Maitê Proença se abre sobre descobertas sexuais, menopausa interrompida e vida de avó
Em cartaz com peça no Rio de Janeiro em que aborda fragilidades pessoais, atriz repassa traumas e fala sobre 'estereótipo da beleza'
Maitê Proença já quebrou 24 ossos. Na coluna, há sete vértebras fissuradas ou achatadas. No fêmur, no joelho, nos dedos, no nariz, no pé e no pescoço, também estão marcas oriundas de quedas de escadas, cavalos, motos e carros em movimento. A atriz de 65 anos — olhos azuis penetrantes, corpo flexível e traços simétricos — não é nada “normal”, como ela alerta. Há algo fora da ordem em seu retrato.
— Não sou paraplégica porque o destino não quis. Mas posso dizer que tenho histórias para contar, e elas estão inscritas em mim. Isso vem desde a infância, e piorou com a vida adulta — afirma a artista, estirada numa poltrona na ampla sala de seu apartamento, em Copacabana.
— Hoje, olho para trás para tentar entender por que me quebrei tanto. Não estava sentadinha em casa, lendo um livro, e os ossos se espatifaram. Não, né!? Fiz coisas que as pessoas não fazem! Mas por que me coloquei em situações arriscadas? Será que estava tentando morrer, e até para isso fui incompetente?
Indagações parecidas se desdobram em outros vários questionamentos ao longo da peça “O pior de mim”, que retorna aos palcos após elogiadas temporadas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em cartaz desde a última semana no Teatro das Artes, na Gávea, na Zona Sul do Rio — onde permanece até o dia 30, aos sábados e domingos —, o monólogo dirigido por Rodrigo Portella põe a atriz frente a frente com impasses e fragilidades pessoais. Mas sem lamúrias.
A estreia aconteceu em 2020, durante a pandemia — em montagem on-line—, época em que a artista tomou coragem para “catar textos que jamais teria mostrado” não fosse a segurança de estar separada do público por telas digitais. De lá para cá, a história foi ganhando fôlego e novas leituras aos olhos da autora. Hoje, ao abrir e compartilhar tragédias particulares — aos 12 anos, ela perdeu a mãe assassinada pelo pai, que depois se suicidou, assim como o irmão —, Maitê busca chacoalhar, ao seu jeito, quem está na plateia. O que importa, a rigor, não é o próprio umbigo.
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— As pessoas estão com preguiça de pensar. Elas não pensam mais através de experiências próprias, porque têm poucas vivências. Elas sentem medo! Afinal, experiências novas são perigosas. Subir o Himalaia em vez de vê-lo no Discovery Channel é completamente diferente — compara. — É preciso essa mesma abertura para enfrentar os nossos “piores de mim” e entender que eles são só a gente mesmo. Não tem que ter vergonha. Quero bagunçar o coreto das pessoas, mas sem dar tapa na cara. E também sem marolinha! Não me interesso por marolinhas.
Moleca, mocinha e mulher
Maitê diz que levou tempo para que se enxergasse como uma mulher de opinião — e que fala, sim, sobre o que bem almeja e entende. Projetada nacionalmente entre os anos 1980 e 1990, quando enfileirou trabalhos como mocinha na TV e foi alçada ao posto de símbolo sexual, a atriz afirma que viveu grande parte do tempo “com medo de incomodar”. Criada como moleca pelas ruas de Campinas, em São Paulo (“Várias vezes me perguntavam se eu era menino ou menina”, ela lembra), Maitê só se deu conta de que a consideravam bela ao se mudar para o Rio, por volta dos 20 anos.
— Até então, não sabia que era bonita. De repente, me diziam: “Nossa!” Colocaram em mim o estereótipo da beleza. Junto com o fato de eu ser protagonista em novelas, isso assustava as pessoas. De certa forma, passei a tomar cuidado para não ser muito opinativa e falar sempre com o vocabulário que não fosse o da rua. Tentava baixar a bola para que gostassem um pouquinho de mim — rememora.
A mudança, ela reconhece, só veio há duas décadas, quando assinou uma coluna quinzenal na revista "Época". Passou então a abrir o verbo sobre tabus, polêmicas, amenidades. E descobriu-se, eureka!, como dramaturga e escritora.
— As pessoas viram que eu não era burra. Isso abriu uma faceta que estava recolhida em mim. E aí fui — conta.
Vem, "vambora"...
Hoje, ela continua indo, mesmo que não saiba para qual lugar. “Buscadora” é o adjetivo que enche seus lábios, não à toa, enquanto fala de si. Distante dos folhetins desde 2016 (quando integrou o elenco de “Liberdade, liberdade”), Maitê reforça que está aberta para trabalhos que a provoquem — “e que não sejam um massacre”, como pondera, citando exemplos de novelas que estrelou no passado, como “Dona Beija” (1986) e “Felicidade” (1991), em que gravava mais de 30 cenas por dia.
Em 2024, a artista poderá ser vista na terceira e última temporada de “Bom dia, Verônica”, da Netflix. Em breve, rodará outra série para o streaming, sobre a qual ainda não pode dar detalhes. Fora dos sets ou do teatro, ela frui o tempo realizando pesquisas de “300 assuntos diferentes” — de nutrição à elaboração artesanal de produtos de limpeza.
— Até o sexo das borboletas me interessa — diz. — Para mim, a busca é um processo permanente. E isso é que me torna sem idade. Tem muita gente com 30 anos que me dá certo tédio. Vejo jovens de 20 anos que não têm o mesmo grau de encantamento que o meu. As pessoas acham que já estão prontas e fecham as portas. No meu caso, não tenho tédio de mim, porque a caminhada me levou a dizer coisas que não saberia dizer aos 30 anos. Imagina se fosse sempre igualzinha?
A pergunta é retórica, e Maitê se empolga:
— Acho coerência uma categoria estúpida. Tomara que eu nunca seja coerente, e que aos 90 anos seja muito mais evoluída do que hoje. Vivo, por isso, com a porta escancarada. Não sei se dou conta, mas deixo entrar todo bafo de ar. Sou um ser em evolução. Se não for assim, nada faz sentido. E, olha, não tenho disposição nenhuma para morrer agora.
Todas as fases
A maturidade e o fato de ter sido levada, desde os 12 anos (e repetidas vezes), para o pior de si sedimentaram, sob a pele da atriz, um mantra otimista de que ela não abre mão. A artista não esconde que quer, sim, ser feliz. Ao máximo.
— Corro atrás da alegria feito uma louca. Busco a brecha de luz. Bato no fundo do poço e já volto à superfície — diz.
Ela sabe aproveitar a vida. E ressalta, sem rodeios, que as descobertas se mantêm à vista no plano dos afetos e da sexualidade. Não faltam exemplos. Lá pelas tantas, Maitê revela que, aos 50 e poucos anos, teve a menopausa interrompida devido a uma paixão intensa.
— Foi o namorado mais hedonista que tive. E ele gostava de... transar. Naquele momento, eu andava bastante desinteressada nisso, mas imediatamente (ela se interrompe)... Como ele gostava de sexo e era muito bom nessa missão, a minha menopausa parou. E fiquei três anos com o relógio da menstruação de volta — repassa a atriz. —Só depois que o larguei, veio a menopausa. Olha como é a cabeça da gente! A ginecologista me viu e falou: “Minha filha, é o tesão!” O homem era uma delícia. Tudo em mim, no meu corpo, ficou incrível. E, olha, é assim ainda: se as circunstâncias me botarem uma maravilha pela frente, vem um shuuuuáááá, com fogos de artifícios e tudo. Isso não vai embora de mim.
A atriz só dá meias-palavras quando o assunto é o relacionamento que manteve, entre 2021 e 2022, com a cantora Adriana Calcanhotto. Mas salienta que as pessoas simplesmente presumiram que teria sido a primeira relação homoafetiva em sua vida.
— Isso não necessariamente foi algo novo para mim.— sugere. — Sou uma pessoa curiosa, vivi todos esses anos e gosto de gente. Daí dá para tirar as conclusões. O fato de ela (Adriana) ser do mesmo sexo interessou a todo o mundo, mas não a mim. O mundo inteiro ficou alvoroçado. Para mim, era só uma pessoa que me cativava e me interessava. Nada do que se noticiou acerca disso foi parecido com o que realmente aconteceu.
Atualmente, a maior paixão da atriz atende pelo nome de Manuela. Neta da artista, a criança de 3 anos — filha de Maria Marinho, fruto de seu antigo relacionamento com o empresário Paulo Marinho — faz estripulias com a avó de primeira viagem. As duas correm, ficam de cabeça para baixo, se jogam no chão...
— Minha neta tem energia, e eu também tenho. Talvez a gente corresse menos riscos se ficássemos sentadinhas lendo livros e engordando. Mas não sou esse tipo de pessoa — destaca. — Tenho um corpo disponível para ser uma avó ativa. E isso não me veio de bandeja. Passei a vida inteira me cuidando justamente porque me quebrei toda. Se não faço exercícios, tudo dói. E entrei numa rotina muito mais disciplinada agora. Isso faz com que eu tenha um corpo que muita gente de 25 anos não tem.
Maitê dá um suspiro:
— Ainda estou o.k., né?