80 anos da obra de Clarice

Livro esmiúça relação de Clarice Lispector com o esoterismo e o ocultismo

Livro 'Línguas de fogo', da canadense Claire Varin, foi pioneiro nos anos 1980 ao explorar aspectos até então menosprezados pelos estudiosos da autora, que chegou a participar de um congresso de bruxaria

Clarice LispectorClarice Lispector - Foto: Arquivo/Instituto Moreira Salles

Lançado em meados nos anos 1980, “Línguas de fogo”, da pesquisadora canadense Claire Varin, provocou certo estranhamento. É que a autora foi a primeira a investigar um lado de Clarice Lispector até então ignorado pela academia: a sua relação com o esoterismo e o ocultismo. “O que eu posso fazer?”, respondia uma conformada Varin. “Está lá na Clarice. Não fui eu que inventei”.

E, de fato, a canadense não apenas revirou a obra de Clarice para provar o seu argumento, como também viajou ao Brasil, entrevistou familiares e amigos, descobrindo novas perspectivas sobre o lugar do judaísmo, do iídiche e da superstição na vida da escritora. Décadas depois, “Línguas de fogo” acaba de ganhar uma nova edição no Brasil, e Varin jura que muitos estudiosos continuam virando a cara para o seu livro.

— Hoje esse lado dela está mais assimilado e não é mais um campo virgem como antes, mas a academia ainda considera meu livro muito pessoal e pouco acadêmico — diz a canadense, em um português perfeito. — Acho difícil representar ao conjunto da obra dela de forma cerebral, racional.

Em uma “leitura telepática”, Varin recupera curiosidades como as idas de Clarice às cartomantes (para as quais só pedia previsões boas), sua participação em um congresso de bruxaria em Bogotá, suas consultas ao livro do I Ching, e a obsessão um tanto cabalística por alguns números (“Dá sete espaços para teu parágrafo, sete. Depois, tenta não passar da página 13”, dizia às suas datilógrafas). Mas essas são apenas anedotas pontuais de um ensaio muito mais amplo, que reflete sobre uma escritora aberta para o mistério e que “usa as palavras como se efetuasse um ritual mágico”.

A originalidade do ensaio de Varin é identificar a importância dos traumas familiares, como a fuga para o Brasil e a “infância com-sem mãe”, na busca constante da autora por um reencantamento da linguagem. Clarice, que se culpava por não ter livrado a mãe da doença ao nascer, inventa um termo possivelmente inspirado no iídiche: “Lalande”. Trata-se, de acordo com Varin, da “terra-mãe desconhecida, sentida e reconhecida, uma ligação sensual com a mãe Lalande autorizada na língua”.

— Depois de perguntar com muita insistência para os familiares, descobri que o iídiche era falado em casa — conta Varin. — Clarice podia não falar a língua da mãe, mas a ouvia. Ela escondeu seu lado judeu por medo, porque assimilou a perseguição que sua família enfrentou e que ficou nela como uma marca.
 

Quarenta e dois anos após a sua morte, o lado místico de Clarice ainda é lembrado por sua famíla, inclusive pelos herdeiros que não a conheceram. Nascida em 1987, Mariana Valente sempre esperou reencontrar a sua vó em um novo corpo. Antes de morrer, a escritora avisou aos filhos que iria voltar como uma esperança. O inseto, não o sentimento — ou talvez também o sentimento, vá saber.

O fato é que, em alguns importantes momentos da vida de Mariana e de seus familiares, o mencionado animal verde apareceu. As ocasiões eram as mais improváveis, conta ela. Na porta do quarto do hospital durante uma briga de Mariana com sua mãe. No vidro do carro em um momento sensível na estrada, fazendo toda família estacionar e se abraçar.

Mariana cresceu contagiada pelos mistérios de Clarice, incluindo esta forma de ver o mundo em sua própria criação artística. Para ilustrar “Sentir um pensamento: frases e reflexões para as 52 semanas do ano” (Rocco), uma coletânea com alguns dos insights mais marcantes de Clarice, a designer usou tudo que aprendeu com a avó. Ela usa principalmente colagens, que refletem o fluxo de consciência da autora.

— Algumas de suas frases são tão potentes e reveladoras que não precisam de um contexto, elas contém um livro inteiro — diz a neta da autora. — Um ensinamento que ficou em mim é a sua habilidade de ressignificar as palavras. É isso que procuro com as colagens: ressignificar uma imagem tirando-a de seu contexto original.

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