Livro explica trechos da obra de Machado de Assis com referências ao Direito
Publicação do jornalista e advogado Miguel Matos analisa mais de 150 personagens machadianos
Nas obras do escritor Machado de Assis há mais contexto jurídico do que o enigma de uma eventual traição de Capitu, em “Dom Casmurro”, pode levantar. Tanto que o jornalista e advogado Miguel Matos lançou o livro “Código de Machado de Assis”, pela editora Migalhas, sob a perspectiva do Direito - que tanto influenciou personagens e enredos nas crônicas, contos, poesias e romances do escritor carioca.
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A publicação tem quase 600 páginas e 116 QRs que remetem o leitor à imagem original dos artigos, além de várias ilustrações. Tudo começa com pinceladas sobre a vida do romancista, detalhando sua carreira como funcionário público, a vocação para diplomata e a presença de personalidades jurídicas constantes na Academia Brasileira de Letras - da qual foi presidente em 1896.
As origens do autor
Filho de um caseiro e de uma lavadeira, Machado nunca exerceu a advocacia, foi autodidata. Mas dominava os procedimentos legais. Sabia pareceres a respeito das mais variadas matérias, minutar contratos, entre outras atividades de vocação jurídica. "Era o cronista do cotidiano, apreciava o júri", diz Matos. Ele cita 80 personagens advogados, 38 bacharéis, 23 desembargadores e 18 juízes.
Em meio a alguns termos técnicos, a leitura segue o fluxo tranquilo de frases curtas, com trechos originais retirados de várias obras. Elas seguem a ordem de publicação com o nome de incisos. A estreia machadiana, “Ressurreição”, é o Inciso 1 do artigo 5º, abrindo sequência para obras como “Mão e luva”, “Memorial de Aires”, “Helena”, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, entre outros.
O Direito nos personagens
Antes de fazer suas análises, Miguel Matos avisa que “não nos atrevemos a discutir os romances sob um enfoque crítico. O que se apresenta é um resumo de cada obra com foco apenas nas imagens, falas e personagens jurídicos. O enredo, assim, é, por vezes, deixado de lado”, diz, confiando na noção prévia do leitor para cada texto apresentado no livro.
O ponta-pé é dado em “Ressurreição”. A obra narra os conflitos íntimos do médico Félix, “um rapaz vadio e desambicioso”, mas que no “Código de Machado de Assis” nem de longe é o protagonista. O foco está no primeiro personagem jurídico dos romances, o amigo e Dr. Meneses, um frustrado no amor. Por falar em personagens jurídicos, Estêvão e Luiz Alves, de “A mão e a luva”, também são descritos no contexto do Direito. Este último, cansado de ouvir as ladainhas da vida amorosa do amigo, aconselhara curar em cima dos livros de Direito Romano e Filosofia.
Traições e embargos
Há vários triângulos amorosos na obra de Machado. O advogado Matias descobre que a esposa o traiu com o sócio de banca. ("Último capítulo", conto). Em outro triângulo, eis Camilo, funcionário público, no vértice, e o casal Vilela e Rita, na base. Advogado, ex-magistrado, Vilela, no final mata Camilo. "O rapaz era abusado", diz Matos. ("A cartomante", conto).
Matos propôs desvendar o mistério de Capitu no romance "Dom Casmurro": Ela teve (ou não) um caso extraconjugal com Escobar, o melhor amigo de Bentinho? Bentinho foi um bom advogado, "coisa raríssima nos causídicos machadianos", diz Matos. O advogado se engraçou com a vizinha Capitolina, ou Capitu. No início, não tiveram filhos. Certa noite, Bentinho vai ao teatro sem Capitu. Voltou no fim do primeiro ato e topou com Escobar "à porta do corredor".
Escobar disse ter vindo tratar "dos embargos". Machado dá ao capítulo o título de "Embargos de terceiro", recurso repetido no romance "A Mão e a Luva", no qual Guiomar tinha três pretendentes. Foi a chave para decifrar o código. "Capitu traiu Bentinho", sentencia Matos. Ao longo do livro, Miguel Matos conversa com o leitor, no mesmo estilo informal com que o site Migalhas trata dos fatos relevantes da Justiça.