Lucas dos Prazeres lança seu primeiro álbum solo, "Traçado"
No trabalho de 13 faixas, o percussionista passeia pela sua jornada artística, honrando a base matriarcal da sua formação
Predestinado a lançar-se e avançar no mundo através da sua arte, carregando na bagagem aprendizados ancestrais de um povo, de uma comunidade, o filho de Xangô Lucas dos Prazeres vem reverenciar seus fundamentos e apontar para o futuro com seu primeiro álbum solo, “Traçado”, que acaba de chegar às plataformas digitais.
Cria do Morro da Conceição, no Recife, Lucas dos Prazeres, mestre de cultura popular e um dos mais prolíficos percussionistas pernambucanos, reúne, neste trabalho, 13 faixas que fazem uma incursão pela história de sua jornada humana, artística, espiritual, traçando, como diria o filósofo e poeta Nego Bispo, “começo, meio e recomeço”.
O disco
“Traçado” foi gravado no Estúdio Eloy, do pernambucano Thiago Eloy, com captações adicionais em estúdios do Rio, São Paulo e Minas. Com produção musical de Lucas dos Prazeres, o álbum conta com um grande time que o fortalece nessa empreitada.
Participam de “Traçado” Zé Manoel, o babalorixá Aderson Vieira e a iyalorixá Maria Lúcia dos Prazeres (tia de Lucas), Diego Drão, Alexandre Rodrigues, além de Everton Coroné, Renato Luciano, Beto Lemos e Duda Rios, estes, companheiros de Lucas no grupo Barca dos Corações Partidos.
Quilombo feminino, matriarcal
“Nasci brincando e dançando, com ginga de mão e pernada pelo ar. Como semente, fui plantado no terreno fértil do Quilombo dos Prazeres, educado por matriarcas, tive uma aprendizagem a partir do repasse do saber”, diz Lucas, no release de “Traçado”.
Em “Traçado”, Lucas honra, em primeira instância, os saberes que aprendeu na vida em comunidade (Morro da Conceição), com uma sólida base matriarcal, sedimentada especialmente nas figuras da avó, a benzedeira Maria da Conceição, da mãe Conceição dos Prazeres e da tia Maria Lúcia dos Prazeres, cuja voz abre duas faixas, “Encruzilhada do Saber” e “Terça Negra do Recife”.
“Uma reparação histórica”, classifica Lucas o protagonismo dessas mulheres em “Traçado”. Sua tia, Maria Lúcia, foi idealizadora do método ‘Aprendizagem pela prática cultural’, aplicado no Centro de Educação Maria da Conceição e Ponto de Cultura Negras Raízes, no Morro da Conceição, durante mais de três décadas.
Outras mulheres reverenciadas no álbum são Vilma Carijós, do Daruê Malungo, “que me viu crescer”, lembra Lucas, na faixa “Caracaxás e Carijós” e a coquista Aurinha do Coco e sua filha Nega Deza, em “Coração da Deusa”.
Outras faixas
Em “Traçado”, Lucas dos Prazeres tocou cerca de 40 instrumentos percussivos que dão corpo às canções do álbum. Assim como as raízes africanas, protagonistas da sonoridade criada por Lucas, onde estão o samba, os toques de candomblé, o maracatu, também ouve-se um xote, “Alam Sana”.
“Encruzilhada do Saber”, faixa que abre o álbum, é uma oferenda simbólica– um ebó – , um cântico de abre-caminhos, em que se oferta, nessa encruzilhada, se devolve ao mundo, com voz, orgulho e alegria, o que se aprendeu nesta comunidade matriarcal, neste quilombo.
Com a companheira Deyse Leitão, Lucas compôs as canções “Malunguinho quem me Guia”, que evoca a entidade afro-indígena que foi líder quilombola, e “Menino Luz”, feita para o filho do casal.
“Esse trabalho é mais que uma criação minha, é um trabalho que conta toda essa história.
Nele eu tô mais preocupado em creditar tudo o que aconteceu do que apontar para o futuro. Até porque eu acho que, de alguma forma, creditar tudo que aconteceu é apontar para o futuro também”, considera Lucas.