"Longlegs": diretor explora relação com os pais em filme de terror que estreia neste mês
Osgood Perkins explora a relação com Anthony Perkins, o Norman Bates de Hitchcock, e com a mãe, morto nos ataques de 11 de Setembro, em "Longlegs"
Osgood Perkins tinha 18 anos quando um segredo familiar abalou seu mundo. Seu pai havia acabado de morrer de uma pneumonia relacionada com a AIDS, diagnosticada dois anos antes.
Era 1992, e Anthony Perkins seria lembrado para sempre como o Norman Bates de "Psicose", um mito do terror. Mas agora sua mãe tinha que explicar aos filhos um segredo difícil de conciliar com a vida familiar bo padrão de filme de Hollywood da época: seu pai era homossexual.
Os fantasmas pessoais do diretor nutrem hoje o quarto longa-metragem de Osgood Perkins, "Longlegs - Vínculo mortal", que chega aos cinemas brasileiros em 29 de agosto.
A trama do filme é centrada na investigação de uma série de assassinatos infantis perpetrados por um maníaco, interpretado por Nicolas Cage. Mas os terrores que Perkins desenha escondem, na verdade, sua própria história de segredos.
Leia também
• "Round 6": Segunda temporada da série de sucesso da Netflix ganha data de estreia; veja teaser
• "Emily em Paris" e "Os outros": confira as estreias de séries no streaming em agosto de 2024
— O centro emocional é um conceito que eu entendia bem: uma mãe que inventa uma mentira muito elaborada porque ela acredita que está protegendo sua família e o mundo — diz o cineasta, em entrevista ao El País.
É o discurso de alguém que trabalhou para curar essas mentiras construídas por amor que explodiram em seu rosto aos 18 anos. Naquela época, teve que conciliar o fato de ter vivido em outra realidade.
— Nossos pais podem definir o que eles querem que sejamos. Você pode contar às crianças o que quiser para que vejam o mundo de uma maneira. Essa confusão me encanta.
Também não é coincidência, por exemplo, que "Longlegs" se passe em 1993, o ano seguinte ao seu trauma, com uma foto de Bill Clinton observando tudo em várias sequências do filme. Entre espíritos e possessões demoníacas, é comum no cinema de Perkins encontrar adolescentes traumatizados, famílias desestruturadas pela morte e figuras paternas com um passado misterioso, mas este, ele reconhece, é o seu trabalho mais pessoal.
— Cada vez mais será assim. Estou mais relaxado e aberto. Quanto mais você se abre, mais entende o universo e a si mesmo. Quanto mais confiança você tem, seus traumas se tornam mais acessíveis — conta sobre uma introspecção que só se entende ao conhecer sua história real.
Seu trauma pessoal vai de 1992 a 2001, quando sua mãe, a fotógrafa e modelo Berry Berenson, morreu em um dos aviões que colidiram com as Torres Gêmeas no 11 de setembro.
— Demorei tanto para começar a fazer filmes e me expressar porque minha conexão com a realidade se perdeu. Todo mundo ao redor do meu pai sabia o que estava acontecendo. Mas quando a notícia veio à tona, não se encaixava na linguagem de nossa família, então minimizaram. Eu me perguntava, se isso era obviamente verdade, por que não era aceito? Era tratado como uma doença, como algo ruim. Aprendi que a verdade não devia ser dita, e isso te coloca em um lugar estranho. Perdi a sensibilidade, e essa lição me colocou na defensiva. A negação da homossexualidade dele me fez não entender a realidade. Não sabia lidar com a verdade, você não acredita em nada — relembra.
Sua história familiar tinha ainda mais camadas. Com o passar dos anos, as biografias confirmaram os relacionamentos de Anthony Perkins com atores como Tab Hunter ou Groover Dale, e que, antes de se casar em 1973, ele participou de pseudo-terapias de conversão heterossexual que incluíam eletrochoque. Em sua família, sempre se assegurou que ele tinha sido fiel ao seu compromisso. Em 2016, Osgood dedicou à memória dele o filme "O último capítulo", sobre uma enfermeira que tenta entender o passado da senhora de quem cuida. O filme ainda traz a presença de seu pai em um trecho de "Sublime tentação", com uma canção que tem sua voz. Lá, ele lidava com os desejos de ter conhecido melhor o pai. Agora, com "Longlegs", é a vez da relação materna.
Estreia em 'Psicose 3'
Na superfície, "Longlegs" é uma nova reviravolta no estilo "O silêncio dos inocentes" ou "Se7en": um drama policial no qual uma agente do FBI (Maika Monroe, de "It Follows") deve encontrar o assassino que leva vários pais a cometer parricídios. Nas sombras, esconde-se um Nicolas Cage histrionicamente caracterizado, que, como Hannibal Lecter, só ocupa alguns minutos de tela para criar maior tensão. O filme custou menos de US$ 10 milhões e já ultrapassa os US$ 60 milhões nos EUA: é o mais rentável na história da produtora independente Neon.
— Acho que o ponto chave foi vender uma temática reconhecível, um assassino em série, para ir desvendando algo mais estranho, pessoal e visualmente ousado. Parte do terror recente triunfa porque oferece algo inesperado ao público. Estamos rodeados de lugares-comuns, e surgem "Fale Comigo", "Barbarian" ou "Hereditário" para demonstrar que estamos famintos por novas perspectivas — explica o diretor, muito crítico com o cinema e as séries da Netflix, as sequências de terror e a explosão do true crime, que admite não consumir.
Essa paixão pelo terror, no entanto, não é algo que ele absorveu em casa com seu pai, que passou ausente grande parte de sua adolescência e não levava o negócio da família para casa.
— Não tive tempo de conhecê-lo. "Psicose" era história antiga para mim. No tempo que compartilhamos, ele estava relegado a filmes muito ruins. Eu me perguntava: o que é toda essa porcaria? Então, tinha sentimentos conflitantes com o terror e o que meu pai fazia, embora aquela brincadeira quase pornográfica que ele dirigiu em 'Psicose III' também tenha me inspirado.
O que ele compartilhou com seu pai foi sua inquietante estreia no cinema, aos seis anos, em "Psicose II". Ele era o jovem Norman Bates, através de quem conhecíamos os anos de abuso que forjaram a personalidade do psicopata. Quando decidiu que a atuação não era para ele?
— Na verdade, é o contrário. Quando adolescente, fazia filmes com amigos, emulávamos Kubrick ou Tim Burton, mas então a vida me deu um golpe e me desviei. A atuação era o que eu conhecia, e eu tinha que fazer alguma coisa... então tentei por um tempo. Estava perdido e magoado pelo que havia acontecido, mas nunca acreditei em mim como ator — explica o cineasta, que também foi o tímido Dave de "Legalmente Loira". — Foi com trinta e tantos anos que acordei e pensei: a vida foi dura, estranha, traumática e dramática, houve muita dor e dificuldades, mas o que eu gostava de fazer com 17 anos? Deveria tentar de novo. Escrevi meu primeiro roteiro aos 38 anos, "A enviada do mal". Funcionou bastante bem, e não olhei para trás.
Ele também participou de filmes recentes como "Não! Não Olhe!", de Jordan Peele, e atua em seu próximo filme, "The Monkey", baseado no conto de Stephen King sobre a morte e “a reconciliação de pais e filhos”.
Tudo sempre acaba na família. Em "Longlegs", sua filha tem um pequeno papel, e seu irmão, Elvis Perkins, compõe a música. Hollywood é o que ele conhece, e seu cinema também fala de cinema. Em uma conversa, a protagonista do filme conta que, quando pequena, queria ser atriz, mas conclui que atores mirins acabam mal. “Ser ator estraga as crianças, isso é indiscutível”, exclama o diretor, que conta em seu elenco com estrelas infantis como Kiernan Shipka (a menina de "Mad Men") e Alicia Witt (atriz infantil em "Duna" e "Twin Peaks").
Além disso, embora o personagem de Nicolas Cage baseie sua aparência em várias estrelas do rock, não é difícil perceber Michael Jackson em sua voz, na maquiagem branca e em como utiliza os pais como cúmplices. O diretor não havia pensado na semelhança.
— O bonito de fazer filmes é que você projeta seu sonho e depois deixa que seja dos outros. Jamais pensei nisso. Mas faz sentido? Totalmente, concordo.
Perkins só tem elogios para Cage, que assinou como produtor após ler o roteiro. Junto a ele, desenhou seus maneirismos e movimentos. O ator não se encontrou com o resto do elenco para que, quando aparecesse pela primeira vez, a resposta à sua caracterização, também escondida do material promocional, fosse real.
Mas o sucesso de uma proposta assim também traz opiniões polêmicas. Como a do diretor Paul Schrader em seu Facebook, que lembrava como jogava charadas com seus pais em casa para depois concluir que, apesar de achar Osgood talentoso, não aprova que ele fique preso no “gueto do terror (...) Por que os cineastas independentes só recebem financiamento no medo?”. Perkins não gosta dessa expressão.
— Implica que o terror é algo menor e que está tudo dito. Mas há apetite. Há filmes tolos, mas o horror trata do infinito, da curiosidade em torno dos grandes mistérios da existência, sobre o que não podemos tocar nem responder. Não há jardim mais fértil.