Luedji Luna traz o afeto da mulher negra em novo disco e álbum visual
“Bom Mesmo é Estar Debaixo D’água” traz 12 canções que envolvem a afetividade, amor e beleza de uma mulher que já havia colocado “Um Corpo no Mundo” há três anos
“A noite não adormece/ Nos olhos das mulheres/ A lua fêmea, semelhante nossa/ Em vigília atenta vigia/ A nossa memória”. Os versos do poema “A Noite Não Adormece nos Olhos das Mulheres”, da escritora Conceição Evaristo, intercalam com as palavras escritas por Nina Simone em “Ain’t Got No”, anunciando as nuances e subjetividades da mulher negra no disco da cantora baiana Luedji Luna. “Bom Mesmo é Estar Debaixo D’água”, lançado na última quarta-feira (14), traz 12 canções que envolvem a afetividade, amor e beleza de uma mulher que já havia colocado “Um Corpo no Mundo” há três anos, como se fosse seu primeiro filho na música.
Enquanto o mundo parou por causa de uma pandemia, Luedji foi movimento. Se a água está presente no título, no álbum visual e até na sonoridade, ela foi o elemento que transportou a baiana até o outro lado do Atlântico para produzir o disco. “O Quênia foi o primeiro país que me recebeu na África. O primeiro país em que eu retornei, também, por causa do meu guitarrista, o queniano Kato Change. Ele fez os arranjos de guitarra para “Um Corpo no Mundo” e nessa ocasião convidei para produzir o disco junto comigo. Ele é músico e produtor jazzista, já tinha músicas trabalhadas no Quênia. Então fazia mais sentido e menos custoso eu ir para lá. E também eu arranjo qualquer desculpa para retornar à África”, conta aos risos, em entrevista à Folha de Pernambuco.
No primeiro semestre, Luedji se encontrou em duas maternidades. A gravação do disco e álbum visual, em janeiro e fevereiro deste ano, e a descoberta do primeiro filho, Dayo, que veio nascer em julho. “Em janeiro, estava no Quênia gravando as músicas. Em fevereiro, estava gravando o filme na Bahia, porque a ideia era de lançar o disco logo no primeiro semestre do ano. Só que aí a gente foi arrebatado pela pandemia e acabou mudando nossos planos. Por causa da gestação, eu queria lançar o álbum o mais rápido possível, mas fiquei um pouco reticente e ele acabou saindo agora”, explica a cantora.
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A sonoridade do disco, como a própria produção aponta, se encontra com os ritmos africanos. O jazz, o crioulo de Cabo Verde e outras referências do continente se entrelaçam com a baianidade em forma de voz doce de Luna. As canções, que foram levadas na bagagem da cantora até Nairóbi, foram escritas durante viagens, shows e turnês realizadas durante os últimos três anos desde o último disco dela. E um tema em comum aparecia entre elas: a afetividade.
O direito ao afeto
Se falar de amor pode ser a coisa mais clichê na música, para as mulheres negras é política. O direito de ser bonita, de ser amada e ser um corpo de encontro entre afeto e sentimento vai contra a narrativa presente em torno dessas mulheres. “'Bom Mesmo é Estar Debaixo D’água’ é justamente esse olhar para as minhas experiências afetivas e amorosas. Foi um tema escolhido propositalmente. É uma questão que a gente tem que evocar, porque quando se trata de afetividade de mulheres negras existe um apagamento muito forte. É como se a gente não amasse, é como se a gente não fosse amada e ninguém se importasse. Falar de de afetividade negra é tirar a gente desse lugar de invisibilização e desse desamor. Se a gente não coloca essa mulher negra no lugar de desejo não teremos mulheres negras sendo amadas”, enfatiza Luedji.
Esse direito ao afeto não vem carregado sozinho no disco. Apesar de ser uma narrativa em primeira pessoa, a cantora traz outras mulheres negras para entrelaçar as histórias do disco. Tem as escritoras Conceição Evaristo, Cidinha da Silva e Tatiana Nascimento, além da poeta e cantora baiana Dejanira Rainha Santos Melo. Evaristo vem junto a Nina Simone, em “Ain’t Not Go”. “Conceição é uma figura emblemática da literatura brasileira. Eu a conheci num show que eu fiz em Porto Alegre. Eu escolhi ela numa faixa que eu canto Nina Simone e acho que Conceição é essa figura que tem uma importância aqui no Brasil semelhante a ela.”.
Álbum visual
Se a poesia já entrelaça os caminhos de Luedji desde o primeiro disco, desta vez a narrativa é complementada por um álbum visual. O gênero, que tem sido popularizado em manifestações afrodiaspóricas, aparece como um visual para cinco canções do disco, o qual foi dirigido por Joyce Prado. No filme, Luedji aparece em imagens gravadas durante Carnaval em Salvador, nas faixas “Uanga”, “Tirania”, “Chororô”, “Am I a woman” e “Recado”. Um outro clipe já havia sido lançado com a faixa-título. Na obra audiovisual, a cantora faz referências a orixás femininos.