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CINEMA

"Manas": conheça o filme de Marianna Brennand, premiado em Veneza e que abre o Janela

Longa-metragem aborda, através da ficção, a realidade da exploração sexual de crianças e adolescentes na Ilha de Marajó

"Manas", filme de Marianna Brennand"Manas", filme de Marianna Brennand - Foto: Divulgação

“Manas”, filme de Marianna Brennand, abre o 15º Janela Internacional de Cinema do Recife, nesta sexta-feira (1º), às 20h, reinaugurando o Cinema São Luiz. O longa-metragem chega ao público pernambucano chancelado pelos tantos prêmios que vem acumulando em festivais pelo mundo. 

Na última quarta-feira (30), “Manas” conquistou o prêmio da crítica de Melhor Filme Brasileiro na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Antes disso, a produção já havia ganhado destaque por levar o prêmio máximo da mostra Giornate Degli Autori, no Festival de Veneza, e o Prêmio Especial do Júri (para a atriz Jamilli Corrêa), no Festival do Rio.

“A premiação em Veneza foi um acontecimento, foi lá que estreamos mundialmente, onde recebemos as primeiras reações ao filme. Foi uma importante validação, não só pelo reconhecimento da crítica internacional, mas também por abrir caminhos para que ‘Manas’ continue alcançando públicos diversos”, analisou Marianna Brennand, em entrevista à Folha de Pernambuco.
 

Tema delicado
Rodado na Amazônia, o filme conta a história de Marcielli (Jamilli Corrêa), uma adolescente de 13 anos que vive na Ilha do Marajó, no Pará. Ciente de que o futuro não lhe reserva muitas opções e de que está cercada por um ambiente abusivo, ela decide confrontar a engrenagem violenta que rege a sua família e as mulheres da sua comunidade.

Na trama, a personagem cultua a imagem de sua irmã mais velha, que teria partido para bem longe após “arrumar um homem bom” nas balsas que passam pela região. Conforme amadurece, a garota vê suas idealizações ruírem e passa a se preocupar com sua irmã mais nova.

Marianna conta que a ideia de fazer o filme surgiu em 2013, ao tomar conhecimento de casos de exploração sexual de crianças nas balsas do Rio Tajapuru, em Marajó. “Senti uma profunda tristeza e grande indignação. Ao estudar e entender mais a fundo as histórias de vida dessas meninas, percebi a urgência de dar visibilidade a essa realidade”, relembra. 

Com recurso de um edital de desenvolvimento de roteiro promovido pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) em 2014, a cineasta conseguiu tocar o projeto do longa, que começou com pesquisas e diversas viagens ao Pará. “O filme seria um convite à reflexão e uma maneira de lançar luz para uma realidade ainda muito pouco conhecida, além de dar voz às mulheres que são recorrentemente silenciadas”, explica.

Camadas subjetivas
Documentarista premiada, a diretora pretendia produzir mais um trabalho do gênero, mas acabou mudando de ideia. “Meu ímpeto era realmente fazer um documentário de denúncia, mas rapidamente entendi que esse caminho era eticamente inviável para mim. A possibilidade de colocar diante das câmeras meninas que já haviam vivenciado traumas tão profundos para recontar suas histórias seria, de certa maneira, submetê-las a mais uma forma de violência”, pondera. 

Segundo Marianna, a ficção deu a ela “a liberdade de explorar as camadas emocionais e subjetivas das personagens e das complexidades humanas, sem comprometer a integridade de personagens reais”. Ao mesmo tempo, a cineasta afirma que a linguagem documental está presente no filme.

“Esses preceitos permearam a fotografia, a direção de arte, o figurino, a montagem, o som, a cor… Tudo foi rigorosamente construído para possibilitar uma imersão no universo do filme, de uma forma minimalista, evitando o que pudesse soar excessivamente ficcional”, aponta. 

Respeito e cuidado
No começo deste ano, a exploração sexual de crianças e adolescentes em Marajó voltou a repercutir nacional, a partir do grande compartilhamento de vídeos nas redes sociais, alguns contendo informações falsas. O assunto passou a ser o centro de uma disputa de narrativas envolvendo políticos, artistas, lideranças religiosas e governo federal. 

Marianna destaca que trabalhou para jamais transformar a temática do longa  em um recurso sensacionalista. “Minha maior preocupação foi tratar o tema com o máximo de respeito e cuidado, evitando estereótipos e simplificações que poderiam distorcer ou reduzir essa realidade complexa. Entendo que esse é um tema profundamente político, de direitos humanos, mas não pode ser partidário”, defende. 

Narrativa sensorial
Além da estreante Jamilli Corrêa, o elenco do longa  traz como destaque do elenco um núcleo adulto formado por nomes como Dira Paes, Fátima Macedo, Rômulo Braga, Ingrid Trigueiro, Clébia Souza, Nena Inoue e Rodrigo Garcia. Essencial para as escolhas cinematográficas feitas por Mariana, a equipe de atores contou com direção de elenco de Anna Luiza Paes de Almeida e preparação de René Guerra.

“‘Manas’ tem uma narrativa sensorial que convida o público a mergulhar profundamente na história e a vivenciar a brutalidade do abuso e exploração sexual através da experiência emocional da personagem, sem necessariamente expor a violência de forma gráfica na tela”, comenta a diretora.  

“A delicadeza com que essa história tão difícil é contada, de uma maneira respeitosa, verdadeira, usando a potência do cinema para colocar o espectador dentro da alma e do coração da Marcielle, enquanto ela vive as maiores violências que uma mulher pode passar, foi absolutamente necessária. Acho que essa é uma das razões pelas quais o filme tem gerado tanta conexão com o público”, complementa.

Um pé em Pernambuco
Sobrinha-neta do artista plástico Francisco Brennand, Marianna é de Brasília, mas tem raízes familiares e culturais em Pernambuco. Por isso, ela afirma que a exibição do seu novo longa no Recife tem um significado especial.

“Meus filmes anteriores foram filmados em Pernambuco, com personagens e temáticas nordestinas, enquanto ‘Manas’ é ambientado no Norte, na realidade particular do Marajó. Mesmo assim, essa história transcende o contexto local ao abordar o feminino e questões universais que dizem respeito a todas nós mulheres”, pontua.

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