Mariana Lima conta como atuar em comédia mudou sua carreira e salvou sua vida, após colapso
Conhecida pelas personagens densas, atriz, que roda o filme "Medley", detalha o mergulho no humor para interpretar a Tia Salete da novela 'No rancho fundo', fala sobre a importância do autoamor e de pedir ajuda quando a saúde mental nos abandona
euem acompanha as pEnmrersonagens repletas de intensidade e carga dramática que compõem a trajetória de Mariana Lima se surpreendeu com Tia Salete, misto de beata e mulher fogosa, que a atriz interpretou em "No rancho fundo", novela da TV Globo que chegou ao fim no início de novembro.
Nem ela sabia que levava jeito para fazer graça, que escondia uma "sertaneja maluca" dentro de si.
Pois foi a comédia que a salvou.
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Após viver um colapso nervoso, uma separação após 25 anos de casamento e a perda da mãe, a atriz foi resgatada pela alegria do papel e o carinho da equipe, que a cercou de atenção e cuidados.
Mariana conta como esse trabalho marcou uma mudança de rumo em sua carreira, fala sobre "Medley", filme que roda ao lado de Mel Maia e sob direção de Ana Luíza Azevedo, dos planos profissionais e da importância de pedir ajuda quando a saúde mental nos abandona.
Tia Salete foi uma luz e uma ruptura e tanto, né?
Uma mudança de rumo radical. Um amigo disse: "Está escondendo uma sertaneja maluca aí dentro há 50 anos!" (risos). Ela brotou de muitos lugares.
Estava vindo de um período muito difícil na minha vida, o Allan (Fiterman, diretor artístico) me chamou para o teste de um papel pequenininho.
Quando li, falei: "Não sei fazer isso". Fiquei duas semanas ensaiando, e ele disse: "É você!". E foi um fenômeno. Ela veio vindo, crescendo, virando uma figura louca, desgovernada.
Inaugurou e escancarou as portas para uma Mariana no humor?
Espero que sim, mas não sei... já me chamaram para fazer outra coisa dramática ("Medley"), né? (risos).
No teatro, fiz "Pterodátilos" e outras peças em que usei humor, mas na TV... Allan, Chico Accioly (produtor de elenco) e José Luiz Villamarim (diretor do núcleo de teledramaturgia da Globo) não tiveram medo de encarar, acreditaram e tiraram isso de dentro de mim.
Uma personagem que me ensinou a fazer comédia ligeira na TV e me fez muito bem, foi um dos trabalhos mais felizes da minha vida.
Quero continuar circulando nesse ambiente. Amo mulheres dramáticas, densas, mas essa alegria me curou de muita coisa.
A novela foi uma bênção que me Deus enviou com o Allan, o Mário (Teixeira, autor da novela) e tudo o mais para me curar.
Do que se trata "Medley"?
É um filme juvenil, dirigido pela Ana Luíza Azevedo, que me propôs um pouco a volta da drama queen (risos), que tinha ficado suspensa por causa da Salete.
Faço a mãe da Mel Maia. É uma família com passado delicado.
O pai se suicida, e a mãe esconde da filha. Quando revela, a menina está no processo de liberdade, de se descobrir como nadadora (por isso o título "Medley").
Aceitei emendar com a novela porque não são tantas diárias. Nas cenas pesadas, somos nós duas. Mas é sempre aquela trabalheira emocional né?
Eu com duas filhas adolescentes na vida e também lidando com esse material... Mas vinda da Tia Salete, eu não estava tão em carne viva, podendo fazer cenas dramáticas e estar numa boa com isso.
Você definiu Tia Salete como quadripolar...
Total. E em alguns momentos, dei uma recaidinha. E a novela me puxava para cima. A novela me salvou, me curou.
Eu tinha textos de quatro páginas e houve uma relação maravilhosa com o autor, que escrevia para mim. Misturava histórias bíblicas e gregas, cordel com não sei o que.
Chamei uma pessoa para me ajudar a decorar. Trabalhava de segunda a domingo sem parar.
Nesse processo, minha mãe faleceu. E eles foram muito generosos comigo. Me deixaram ficar com ela até fechar os olhos.
Fiz toda a passagem com ela, dando banho e cuidando no hospital. Só não vi o último suspiro. Ela quis dar sozinha. Falei em seu ouvido: "Já volto, vou lá embaixo fumar". Nesse já volto...
Ela não quis que a gente visse. Os médicos paliativos são figuras maravilhosas... Deu até vontade de fazer um filme.
Eles avisaram que iam começar a desligar as coisas para ela parar de sofrer. "Ela tá ouvindo?", eu perguntava. "Falem com ela", foi a resposta. Eu falava muito.
O que ela teve?
Primeiro, um câncer de pulmão, depois uma crise de mania, que virou um problema neurológico, o que médicos chamam de parksonismo.
Pode durar cinco anos. O dela durou três meses. Foi super duro, porque ela era muito minha amiga.
Quando voltei para fazer novela, foi em frangalhos. E aí cuidaram de mim como se cuida de uma criança doente.
Maquiadoras, cabeleireiros.... As maquiadoras faziam roda de reza em torno de mim. Allan perguntava: "Tá podendo ou não tá podendo?".
No último dia, ele falou: "Mari, a gente viu tudo, você estava triste, mas entrava no set, e a gente chamava as pessoas para te verem trabalhar. Porque acontecia um fenômeno. Você virava um bicho, fazia coisas loucas, e rolávamos de rir".
Não sei de onde veio isso, fiz um sotaque que nunca usei. A novela foi me curando desse luto também, sabe? Era uma gente muito alegre, muito feliz.
O Allan trabalha com alegria, dá uma festa por mês, faz o "bofe" e a "bofa" do mês. Nunca vi essa alegria de trabalhar. Rezo todos os dias para fazerem uma novela comigo de novo.
O que você estudou para fazer essa novela?
Comprei uma Bíblia, em primeiro lugar. Porque ela usava termos, tipo "Jacó pegou Esaú e levou para não sei aonde...".
Quando não era Bíblia, era Ulisses, rezas católicas, a vida dos santos. E também tinha uma putaria maravilhosa com o delegado. Só não evoluiu porque era novela das 6... A gente falava: "Isso vai ao ar?" (risos).
Conseguiu levar essa alegria para a sua vida? Que período difícil foi esse antes de perder a sua mãe?
Consegui, me contaminou, minha vida ficou bem mais feliz. O período difícil... Maria, eu tive um colapso. Uma coisa muito mais forte do que depressão.
Foi uma descida aos infernos. Durou quase dois anos. Fiquei fora da vida.
Teve um diagnóstico?
Não tem muito nome. Poderia ser chamado de uma tendência à bipolaridade. Minha família é, mas nunca tive isso antes.
A palavra que chega mais perto é colapso. E vindo de muitos lugares: da maneira como estava vivendo minha vida com atriz, somado a uma pandemia, uma separação de 25 anos (do ator Enrique Diaz, quem ela chama de Kike) que, no começo, foi super difícil.
Agora, a gente está muito amigo e próximo. Também teve a carga louca de ficar fazendo vídeo todo dia contra o Bolsonaro.
Podia ter pegado mais leve, mas eu estava querendo salvar o mundo desse maldito. Tudo isso fez a corda arrebentar, e eu perdi a funcionalidade. Fiquei sem trabalhar por dois anos.
Como resgatou sua saúde mental?
E sou uma moça burguesa, que teve o melhor atendimento psiquiátrico possível. Penso muito em ajudar as pessoas que estão passando por isso.
Estudei sobre isso quando voltei a ler... Porque teve um tempo em que não conseguia ler, ver TV, não conseguia nada.
Lendo, entendi que isso é um fenômeno do nosso tempo. É preciso procurar ajuda, rede de apoio, amigos, psiquiatra.
Não é algo que se trata com homeopatia. No caminho, encontrei pessoas que estavam sofrendo.
O que disse a elas?
Que passa, mas tem que fazer uma série de coisas. Fico pensando em que não têm recursos.
Uma menina que mora na periferia e, em vez de ouvir que está tendo uma crise maníaco depressiva, ouve: "Sua histérica, vai trabalhar".
Então, penso em como sou privilegiada e grata por ter tido o melhor atendimento possível. Tem muita gente que vive como nos anos 1950. É chamada de louca e foda-se. Que se vire.
Como foi com suas duas filhas no meio disso?
Teve uma hora em que o Kike as tirou, levou para morar com ele. E eu fiquei com meus pais. Foi super difícil essa parte. Um trauma familiar.
Ao mesmo tempo, um ensinamento de que isso pode acontecer. Quando falava com meu médico, ele dizia: "Tem gente que tem diabete, outros, câncer.
Sua família tem essa tendência, e as suas filhas viram isso acontecer. Podiam ter visto você fazer uma operação e ficado mal do mesmo jeito. Não se culpe".
O problema é a gente se culpar, tipo "minhas filhas me viram numa situação muito louca". Agora, está tudo ótimo, elas estão felizes que estou bem, tudo tudo sob controle. Remedinhos, meditação...
Em 2021, me contou como as personagens contaminavam a sua vida. Aprendeu a administrar, separar as coisas e se proteger mais?
Tive que aprender na marra. Esse colapso teve muitas razões. Sempre pergunto "por que?" ao meu psicanalista. Ele fala que é a pergunta de um milhão de dólares.
São muitas coisas. Uma delas, que tem a ver com a minha formação no Teatro da Vertigem, é que eu entrava num personagem sem rede de segurança.
Isso pode ser muito perigoso, porque pode te fazer ir a lugares para os quais não está preparada.
Não que eu não mergulhe como sempre mergulhei, mas aprendi e estar mais amparada. tenho uma parceria com a Lisa Eiras Fávero, preparadora...
Como ela te ajuda?
Me ajuda para caralho, ensaia todos os dias comigo. Sem ela, não teria feito novela nem o filme. Quando começamos o longa, eu disse: "Vamos ver o que fazer para eu não ficar arrasada, porque esse personagem é uma mulher arrasada pela vida".
E aí faço um trabalho que é um cuidar de si, sabe? Isso agora vem antes da personagem. Antigamente, eu fazia a personagem, me fodia e tinha que cuidar de mim.
Só que aí eu já estava fodida. Agora, o mais importante é cuidar de mim e depois entrar na personagem com essa rede de segurança.
E como se cuida?
Ioga, ginástica, psicanálise, meditação, remédios psiquiátricos. E não abuso tanto da máquina no sentido de beber e ficar até 5 horas da manhã na rua.
Porque sempre foi muita intensidade. Depois de ensaiar cinco horas para o "Cérebro-coração" (espécie de peça-conferência de sua autoria), ainda ia para a mesa do bar falar por três horas sobre aquele negócio.
Ok, acabou o ensaio toma uma cerveja, mas não toma 55. Isso todos o dias... Tem uma hora que o corpo fala: "Tem alguém me jogando no lixão".
No caso, você mesma...
Eu. Estou com 52 anos, na menopausa, sinto coisas. Meu sono não é mais o mesmo, sinto calores, os olhos e a boca secas, a memória...
Preciso fazer ginástica todos os dias se não meu joelho começa a doer. É um alerta vermelho, tipo: "Cuide do corpo, tome whey protein". Se eu beber muito hoje, fico destruída três dias.
A biologia é sacana com a mulher. Está fazendo reposição hormonal?
Ainda não comecei, porque minha médica disse que está tudo ok nos exames. Mas se tiver que fazer... Graças à medicina, temos hoje uma série de alternativas.
Estou aprendendo a cuidar de mim para depois cuidar do outro. Do meu corpo, da saúde física, mental e espiritual. A boa e velha metáfora do primeiro o oxigênio em você.
Passei a vida a vida inteira botando oxigênio em todo mundo e eu sem. Essa mulher que vai entrando na menopausa, perdendo um monte de coisa... Não é fácil, tem que mudar radicalmente seu jeito de se ver, se amar.
Poder se amar nessa idade é importante. Não se deixar cair. A menopausa derruba um pouco a libido, faz com que a gente se sinta menor, pior ou velha.
Eu não tô velha, tô cheia de saúde e de vontade de fazer personagens.
Sua separação teve a ver com esse seu mergulho no autoconhecimento? O que os moveu nessa direção?
O modelo de casamento vai ficando viciado e começa a fazer mais mal do que bem. O Kike é super alegre, feliz. Não que não tenha dores....
Quando você começa a fazer muito esforço para estar na mesma frequência que o outro... Ao mesmo tempo, a gente é super apaixonado até hoje, grudados.
O nome que a terapeuta de casal deu para isso foi fusionamento. Para sair desse fusionamento eu tive que...
Precisou se reencontrar, redescobrir quem era você?
Isso. Quem sou eu? Que raio de pessoa é essa? Tô aprendendo agora a gostar de mim sozinha. Nem sabia ficar sozinha, estava sempre cheia de gente.
Minhas filhas também saíram, porque estão adolescentes. Tem semana que passo inteira sozinha. Aos poucos, fui aprendendo a gostar, a fazer as coisas sozinha.
Ver uma série ou ler um livro que só eu estou lendo. É difícil, mas maravilhoso. Uma descoberta gigante.
Saber do que só você gosta e não ter que negociar com ninguém....
No começo, eu já armava meu fim de semana com amigos para preencher e não ficar sozinha. Agora, não faço mais isso.
Se rolar, rolou, tá tudo bem. E agora também a gente se vê, se encontra, sai com as meninas... Mas levou uns três anos...
Mudando de assunto... Você era a primeira opção de Walter Salles para fazer Eunice Paiva em "Ainda estou aqui"...
Cheguei a ver fotos, estudar um pouquinho. Mas aí veio esse meu processo, e ele achou que eu não ia dar conta. Realmente, eu não ia.
Ainda não consegui ver o filme... Sei que vai bater num lugar... Mas vou ver. Penso que se tivesse feito, não teria feito a novela.
Apesar de amar Waltinho... Ele disse: "A gente vai fazer um filme juntos, fica tranquila". Na época, doeu bastante.
Fico super feliz com tudo que está acontecendo com o filme, mas tenho sensação que não era para ser... E foi a novela no lugar, é a vida. E estou super a fim de fazer mais novela.
O trabalho ajuda né, Mari? Quais são os próximos passos profissionais?
Sim, o trabalho diário, acorda, estuda, faz... Salva pelo trabalho. Está começando uma vontade de estar em cena.
Talvez volte com "A paixão segundo G.H.", ou recupere "Cérebro-coração", que tem uma particularidade muito louca, né? Escrevi antes de ter esse negócio. Como pode? Será que, tipo, eu estava prevendo isso? É um mistério.
Tenho um roteiro semi-pronto com a (diretora) Christiane Jatahy, uma ideia de filme com a Dani Thomas. Para agora, estou nessa coisa de cuidar de mim e dessa fome eterna...
Aprendendo com os guias em todas as esferas espirituais a ir sem tanta fome, essa compulsão gananciosa que a gente entra de "preciso fazer alguma coisa".