Livro cruza trajetórias de Joana d'Arc e Maria Quitéria, ícones da Independência de França e Brasil
"Revolucionárias Joana d'Arc e Maria Quitéria", da pesquisadora Isabelle Anchieta narra a história de bravura das duas personagens a partir de registros iconográficos
O que há em comum entre Joana d’Arc - primeira mulher na história a liderar o exército francês - e de Maria Quitéria, primeira brasileira a lutar oficialmente no exército nacional em prol da independência do país, 400 anos depois? A pesquisadora Isabelle Anchieta cruza as histórias dessas personagens femininas marcantes no livro “Revolucionárias – Joana d’Arc e Maria Quitéria” a ser lançado em março, o Mês da Mulher, trazendo questões atuais como a luta por autodeterminação, a liderança carismática, a polarização social e o heroísmo imperfeito.
Publicado pela Editora Planeta, o livro foi dividido em duas partes e investiga aspectos da história de cada uma das revolucionárias, a exemplo da infância, da criação familiar e do que as levou a se consagrar como figuras históricas tão emblemáticas. O livro está em pré-venda e passa a ser distribuído no dia 1 de abril.
Contra o status quo patriarcal
Mesmo separadas pelo tempo e território, as duas personagens viveram em sociedades muito patriarcais e falocêntricas repleta de entraves culturais, legais, institucionais, à liberdade de escolha e à ação das mulheres. Apesar dessas barreiras, Joana liderou cavalarias francesas na Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra e era respeitada pelo rei. Capturada pelos ingleses, foi julgada e condenada à morte na fogueira por bruxaria, aos 19 anos. No século XX, foi reconhecida e hoje é um dos ícones da história francesa.
Maria Quitéria, por sua vez, foi a única soldada reconhecida ainda em vida pelo imperador Dom Pedro I. Primeira brasileira a lutar no exército nacional, a baiana foi uma das heroínas da Independência do Brasil na Bahia, em 2 de julho de 1823. Com mulheres proibidas no exército, ela se disfarçou de “soldado Medeiros”. Quando descoberta, sua coragem foi reconhecida pelo imperador Dom Pedro I, que a deixou lutar.
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Diante dessas histórias de liderança feminina, a autora buscou lançar um olhar sociológico para entender o que as fez alcançaram tais honrarias e, como mulheres, passarem de vítimas para algozes. De submissas à líderes. O livro, segundo a autora, é uma tentativa de explicar o estranho sucesso dessas personagens na contramão do machismo dominante em suas épocas. “Quanto mais pesquiso, mais me dou conta de que a história das mulheres é mais fruto de desconhecimento do que de ausências históricas. Elas foram presentes, atuantes, porém suas histórias não foram contadas e a memória é sempre traiçoeira quando não registrada”, afirma Anchieta.
Pesquisa iconográfica
As imagens são o eixo central da pesquisa de Isabelle Anchieta, que também é autora da trilogia “Imagens da Mulher no Ocidente Moderno”, lançado em 2020. A partir desses vestígios, ela constrói o conceito da narrativa de sua pesquisa. É na iconografia que as contradições se revelam, uma vez que grande parte das obras de arte, monumentos, emblemas e retratos que representam heróis são contaminadas por valores sociais.
“Essa imagem maliciosa (e fascinante) é ao mesmo tempo testemunha e força ativa da História Social. Ela tem um papel central nas lutas por reconhecimento, não só dos sujeitos, mas das sociedades”, afirma a autora, que não se limitou a documentos históricos, mas reuniu o próprio material de campo feito na França e no nordeste brasileiro. Espalhados em diversos capítulos, há diversos QR codes que direcionam para vídeos, gravados pela própria autora, de obras de arte, museus e locais por onde Joana d’Arc e Maria Quitéria passaram e viveram.
Revolução de costumes
O livro reconstrói a história de Joana e Quitéria, revelando-as como mais do que imagens de mulheres que participaram de momentos decisivos da construção da ideia de nação em seus países. Elas tornaram as próprias lutas símbolos atemporais e romperam com a ordem dos costumes. “Foram modernas, antes que a modernidade firmasse seus pés”, descreve Anchieta.
“Essas heroínas inauguraram ‘uma posição social de gênero sem precedentes históricos, ainda que isso não tenha significado, imediatamente, uma mudança na situação das mulheres em geral’. Esse duplo paradoxo, presente tanto na radicalidade transgressiva das suas escolhas, quanto na heroificação dos seus feitos, tornam-nas personalidades aparentadas e passíveis de receber tratamento analítico comum”, destaca Maria Arminda do Nascimento Arruda, Vice-reitora da Universidade de São Paulo, que assina a orelha do livro.