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Livro expõe duelo de egos na história da arte moderna

Em "A Arte da rivalidade", o crítico de arte australiano Sebastian Smee disseca a vida pessoal, a amizade, influência mútua e briga de egos de grandes artistas

Édouard Manet, "O repouso"(1870-71)Édouard Manet, "O repouso"(1870-71) - Foto: divulgação

 

Amizades da história da arte moderna foram muito importantes para o trabalho de grandes artistas, ainda que a convivência nem sempre fosse um mar de rosas e a rivalidade e briga de egos muitas vezes ganhasse o protagonismo.   

Sobre isso discorre de maneira brilhante o livro "A Arte da Rivalidade" (328 páginas, R$ 69,90, editora Zahar), assinado pelo crítico de arte australiano Sebastian Smee. O objetivo da obra é mostrar como a convivência entre artistas direcionou o caminho da arte até aqui.

Sim, por mais isoladas que sejam as pessoas, sempre existe uma história de vida, um convívio com um mundo real ou imaginário; daí a importância de conhecer suas biografias para entender seus trabalhos.

 

"Interior" (O estupro), de Edgar Degas - Crédito: divulgação 

 

Francis Bacon (1909-1992), o fascinante pintor irlandês das figuras humanas hediondas, foi amigo, colega de profissão e contemporâneo do também pintor alemão Lucian Freud (1922-2011).

Ao contrário do primeiro, mais conhecido do público, o segundo só costuma ser lembrado pelo sobrenome famoso - é neto do psicanalista Sigmund Freud. Talvez essa diferença tenha despertado rivalidade, apesar da amizade e troca de conhecimento.

Mas não fosse pela convivência com Freud, inconfundível pintor de um retrato das pessoas - e não parecido com as pessoas -, Bacon não chegaria a se interessar pelo desenho, em seguida pelo estudo da fotografia, e consequentemente da sua interpretação facial da expressão humana, demasiado humana - por vezes monstruosa, bem sabemos.

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 Além de Bacon e Freud, Smee se aprofunda nas relações íntimas entre Édouard Manet (1832-1883) e Edgard Degas (1834-1917), Henri Matisse (1869-1954) e Pablo Picasso (1881-1973), e Jackson Pollock (1912-1956) e Willem de Kooning (1904-1997).

O retrato também esteve entre Manet e Degas. A pintura "Monsieur e Madame Édouard Manet" (1868-69), assinada por Degas e presenteada ao amigo, mostra Manet deitado displiscentemente no sofá, com um olhar aborrecido, enquanto sua mulher, Suzanne, aparece com o rosto recortado, de perfil.

Na verdade, o quadro foi cortado por Manet bem no rosto de Suzanne. Ali estava o ponto fraco do sociável Manet que Degas, como diz o autor, ansiava por descobrir. Não se sabe como era o quadro original.

 

Édouard Manet,

Édouard Manet, "A execução do imperador Maximiliano" (1867-68) - Crédito: divulgação 

 

Há quem diga que provavelmente Suzanne estava ao piano, pois o casal costumava receber convidados em casa. Mas o fato é que Degas, aborrecido ao ver sua tela violada, a levou embora e restaurou.

Eternizado como gênio impressionista, Manet sofreu duras críticas pelas doses de realismo cruas que aplicava, tendo sido chamado de 'tosco'. Mas esse estilo inacabado e espontâneo não foi compreendido na época, e influenciou o pintor que até então não saía das linhas e das formas acabadas, Degas. Assim surgiram suas eternas bailarinas sem rostos.
Matisse chocou o mundo e chegou a ser ridicularizado por seus pares mais jovens pela obra "Mulher com chapéu" (1905), um retrato melancólico de sua esposa, Amélie. Ali nasceu o fauvismo, que vem de ' 'fauves' (selvagens), pois não seguia o impressionismo.

O retrato é um esguichar desordenado de cores na tela que forma uma mulher de rosto duro, porém triste, segurando um leque e mais uma vanguarda que enfrenta o comodismo vigente. Em comum com Picasso, o cubismo, pelo qual também foi motivo de chacota.
Há um trecho do livro, do poeta e jornalista norte-americano Gelett Burgess, que resume uma relação não propriamente pautada na amizade, mas nos amigos em comum. Matisse dizia que para ele o triângulo equilátero é símbolo do absoluto, e que se alguém conseguisse infundir essa característica absoluta na pintura, seria uma obra de arte.

 "Ao que o pequeno aloprado Picasso, afiado como um açoite, espirituoso como o diabo, louco varrido, corre para seu ateliê e concebe uma enorme mulher nua composta inteiramente de triângulos ('Les Demoiselles d'Avignon'), e a apresenta como um triunfo!"

 

Pablo Picasso,

Pablo Picasso, "Les demoiselles d’Avignon" (1907) - Crédito: divulgação 

 

Havia também uma pressão para que a rivalidade existisse. Isso instigava as pessoas, a mídia, o público. Era a cereja do bolo. Pollock e De Kooning, por exemplo, não eram rivais mas acabaram sendo, diante da pressão de produtores e marchands.

Tendo o alcoolismo em comum, os dois viviam dizendo um ao outro: "você é o maior pintor dos Estados Unidos". Independentemente de fama, o autor acredita que "todo sucesso realmente memorável é obtido apesar de uma desvantagem". Ainda que a desvantagem não signifique necessariamente deficiência, mas sim habilidade acima do normal, segundo Smee.

 

Willem de Kooning,

Willem de Kooning,"Escavação" (1950) - Crédito: divulgação

 

Pollock tinha problemas com álcool que muitas vezes lhe causou limitações criativas. Foi sua personalidade intempestiva, imprevisível, violenta até, que o fez ser pioneiro em um estilo expressionista abstrato único de respingar tinta em telas enormes, deixando-a escorrer ou espalhando com vara, escova, seringa... Já De Kooning era totalmente oposto: certinho demais, precisava da influência do amigo-rival para encontrar originalidade.
Serviço:
"A Arte da Rivalidade"
Editora Zahar; 328 páginas
Preço médio: R$ 69,90

 

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