Luiz Caldas: "O axé não é um gênero musical, é uma forma de se fazer música"
Na edição que celebra os 40 anos do movimento musical, Festival de Verão Salvador traz o músico responsável pelo disco inaugural do axé
“Deve ser difícil não ser baiano!”, brinca Luiz Caldas, atração especialíssima do Festival de Verão Salvador, que no sábado (25) e domingo (26) celebra os 40 anos da axé music. A razão de ele estar lá é muito simples: sua estreia em LP como artista solo, “Magia” (1985), é considerada o ponto zero do estilo que ganhou o Brasil e o mundo.
Cantor, compositor e multi-instrumentista, o baiano, de Feira de Santana, conseguiu com este trabalho, de quando tinha apenas 22 anos de idade, sintetizar ijexá, o frevo eletrificado do carnaval, merengue, reggae e pop numa explosão que deixou marcas naquele meio de anos 1980, com o hit “Fricote”.
— As canções de “Magia” abraçam vários ritmos e estilos, ele é a minha biografia sendo contada em forma de disco — diz Luiz. — O axé não é um gênero musical, é uma forma de se fazer música, ele amalgama tudo. É como um grande liquidificador em que as frutas são ritmos. Um mamão é um reggae, um abacate é um baião, a uva é um samba... aí você vai jogando um pouquinho de cada, bate tudo e vai dar um suco legal.
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A comemoração das quatro décadas de axé foi antecedida, no domingo passado, pelo aniversário do próprio Luiz Caldas. Sessenta e dois aninhos, que ele festejou fazendo em Salvador um show com as músicas de seus muito criativos LPs iniciais, nos quais não faltaram, além de “Fricote”, sucessos como “Haja amor”, “Ajayô” e “Tieta” (que voltou a ser ouvida por causa da reprise da novela).
Para Luiz Caldas, “Magia” é resultado “de uma época boa, em que a gente formava verdadeiros times para poder fazer um disco”. O disco foi produzido num momento em que trabalhava em Salvador no estúdio WR, gravando jingles. Ele tinha a banda Acordes Verdes, composta por, entre outros, um ainda pouco conhecido Carlinhos Brown na percussão e o seu irmão, Paulinho Caldas, nos vocais de apoio. Nos momentos vagos do estúdio, o músico aproveitava a banda e gravava com ela as suas canções, de uma carreira que vinha desde a adolescência, em que fazia parte do Trio Tapajós.
— Aquele era um momento difícil, porque tinha ali Pepeu (Gomes) e Armandinho, dois grandes guitarristas com carreira engatilhada, e eu não podia ser uma cópia deles — conta Luiz, que produziu o seu disco com Wesley Rangel, dono do WR. — Aí entraram (os produtores) Roberto Sant’Ana e José Vicente Brizola, que criaram o selo Nova República e lançaram o disco. Ele vendeu cem mil cópias, de cara. Aí eles venderam o selo para a PolyGram (atual Universal Music), que era grande na época, e o “Magia” foi relançado no mesmo ano para o Brasil. Foi um disco que teve muitas mãos produzindo, ajudando de várias formas, com vários olhares.
Quando “Fricote” ganhou as rádios do Brasil, de um dia para o outro Luiz Caldas virou um ídolo popular, assediado. Mas quem disse que isso o assustou?
— Artista de trio elétrico não tem medo de tamanho de público, a gente está acostumado ao gigantismo. E eu já estava tentando ser um artista reconhecido no Brasil, minha batalha vem de muito antes. Quando aconteceu, não foi nenhuma surpresa, foi uma alegria — garante. — Porque a gente sabe que milhares e milhares de artistas hipertalentosos batalharam e batalharam e não conseguiram chegar a uma gravadora. Naquela época não existia redes sociais para você divulgar seu trabalho. Ou você era artista naquele nicho protegido pelas gravadoras, pela grande mídia, ou você estava sempre dando murro na ponta da faca.
Ele agradece a Deus por ter caído nas graças de apresentadores de TV “que eram ligados à alegria, ao bom humor e ao carnaval”, como Chacrinha, Fausto Silva e Bolinha.
— Tive sorte com esses caras levantando a minha carreira. O restante foi manutenção, com estudo e com respeito ao público, à carreira e ao próprio corpo — diz Luiz Caldas, hoje um vegetariano, abstêmio e praticante de yoga.
O segredo de ter sobrevivido ao sucesso foi ter lutado para manter controle total sobre sua própria carreira.
— O Roberto Sant’Ana vendeu a Nova República pra PolyGram, mas não vendeu o meu contrato. Eu era um artista a peso de ouro, e gravadoras ofereciam advanced, apartamento ou carro, tentando me seduzir para que eu assinasse um contrato de três anos. E o que eu exigia é que ninguém poderia interferir na minha música, na minha produção, na minha roupa, no meu visual ou no meu nome — revela. — Se você não tem liberdade para criar, acaba fazendo sempre uma cópia do que já foi feito. Depois do “Fricote”, o que eu mais ouvi foi gente perguntando quando ia ter o “Fricote 2”. E aí eu vim com “Ajayô”, que é totalmente diferente.
Hoje, Luiz Caldas acompanha os desdobramentos de sua obra. Recentemente, “Haja amor” viralizou no TikTok (“eu me diverti muito com as crianças mandando vídeos de dancinhas para mim”).
— A gente tem que acompanhar a evolução tecnológica e tudo que rola na internet, sobretudo nas redes sociais. O engajamento é importante para a carreira musical caminhar por várias frentes — acredita ele, que também viu, nas últimas semanas, “Tieta” (música de Boni e Paulo Debétio, para a qual ele criou o arranjo e foi o intérprete) voltar ao sucesso com a reprise da novela.
Lição de vida
De uns tempos para cá, Luiz Caldas tem feito todo tipo de show, inclusive de chorinho, de jazz e de forró, do qual teve muitas lições com Luiz Gonzaga, na época dos bailes, antes mesmo de vir a gravar com ele em disco. Ele se lembra até hoje dos conselhos que o Velho Lua lhe deu, nos primeiros dias do sucesso:
— Ele perguntou: “Tá ganhando bem, né?” E eu: “Sim, bastante dinheiro.” Ele: “Tá guardando? Como tá?” Eu: “Vou gastando.” Aí ele disse: “Olha, se você ganhar dez, gaste oito e guarde dois.” Como como era muito novo na época, e era um ídolo daqueles falando, isso entrou forte em mim e foi onde eu comecei a colocar os pés no chão. Aí eu fiz o contrário do que ele falou: gastava dois e guardava oito.
A segurança financeira tem garantido tranquilidade a Luiz Caldas para tocar adiante um projeto de vida: desde 2013, ele tem gravado, inacreditavelmente, um disco por mês — um total de 144 álbuns, com umas 1.480 músicas, todas inéditas, disponibilizadas de graça em seu site, com participações de Fernanda Takai, Seu Jorge, Sandra de Sá, Chico César, Zeca Baleiro, Paulo Miklos e Arnaldo Antunes, entre outros astros. Um dos álbuns foi dedicado aos povos indígenas, com letras inteiramente em tupi.
— Eu gravo o que me dá vontade, estou a serviço da música — diz ele, que ainda só não cantou em japonês e em francês porque acha complicado “o arranhado da garganta”.
Mistura num caldeirão baiano
Daniela Mercury convida Timbalada, Luiz Caldas e Saulo, Leo Santana, Natiruts (em um dos seus shows de despedida), Pedro Sampaio e BaianaSystem convida Marcelo D2 e BNegão são as atrações principais da 24ª edição do Festival de Verão Salvador, que acontece hoje e amanhã no Parque de Exposições da capital baiana. A tônica em 2025 é uma homenagem aos 40 anos da axé music, e nem poderia ser diferente.
— O show de Luiz e Saulo, que fez muito sucesso como apresentação de voz e violão, nós vamos fazer pela primeira vez com banda. Já a Daniela Mercury e a Timbalada já haviam colaborado antes, mas nunca haviam feito um show juntos, vai ser um momento histórico — promete o diretor artístico do festival, Zé Ricardo. — Este ano o line up se ampliou, ficou mais aberto, com encontros como o do Só Pra Contrariar e Alcione e os de Ana Castela e Xamã e de Jão e Gustavo Mioto, uma provocação proposta pela gente.
O show com Saulo (ex-cantor da Banda Eva, uma das grandes do axé) será, segundo Luiz Caldas, “um encontro de pipocas maravilhoso totalmente diferente do show que a gente vem apresentando”:
— É um show com banda, guitarra no pescoço, muita voz no coração na garganta, vai ser um show muito dançante — anuncia o músico. — Saulo é um amigo que eu amo, a música dele tem conexão com a minha, a gente tenta falar sobre as mesmas coisas. Temos uma visão parecida sobre vida, família, música futuro e natureza.
Zé Ricardo se alegra com a chance de ter, na festa de 40 anos do axé, esse pioneiro do gênero.
— Luiz Caldas é um ícone, um artista que eu admiro muito e que eu queria há muito tempo ter no festival — diz. — Sem dúvida, ele é um músico virtuosíssimo, um músico que sempre teve a rítmica muito forte no seu trabalho, não só na maneira com que coloca as palavras na música, mas também nas suas levadas.
Sábado, os portões do Parque de Exposições de Salvador abrem às 15h, e o festival começa às 16h20 com o show Pitty convida Melly no Palco Cais. Seguem-se, na ordem, os shows de Ana Castela convida Xamã (Palco Ponte), Só Pra Contrariar convida Alcione (Cais), Bell Marques (Ponte), Natiruts (Cais), Alok (Ponte) e Daniela Mercury e Timbalada (Cais).
No domingo, os portões abrem às 14h30, e o Parangolé abre a festa às 15h30, no Palco Cais, seguido de Jão convida Gustavo Mioto (Ponte), BaianaSystem convida Marcelo D2 e BNegão (Cais), Leo Santana (Ponte), Ivete Sangalo (Cais), Luiz Caldas e Saulo (Ponte) e Ludmilla (Cais), Sambaiana convida Diogo Nogueira (Ponte) e Pedro Sampaio (Ponte).
Além de no Cais e no Ponto, os shows acontecem também no Palco Rua Atitude, que se propõe a trazer o melhor da música da Bahia. Hoje, apresentam-se o cantor Oh Polêmico, o grupo Araketu, o rapper Alee e a novidade do pagode Renanzinho CBX. Amanhã, tem a banda La Fúria, as cantoras Aila Menezes e Vina Calmon (ex-Banda Cheiro de Amor) e Cirilo Teclas, projeto que mistura ritmos eletrônicos com influências baianas.