Morre Diva Guimarães, educadora negra que emocionou a Flip em 2017 com fala antirracista
"Agradeço todos os dias por tê-la encontrado e por aprender com ela cada vez que a gente se fala", escreveu o ator Lázaro Ramos, debatedor da mesa em que a professora deu seu depoimento
Educadora negra que ficou famosa após dar um emocionante depoimento sobre racismo em mesa na Feira Literária de Paraty (Flip) em 2017, Diva Guimarães faleceu este sábado (11), aos 84 anos.
O velório e sepultamento acontecem domingo (12), na Capela Luto Curitiba, na capital paranaense. A causa da morte não foi divulgada.
Alfabetizadora e professora de educação física aposentada após 40 anos de trabalho, Diva nasceu em Serra Morena, no interior do Paraná, filha de uma lavadeira e neta de escrava.
Fã de Jorge Amado, escritor que, segundo ela, “as pessoas leem como historinha, mas não captam as denúncias que ele faz”, a professora foi à Flip pela primeira vez para ver as participações de Lázaro Ramos e de Edimilson Pereira de Almeida, negros como ela.
Lázaro e a jornalista portuguesa Joana Gorjão Henriques debateram o tema “A pele que habito”, para tratar dos ecos do processo de colonização no Brasil. Ao fim da mesa, quando ao público foi oferecida a chance de fazer perguntas, Diva deu o seu depoimento.
Leia também
• Ensino de cultura afro é obrigatório há 22 anos, mas requer avanços
• Série de HQs "Contos dos Orixás" adapta a mitologia e as tradições orais afro-brasileiras
• Lázaro Ramos revela título da continuação de seu best-seller e vai lançar biografia de Ruth de Souza
"Fui a primeira pessoa da minha família a ter acesso a escola. Isso fez com que despertasse cedo para a minha condição. Minha mãe lavava roupa para outras pessoas em troca de material escolar — disse ela. — Numa das escolas onde estudei, as freiras contavam que Deus teria feito um rio por onde todos teriam que atravessar."
"Os primeiros, mais fortes e mais inteligentes, ao passarem por esse rio teriam perdido a cor tornando-se o que hoje são os bancos. Já nós, os negros, seríamos burros e preguiçosos, por isso teríamos atravessado quando restava apenas a lama do rio. Por isso é que apenas as nossas palmas das mãos e dos pés seriam claros."
Emocionado, Lázaro Ramos convidou Diva para receber de presente em primeira mão o seu livro na sessão de autógrafos. E, ao fim da mesa, a professora foi cercada por pessoas pedindo abraços, fotos e até autógrafos.
Em apenas um dia, os vídeos com a fala de Dona Diva haviam acumulado mais de 12 milhões de visualizações nas redes sociais.
Opção por não ter filhos
Formada em Educação Física, Diva era atleta quando jovem, mas afirmou que a cor da sua pele impediu que seguisse carreira. A professora vivia em Curitiba e disse não ter tido filhos por opção: não queria que eles passassem pelo sofrimento que ela passou.
— Como a gente diz lá no sul, estou “no bico do urubu”, já tenho idade, então resolvi vir porque não podia perder essa festa — disse Diva ao Globo. — Sou apaixonada por leitura, por Jorge Amado e pelo escritor negro Cruz e Sousa.
Anos depois, Diva foi convidada por Lázaro Ramos para uma participação especial no filme “Medida provisória”, lançado em 2022 e dirigido por ele.
“Dona Diva é mais uma das janelas de inspiração que o Medida Provisória tenta abrir. Agradeço todos os dias por tê-la encontrado e por aprender com ela cada vez que a gente se fala”, escreveu o ator em suas redes sociais, pouco após o lançamento do filme.