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Luto

Morre a escritora e imortal da ABL Heloisa Teixeira, aos 85 anos

Professora feminista construiu longa trajetória na vida intelectual do país nos últimos 60 anos

Heloísa Teixeira era acadêmica, escritora, pesquisadora, professora emérita da UFRJ e imortal da ABLHeloísa Teixeira era acadêmica, escritora, pesquisadora, professora emérita da UFRJ e imortal da ABL - Foto: ABL/divulgação

Morreu hoje (28), no Rio, a acadêmica, escritora, pesquisadora, professora emérita da UFRJ e imortal da ABL Heloisa Teixeira, de 85 anos.

A informação foi confirmada pela Academia Brasileira de Letras e pela editora de seus livros.

Reconhecida como uma das maiores pensadoras do feminismo brasileiro, Heloisa Buarque de Hollanda, como era chamada até então, revelou em entrevista à repórter Maria Fortuna, no Globo de 17 de julho de 2023, que estava tomando uma decisão sui generis.

Aos 83 anos de idade, ela aposentava o sobrenome famoso, que "herdara" do seu primeiro companheiro, o advogado e galerista Lula Buarque de Hollanda, já falecido, para adotar exclusivamente o sobrenome materno.

Onze dias depois, tomou posse na Academia Brasileira de Letras já com a nova identidade: Heloisa Teixeira.

Àquela altura da vida, tal mudança seria impensável para a maioria das pessoas. Mas não para Heloísa, que sempre esteve antenada com a arte e o pensamento contemporâneo e nunca teve medo de "ideias diferentes", tanto que chegou mesmo a tatuar o novo nome nas costas:

"Tudo do feminismo atual passa pelo corpo. E o meu novo nome está tatuado no meu corpo junto com a família, porque estou toda marcada pelos netos", disse ela, que tinha 11 tatuagens - a primeira feita aos 79 anos, e várias delas sendo desenhos dos netos.

Cultura e desenvolvimento
Nascida em 26 de julho de 1939, em Ribeirão Preto (SP), Heloísa graduou-se em Letras Clássicas pela PUC-Rio em 1961. De 1964 a 1965, especializa-se em teoria da literatura, e é admitida como professora auxiliar de ensino da UFRJ; em 1969, torna-se titular da instituição.

Nos anos seguintes, fez mestrado e doutorado em Literatura Brasileira na UFRJ e pós-doutorado em Sociologia da Cultura na Universidade de Columbia, em Nova York.

Sempre manteve seu foco na relação entre cultura e desenvolvimento, dedicando-se mais frequentemente a áreas como poesia, relações de gênero e étnicas, culturas marginalizadas e cultura digital.

Entre 1983 e 1984, Heloisa assumiu a direção do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro - MIS/RJ. Em 1986, criou a Coordenação Interdisciplinar de Estudos Culturais - Ciec, laboratório de pesquisa de pós-graduação da Escola de Comunicação da UFRJ, que marca a passagem de seu foco de pesquisa da literatura marginal para as questões literárias de raça e gênero.

Ao longo do tempo, Heloisa construiu volumosa produção acadêmica. Entre outros livros, ela publicou obras como "26 Poetas hoje" (1976); "Macunaíma, da literatura ao cinema" (1978); "Impressões de viagem; cultura e participação nos anos 60" (1979); "O feminismo como crítica da cultura"; "Guia poético do Rio de Janeiro"; "Asdrúbal Trouxe o Trombone: memórias de uma trupe solitária de comediantes que abalou os anos 70" (2004) e "Enter - Antologia digital e escolhas, uma autobiografia intelectual".

Em “Marginais anos 70”, por exemplo, ela reflete sobre a cultura alternativa daquela época. Nos últimos anos, lançou "Rebeldes e marginais: Cultura nos anos de chumbo (1960-1970)" e "Confissões de uma mulher divorciada".

Por essas e por outras, a história pessoal de Heloisa se confunde com a da cultura brasileira das últimas seis décadas. Vale dizer que a festa de réveillon que abre o livro "1968 - o ano que não terminou", do jornalista e acadêmico Zuenir Ventura, foi na casa dela e de Lula, toda feita com sucata de demolição, no Jardim Botânico, zona sul do Rio.

Naquela espécie de rito de passagem, Lula calculava que haviam por lá, despedindo-se de 1967, "cerca de mil pessoas", incluindo nomes como Glauber Rocha, Geraldo Vandré, Millôr Fernandes, Ênio Silveira, Carlos Vergara, Fernando Gasparian, Elio Gaspari, Regina Vater, Maria Lúcia Dahl, o casal Luíz Carlos e Luci Barreto, Afonso Beato, Florinda Bolkan... A noite deixou muitas marcas na sociedade carioca: Zuenir conta que 17 casamentos se desfizeram naquela noite ou em consequência dela.

O tempo voou. Ao completar 80 anos, em 2019, disse ao Globo que continuava sendo festeira, mas só mudou a intensidade:

"Não tenho mais aquela coisa de dar festas, mas tem sempre gente almoçando ou jantando na minha casa. Toda quarta-feira é um Natal."

Naquela época, longe de pensar em aposentadoria, Heloisa começou a produzir mais que nunca. Lançava o livro "Onde é que estou?" e publicou "Pensamento feminista hoje" meses depois (ambos pela Bazar do Tempo), passeando pela história sem se amarrar a saudosismos.

Em 2020, a professora estreou no Canal Brasil uma série em que investigava as lutas femininas, em que mostrava como o pensamento decolonial e um laboratório com mulheres das periferias a fizeram rever uma série de conceitos. Interessava, a ela, abrir o diálogo com uma nova geração de feministas:

"Eu entendi que o feminismo dessa geração tem as mesmas causas, mas não as mesmas estratégias da minha geração. O nosso era coletivo, mas agora elas dizem 'o meu primeiro assédio'. Com as pesquisas de campo e a proximidade com elas, eu percebi que essas meninas não tinham repertório. Então disse a mim mesma: 'São as minhas netas, vou fazer uma biblioteca para elas'. Por isso eu digo que os livros e a série são um ativismo. É um compromisso com a formação dessa geração porque acredito que, agora, não há volta."

Em abril de 2023, Heloisa foi eleita para ocupar a trigésima cadeira da Academia Brasileira de Letras (ABL), sucedendo Nélida Piñon. Na história da instituição, era a décima mulher a tornar-se acadêmica.

Em seu discurso de posse, destacou a primeira sucessão entre mulheres na história da instituição.

— Ainda somos pouquíssimas nessa Academia. A proporção é de dez mulheres por 339 homens — disse Heloisa.

Diagnosticada com câncer de pâncreas em 2024, Teixeira continuou ativa e idealizou na ABL projetos como o “Machado Quebradeiro”, um curso de formação de escritores da periferia que uniu a ABL à Festa Literária das Periferias (Flup) e à Universidade das Quebradas.

O projeto promoveu oficinas, palestras e seminários, trazendo discussões em torno do tema “Machado afrodescendente e periférico”, que dá ênfase às origens sociais e raciais de Machado de Assis. Ela também coordenou o ciclo de conferências “Machado de Assis e a questão racial”.

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