Longe do público: o desafio das galerias de arte na pandemia
Com a necessidade do isolamento social, espaços de artes visuais se reinventam e desenvolvem estratégias digitais para vendas e exposições
Seguindo novos protocolos de segurança, espaços culturais já voltaram a funcionar em algumas partes do mundo. Não é o caso de Pernambuco, cujo plano de retomada das atividades econômicas ainda não prevê uma data para a reabertura desses locais. Fechadas para o público desde março, as galerias de arte já sentem o impacto negativo da pandemia e, por isso, têm buscado alternativas para sobreviverem à crise.
O momento de dificuldade fez os estabelecimentos dedicados às artes visuais no Recife abraçarem de uma vez por todas o mundo digital. Até os espaços mais tradicionais precisaram investir nas ferramentas on-line para se manterem ativos. Um exemplo é a Galeria Ranulpho, no Bairro do Recife. Após mais de 50 anos de existência, a casa lançou sua 1ª exposição virtual. Intitulada “Pérolas Preciosas”, a mostra reúne 17 trabalhos de grandes nomes ligados ao modernismo, como Vicente do Rego Monteiro, Wellington Virgolino, José Cláudio e Reynaldo Fonseca. As peças podem ser vistas no site da galeria e o catálogo digital solicitado através do WhatsApp.
São novidades que, para o marchand Carlos Ranulpho, ajudam a contornar as adversidades, mas não substituem o contato direto com as obras. Mesmo aos 91 anos ele ainda costumava bater ponto na galeria. “Sinto muita falta dessa rotina e espero poder voltar a trabalhar no nosso espaço logo, para organizar as exposições, receber o público, os artistas, ciceronear vernissages. É um grande prazer. Mais do que isso, é o meu trabalho, a minha vida”, comenta Ranulpho.
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Em Boa Viagem, a Amparo 60 deu um passo mais ambicioso a fim de aprimorar sua presença digital. A galerista Lúcia Santos tratou de adiantar a criação de uma loja virtual, que já estava sendo planejada. No site, ainda em fase de teste, é possível ver e comprar trabalhos de Clara Moreira, Derlon, Rodrigo Braga e Francisco Baccaro, além de outros artistas da casa.
Em breve, quem também terá sua própria plataforma de e-commerce é a Arte Plural, no Bairro do Recife. O projeto já estava em andamento antes da pandemia e faz parte das comemorações dos seus 15 anos. As redes sociais têm sido aliadas para manter o elo com o público. “Logo após o início da quarentena, lançamos o projeto #aartenaopodeparar, para divulgação nas nossas plataformas digitais do trabalho dos artistas, com a adesão de mais de 20 nomes. Criamos também o ‘Retratos da Quarentena’, em parceria com o artista Renato Valle. São trabalhos exclusivos, feitos em grafite sobre papel, do autor do pedido, mas em livre interpretação. Ambas iniciativas foram bem aceitas pelo público”, conta Fernando Neves, um dos sócios.
Surpreendeu
A Garrido Galeria, em Casa Forte, investiu nas lives. Em seu Instagram já promoveu encontros com artistas da casa, como Bruno Vilela, Bozó Bacamarte e Kilian Glasner, além de convidados. Segundo o proprietário, Armando Garrido, o foco no digital teve um retorno melhor do que o esperado. “Para a nossa surpresa, a gente tem conseguido vender bem nessa pandemia. Esse semestre, inclusive, foi melhor do que o anterior. Acho que, nesse novo momento de reclusão, as pessoas estão olhando mais para as suas casas e procurando conforto para a mente. Ter arte dentro do lar traz a sensação de bem-estar. Talvez, as pessoas estejam se ligando mais nisso”, aponta. A distância é encurtada por videochamadas e, se necessário, o galerista envia a obra - devidamente higienizada - para a apreciação do possível comprador.
Para a maioria das galerias, no entanto, o efeito da pandemia tem sido negativo. O consenso entre os donos é de que o fechamento dos espaços físicos aprofundou a crise que afeta o setor cultural há algum tempo. “Inevitavelmente, as pessoas ficam mais receosas com seus gastos e passam a investir menos em arte. Os últimos dois anos foram os mais difíceis para a galeria, culminando agora na pandemia. Ainda estamos sentindo os efeitos, a situação, as consequências para o futuro. Estamos como que tateando no escuro. Mas sou esperançoso. A arte vai achar caminhos e mecanismos de permanência como sempre achou, mesmo nas piores crises”, comenta Carlos Ranulpho.