Romance Histórico

Livro 'O som do rugido da onça' expõe violências do passado que reverberam no presente

Nova obra da escritora Micheliny Verunschk parte da história real de crianças indígenas levadas do Brasil no século 19

Micheliny Verunschk lança seu quinto livroMicheliny Verunschk lança seu quinto livro - Foto: Renato Parada/Divulgação

Durante uma visita rápida à mostra permanente do Itaú Cultural, na Avenida Paulista, Micheliny Verunschk se deparou com as imagens de duas crianças indígenas denominadas apenas como “Miranha” e “Juri”. Apesar de não serem desconhecidas para a escritora e historiadora pernambucana, as litogravuras ressoaram de forma profunda em sua mente, culminando no nascimento do seu quinto livro, “O som do rugido da onça”, editado pela Companhia das Letras. 

Os quadros, que integram a coleção do centro cultural paulistano, foram registrados pelos pesquisadores alemães von Spix e von Martius, que chegaram ao Brasil em 1817. O menino e a menina foram capturados pela dupla e levados - como meros exemplares da fauna brasileira - para a Europa. Sem imunidade contra doenças que ainda não conheciam, não poderiam ter tido outro destino no continente estrangeiro que não a morte precoce. 

“Aquelas imagens são bastante comuns em livros didáticos e eu já as tinha visto em algum lugar. Mas o impacto de olhar para elas no tamanho original foi diferente. Não sei precisar muito bem o que senti, só sei que fiquei muito emocionada. Voltei a visitá-las muitas outras vezes, sempre me perguntando o que elas causavam em mim. Só depois entendi que a sensação era a mesma de quando vamos no cemitério ver o túmulo de alguém conhecido”, comenta. 

Partindo do fato histórico, a autora usa a ficção para devolver à jovem raptada a oportunidade de contar sua própria história. Isso exigiu um mergulho num trabalho de pesquisa plural, se desprendendo das amarras do relato europeu. “A gente tem o vício de se ater à construção do conhecimento ocidentalizante. Para fugir disso, é preciso estar aberto a outros pensamentos e saberes. Se por um lado a minha pesquisa passa pelos estudiosos tradicionais, por outro lado também busca narradores e cosmologias indígenas. Foi preciso deslocar o olhar para um outro lugar”, explica.

Micheliny emprega em sua narrativa os mitos e crenças dos povos originários ligados ao território que hoje é chamado de Brasil. Além disso, ela faz questão de descrever cada cena também com palavras que pertencem ao vocabulário miranha, juri e nheengatu. “Essa é a voz do morto, na língua do morto, nas letras do morto”, avisa em um trecho do livro. A autora cria ainda uma linguagem própria para a onça, personagem místico que atravessa a história carregada de simbologias. 

No romance, o Brasil contemporâneo e o do século 19 estão entrelaçados. Sem seguir um conceito linear de tempo, a trama salta e retrocede entre períodos históricos distintos. Em paralelo à história da pequena Iñe-e, o leitor é apresentado a Josefa. Assim como Micheliny, a personagem tem um encontro, durante uma exposição, com as imagens dos índios sequestrados de suas comunidades. O reconhecimento é imediato e faz com que ela passe a questionar sua própria origem.  

“Não percebo Josefa como um decalque de mim mesma, apesar de ter emprestado a ela o olhar de quem vive longe da sua terra natal. A metáfora de um povo que precisa olhar para si mesmo, talvez, caiba melhor, nela. Viveiros de Castro (antropólogo) diz que ‘no Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é’. É uma frase que fala dessa falta de percepção de si mesmo, algo muito presente em nós”, aponta.

É difícil ler a obra de Micheliny sem tecer comparações entre passado e presente. Os jornais estampam notícias sobre violações de direitos dos povos indígenas, o que torna a temática ainda mais urgente. “A história do livro continua acontecendo. Mudam os personagens, muda o tempo, mas o cerne permanece o mesmo. Um ato violento acaba engendrando outros e isso vai repercutindo através do tempo”, analisa.

Serviço

“O som do rugido da onça”, de Micheliny Verunschk
Companhia das Letras, 168 páginas
Preço médio: R$ 54,90

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