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LGBTQIA+: livro traz perseguição pela ditadura e homofobia

Renan Quinalha lança livro que se propõe a investigar a perseguição contra os LGBTQIA+ no período da ditadura no Brasil

Bandeira LGBTQIA+Bandeira LGBTQIA+ - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Cinquenta homens e mulheres homossexuais entram no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, no Primeiro de Maio. Estão carregando faixas que pedem direitos iguais. Enquanto marcham, carregam também um medo de dois gumes: temem ser fuzilados pela ditadura e também têm medo de ser hostilizados pelos 100 mil operários ali reunidos na luta por direitos sindicais. Mas são aplaudidos de pé pelos grevistas.

A cena é real e, por incrível que pareça, aconteceu no Brasil em 1980, durante a ditadura militar. E é mostrada no livro "Contra a Moral e Os Bons Costumes", que o professor de direito da Unifesp Renan Quinalha lança pela Companhia das Letras.

O livro se propõe a investigar a perseguição sistemática contra os LGBTQIA+ no período da ditadura em quatrocentas e poucas páginas. É uma adaptação da tese de doutorado do autor. "O texto é bem diferente do que foi a tese. Cortei muita coisa e acrescentei outras". Até porque o país mudou desde que Quinalha se doutorou, em 2017.

Os direitos humanos deram passos para trás à esteira da eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). E o livro se tornou mais atual do que nunca. "Isso é uma infeliz constatação. Quando eu decidi estudar isso, achei que fosse desbravar a construção de memória. Que entender os mecanismos de repressão era fazer um trabalho mais historiográfico. Mas de repente ele foi ficando cada vez mais atual", diz Quinalha.

O resultado é um panorama da opressão contra pessoas LGBTQIA+ durante décadas, tecido com uma mistura de história oral e documentos de órgãos como a comissão estadual da verdade. E a trama denuncia uma perseguição invisível até recentemente, diz o autor. "Não era evidente para a luta armada nem para o pessoal mais antigo do movimento LGBTQ".

A primeira parte do livro aborda a opressão à comunidade. Pessoas LGBTQIA+ receberam um tratamento bem parecido ao dado a membros da resistência armada. Por exemplo, a Portaria 390, de 1976, era uma norma que só se aplicava às travestis do centro paulistano, que eram obrigadas a declarar à polícia informações pessoas, como ganho mensal e gastos com hormônios, além de serem obrigadas a serem fotografadas, mesmo sem ter cometido nenhum delito.

Seus prontuários deveriam "ser [ilustrados] com fotos dos pervertidos, para que os juíz es [pudessem] avaliar seu grau de periculosidade". Mais de 460 pessoas T foram fichadas.

O livro cobre ainda a articulação de um movimento social LGBTQIA+ em plena década de 1970, quando a ditadura se pintava com suas cores mais sombrias. "Ao mesmo tempo que a pesquisa mostra as estruturas de opressão, queria mostrar também como nessas brechas foi possível construir uma articulação de movimentos e de publicações", diz o autor.

Quinalha faz uma análise do surgimento de grupos como o Somos, que em 1979 já tinha nove pequenas células de identificação diferentes, cada uma atualmente uma letra da sigla.

O intuito de Quinalha era entender o estado "desde baixo", já que a homossexualidade não é criminalizada de maneira explícita na lei brasileira desde 1830, ainda no Império. Mas a lei no Brasil fez, e faz, contorcionismos para encaixar outros crimes nos corpos e desejos que fogem à norma.

O livro esmiúça como dispositivos legais como "vadiagem" e violação à "moral e aos bons costumes" foram usados nas ruas para perseguir as sexualidades desviantes, no que Quinalha chama de "criminalização indireta das homossexualidades".

Parte dessa criminalização passava por censura. O Estado precisava anular as manifestações dos LGBTQs, mas não queria dar pinta, por assim dizer. E Quinalha consegue usar seu conhecimento da máquina jurídica brasileira, um Megazord confuso, para mostrar como a Justiça e o poder Executivo se uniam na repressão dos direitos de pessoas com gênero ou sexualidade distantes do padrão.

Em um dado momento, a censura até proibiu personagens homossexuais e transexuais "em atitude ostensivamente efeminada ou masculinizada" na TV, para evitar a "apologia" desses desvios. A pataquada está documentada pela própria ditadura.

Além de dar novos contextos para velhas perguntas, a obra também mete a mão em vespeiros temáticos. Aborda a homofobia na esquerda, mostrando como a diversidade era vista como um frufru em grêmios e partidos políticos de oposição, e mergulha na história do Lampião da Esquina, primeiro jornal nacional da comunidade.

Para o autor, esse passado pouco contado ajuda a explicar o presente do país. "Sem sombra de dúvida, a ditadura deixou um terreno fértil para que práticas de abusos e violências contra LGBTs seguissem sendo cometidas até hoje por agentes públicos, dada a falta de limites e até mesmo a presença de estímulos a tais atitudes".

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