Quebrando o gelo” (Rocco), de Hannah Grace, e “O beijo da neve” (Verus), de Babi A. Sette. A ficção cristã, que alia narrativas envolventes e valores religiosos, é outro filão que cresce no mercado nacional.

Flip renasce
Após edições anteriores marcadas por crise de financiamento, pandemia, apagão e uma programação principal em que faltaram estrelas e engajamento, a 22ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip, na foto), realizada em setembro, teve ares de renovação. O escritor, jornalista e dramaturgo Paulo Barreto, o João do Rio, que registrou a revolução tecnológica da virada do século XX, foi o grande homenageado desta vez.

A curadora Ana Lima Cecilio teve o desafio de montar uma programação equilibrada, pautada tanto pela literatura quanto por assuntos em evidência do noticiário. O convite a Felipe Neto, influenciador que lançou um livro sobre polarização política e participou de uma mesa, dividiu opiniões e atraiu um público jovem que não costumava ir ao evento.

Principal atração da edição, o escritor francês Édouard Louis foi aplaudido de pé em um mesa impactante. O francês falou sobre a “sua antropologia da fuga”, que se apropria da literatura para desvendar os mecanismos de dominação de classe e gênero. Foi perseguido por fãs nas ruas de Paraty e estendeu sua visita em encontros lotados por Rio e São Paulo.

Coreia no mapa
Vivendo um ano turbulento na política, a Coreia do Sul expande seu soft power pela cultura. Após brilhar no cinema e na música, ela se destaca na chamada ficção de cura, narrativa cheia de mensagens positivas e lições de empatia.

Autora de “Bem-vindos à Livraria Hyunam-don”, primeiro livro de ficção de cura coreana publicado no Brasil, Hwang Bo-reu foi paparicada na Bienal do Livro de SP. Won-pyung Sohn, dos sucessos “Amêndoas” e “Impulsos”, virou tema de estande no evento. Não é somente na ficção de entretenimento que a Coreia se destaca.

Aos 53 anos, a romancista Han Kang (na foto) se tornou a primeira asiática a receber o Nobel de Literatura. A Academia Sueca afirmou que sua obra é caracterizada por “intensa prosa poética, que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”.

Han ficou conhecida mundialmente com “A Vegetariana” (Todavia), que recebeu o Man Booker Prize em 2016, um dos principais prêmios da língua inglesa. O livro descreve as consequências violentas e a rejeição brutal enfrentadas por uma mulher que decide parar de comer carne. O livro é considerado um marco do ecofeminismo.

O ano de Adélia Prado
No Brasil, talvez nenhuma escritora tenha brilhado mais em 2024 do que Adélia Prado. O ano marcou o ressurgimento daquela que, aos 88 anos, é considerada a maior poeta viva do Brasil.

A mineira venceu, no intervalo de cinco dias, dois grandes prêmios, ambos pelo conjunto da obra: o Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL); e o Camões, maior recompensa de língua portuguesa. Ela recebeu R$100 mil pelo primeiro e € 100 mil (cerca de R$ 590 mil) pelo segundo.

Em cinco décadas, Adélia publicou “O coração disparado” (prêmio Jabuti em 1978), “Os componentes da banda” (1984) e “O homem da mão seca” (1994), entre outros.

Foi estudada na Universidade de Princeton e adaptada para o teatro por Fernanda Montenegro (o espetáculo “Dona Doida: um interlúdio”, de 1987). Mas, nas últimas décadas, sofreu com as angústias da página em branco e com problemas de saúde. As láureas chegam num momento em que a autora prepara “Jardim das oliveiras” — o seu primeiro livro com poemas inéditos desde “Miserere”, de 2013.

Perdas
No último mês do ano, o Brasil se despediu de um de seus maiores autores. Dalton Trevisan morreu próximo de completar 100 anos, após acompanhar os detalhes da reedição de sua obra completa, que acontecerá em 2025.

O autor, que cultivou uma aura de mistério e ficou famoso por sua aversão a entrevistas, publicou cerca de 50 obras em suas quase oito décadas de carreira. Mestre do conto e da síntese, venceu todos os grandes prêmios da literatura brasileira (Jabuti, Machado de Assis, Biblioteca Nacional) e lusófona (como o prestigioso Camões, pelo conjunto da obra, em 2012).

Meses antes, em abril, o país já havia se despedido de outro ícone, o cartunista, jornalista e escritor Ziraldo. Referência das artes gráficas no país e autor que embalou a infância de gerações, ele será lembrado para sempre por criações como o Menino Maluquinho, o maior sucesso da história da literatura infantil no país.

Ziraldo também foi um dos fundadores do jornal O Pasquim, símbolo da resistência cultural às arbitrariedades do regime militar no fim dos anos 1960.

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