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Arte

Monumentos Virtuais: leia entrevista com Alexandre Salomão, produtor da plataforma transmídia

Construção do projeto recifense acontece a partir de processo coletivo e busca amplificar a visibilidade de temáticas e vozes frequentemente negligenciadas

Clipe de "Abordagem"Clipe de "Abordagem" - Foto: Reprodução

Com o propósito de aproximar ambas a arte e a cultura de todos os demográficos, não somente da perspectiva de consumo, como de narrativa e construção  - emerge, em 2014, o projeto recifense "Monumentos Virtuais". Através de uma plataforma transmídia de acesso gratuito e livre, um acervo de arte multidimensional fomenta diálogos pertinentes, cedendo espaço para catalisadores de progresso e vozes marginalizadas, com frequência. 

Neste domingo (22), a plataforma promoveu o lançamentos de duas videoperformances pautadas em temáticas potentes e atuais; "Roberta da Silva", idealizada e dirigida pela multiartista Pérola Pessoa, uma homenagem à travesti queimada viva no Cais de Santa Rita, no centro Recife, e o videoclipe de "Abordagem", uma colaboração entre a rapper Agô MC e Neguinho PG.

Em entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco, Alexandre Salomão, artista que produz a plataforma ao lado de Luiz Manuel e Lara Bione, adentra o imáginario das obras recém-lançadas e percorre o processo de desenvolvimento do projeto, desde sua idealização até possíveis reverberações deste, a longo prazo. 

Leia a entrevista a seguir:

Pode nos contar mais sobre o conceito e a missão da plataforma Monumentos Virtuais? Como se deu o processo inicial de idealização e desenvolvimento do projeto?

Os momentos virtuais nascem, enquanto projeto, como uma forma de dialogar o acesso à cidade, as formas de se relacionar na cidade, as convivências dentro das cidades, as representações das pessoas que vivem nas cidades, de uma maneira audiovisual performativa.

O processo inicial de idealização veio a partir dessa compreensão de que os monumentos que estavam sendo levantados tinham um propósito de afirmar determinadas figuras em heróis e esses heróis não contemplavam a maioria da população. Uma construção de um imaginário pautada numa herança colonialista. E nós estávamos querendo abrir esse espaço para contar outras histórias, outras narrativas - de uma maneira democrática, de uma maneira que qualquer pessoa pudesse criar seu próprio monumento e trazer todas as informações e representações de suas próprias questões, para dialogar com essa realidade. 

Monumentos Virtuais é uma plataforma de construção coletiva. De que forma, essa relação dialética com o público desempenha um papel na criação e no sucesso das videoperformances?

Monumentos Virtuais tem essa base de construção coletiva porque conduz essa possibilidade de escrever sua própria história, de deixar registrado nessa memória individual, a partir dessa memória individual, esse legado, esse pensamento sobre seu tempo, essas crônicas sobre seu próprio tempo. E dar atenção, dar espaço, criar mecanismos para que essas narrativas possam continuar existindo e alcançar outras reflexões, outras maneiras de dialogar, outras maneiras de existir. Faz parte dessa construção que desempenha esse papel na criação e no sucesso das video performances, porque são construções que se baseiam nesse poder de abrir as portas da percepção para essa outra pessoa, essa reflexão através do olhar dessa outra pessoa que está produzindo, criando seu próprio monumento. Então, dessa maneira, há um crescimento coletivo através do respeito, através da forma de se relacionar, através dessa outra compreensão que é aberta e que motiva um crescimento em grupo.

A videoperformance "Roberta da Silva" é uma homenagem tocante a uma tragédia, cuja recorrência no Brasil é devastadora. Como nasceu a ideia de abordar esse tema e qual foi o papel da multiartista Pérola Pessoa na sua realização?

A videoperformance Roberta da Silva surge a partir do lançamento de uma chamada pública, um edital dos Monumentos Virtuais, voltado para trazer outras pessoas que gostariam de criar seus próprios monumentos. O tema em questão era de corpos dissidentes, a curadoria foi feita pela Akuenda Translesbicha, que trabalha decolonialidade em ações de confronto ao que está imposto e se relacionou de maneira imprescindível no desenvolvimento desses monumentos virtuais ('Roberta da Silva' e 'Abordagem'). Nessa ocasião, a Pérola Pessoa foi uma das artistas que submeteu sua proposta e surpreendeu com esta homenagem super sensível à Roberta da Silva. Nesse monumento, criamos uma linha transterritorial baseada na opacidade entre os territórios que foram filmados em Recife e em São Paulo, e essa linha foi conduzida também por um tema; apesar da transfobia ser crime no Brasil desde 2019, o país é ainda o que mais mata pessoas trans e travestis em todo o mundo.

A videoperformance/videoclipe "Abordagem" é uma colaboração entre vários artistas. Como foi o processo de trabalho em equipe e a tomada de decisões criativas com tantos envolvidos?

Dentro da equipe dos monumentos, mesmo sendo uma equipe super enxuta, conseguimos nos dividir para que uma parte da equipe ficasse responsável por um monumento. A abordagem participou dessa mesma proposta de edital, de uma chamada pública, como eu disse anteriormente. A partir dessa chamada, onde foram selecionados dois monumentos, a Lara Bione foi a responsável por produzir, com muitas outras pessoas sensíveis, a criação audiovisual desse novo monumento. Na ocasiação da criação desse monumento, com uma linguagem mais de videoclipe, o processo aconteceu junto com a rapper Agô MC e Neguinho PG. "Abordagem" foi dirigido coletivamente pelas integrantes do Na Caça Produtora (Agô MC, Amanda Timóteo, Thalligeira e Chicolhares), Lara Bione e Erlânia Nascimento. 

Qual é a importância da arte e da expressão criativa, especialmente quando se trata de abordar questões sociais e culturais, como parece ser o foco do Monumentos Virtuais?

A arte é uma expressão de compartilhamento do sublime, do que vem a ser o mais lúdico elucidativo e, em muitos casos, o fortalecimento do coletivo. Criar esses espaços de compartilhamento de poder e empoderamento, faz com que o foco se projete para as questões mais vivas e urgentes dentro da sociedade. Ressignificar o conceito de monumentos, a partir da criação pública e sua instalação em qualquer lugar atráves da arte, é deixar essa marca de composição de uma miríade da memória coletiva como vestígio de nossa situação. 

Qual é a sua visão para a plataforma a longo prazo? Podemos esperar mais eventos similares no futuro?

Esperamos a criação de novos monumentos, e que as pessoas passem a criar seus próprios monumentos e interagir mais com a plataforma Monumentos Virtuais. Esperamos que consigam encontrar um espaço seguro para colocar seus olhares à disposição deste crescimento coletivo.

Assista ao videoclipe de "Abordagem":

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