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Beatles

Música de despedida dos Beatles, "Now and then" justifica a espera de mais de 40 anos

"A voz é realmente do meu pai, de uma gravação caseira dele, em cassete", explica o herdeiro Sean Ono Lennon, filho de John e Yoko Ono

Os Beatles, em foto de 1965 Os Beatles, em foto de 1965  - Foto: AFP

Lá vêm os Beatles, tchurururu. E está tudo bem. “Now and then”, a tão aguardada última música dos rapazes de Liverpool, pipocou nos streamings nesta quinta-feira (2), Dia de Finados (que não é feriado por lá), e sacudiu o mundo da música, em uma repercussão que seria absurda em se tratando de um artista que não está em atividade há mais de meio século – se não fossem os Beatles. A balada doce e tristonha, gravada por John Lennon ao piano no Edifício Dakota, em Nova York, em 1977, traz a poesia do músico cruelmente assassinado em 1980, a competência de Paul McCartney na produção e em instrumentos diversos, a guitarra leve de George Harrison e a batida firme de Ringo Starr: os Beatles em essência. O single (digital e físico) traz ainda uma versão remasterizada de “Love me do” e o áudio do minidocumentário que conta a história de “Now and then”. Mas o som de um filme, sem imagens, quem ouviria? Milhões de beatlemaníacos, é claro.

A história por trás da canção está em um documentário de 12 minutos assistido mais de um milhão de vezes em suas primeiras 24 horas no ar, desde que disponibilizado no canal da banda no YouTube, na tarde da última quarta-feira (1º). E a questão que mais movimentou os debates (mais do que a própria existência da canção, um sinal dos tempos) é abordada sem firulas: teria sido cometido o sacrilégio de se recriar a voz de John Lennon através de robôs?

 

– A voz é realmente do meu pai, de uma gravação caseira dele, em cassete – explicou o herdeiro Sean Ono Lennon, filho de John e Yoko Ono, que definiu a música como uma “cápsula do tempo”. – A inteligência artificial foi usada como uma ferramenta para limpar a gravação.

A fita com o registro de Lennon em voz e piano foi entregue por Yoko a Paul McCartney, Ringo Starr e George Harrison em 1994. De lá saíram as faixas “Free as a bird” e “Real love”, lançadas na coletânea “Beatles Anthology” (1995). Os três beatles sobreviventes (George morreria de câncer em 2001) trabalharam as músicas no estúdio com o produtor Jeff Lynne (membro da Electric Light Orchestra e companheiro de George no estrelado projeto The Traveling Wilburys, ao lado de pesos-pesados como Bob Dylan e Roy Orbison), mas a tecnologia da época não permitia que voz e piano de “Now and then” pudessem usados em um lançamento profissional. Um programa de restauração de áudio da Inteligência Artificial, usado pelo diretor Peter Jackson no badalado documentário “The Beatles: get back”, foi usado para melhorar a qualidade da voz de Lennon (em inglês, criou-se o verbo “demixar”, algo como isolar os sons e ruídos), que pôde ser unida ao baixo e ao piano de Paul (que também escreveu mais versos), à bateria de Ringo, a guitarras de George recuperadas das sessões de 1995 e, voilà, eis uma música dos Beatles. O clipe, dirigido por Jackson, estreia nesta sexta, dia 3.

Além de “Get back”, disponível para streaming na Apple, a tecnologia também foi usada no relançamento do clássico “Revolver” (originalmente de 1966, remasterizado e remixado em 2022), ao lado de outro produtor, Giles Martin – isso mesmo, filho do maestro George Martin, colaborador histórico da banda, morto em 2016.

– Lá estava ela, a voz de John, cristalina – diz Paul, que no dia 30 de novembro começa, em Brasília, mais uma turnê pelo Brasil e aparece no Maracanã no dia 16 de dezembro, no minidoc. – É muito emocionante. Todos nós estamos lá, é uma gravação genuína dos Beatles. Estar trabalhando em 2023 com o grupo, e prestes a lançar uma canção que o público ainda não ouviu, é muito empolgante.

A viúva de George, Olivia, deu sua aprovação e lembrou os trabalhos em 1995, na época de “Anthology”:

– George achou que as questões técnicas eram intransponíveis – contou ela em entrevistas. – Mas se estivesse aqui hoje, sabemos, Dhani (filho do casal) e eu, que ele se uniria de coração a Paul e Ringo para completar a gravação de “Now and then”.

Ironicamente, a melhor das três músicas foi a última a nascer, após uma longa gestação.

No filme, as vozes de Paul, Ringo, Martin, Sean e são ilustradas por imagens de diferentes épocas e contam como eles conheceram a tecnologia através de Peter Jackson. O diretor neozelandês explica como a voz de John foi isolada do piano (o problema em 1995 era separar os dois sons; o piano do ex-companheiro foi regravado por Paul, que também gravou um solo de guitarra slide no estilo de George). O hiperprodutivo Macca ainda teve a ideia de incluir um arranjo de cordas, assinado por ele ao lado do pelo Martin júnior e de Ben Foster.

– Escrevemos partituras para os músicos, mas não podíamos dizer a eles que era uma nova canção dos Beatles – conta Paul no filme. – Ficou em segredo. Dissemos que era uma música minha.

Todos os depoimentos são encharcados de emoção, é claro.

– Foi espetacular vê-los trabalhando juntos pela última vez, tanto tempo depois da partida de meu pai (em 1980) – lembra Sean, nascido em 1975, cinco anos após a separação dos Beatles. – As pessoas têm a impressão de que ele parou com a música para me criar. É verdade que ele não fez mais shows, mas estava sempre tocando e cantando em casa.

Uma clássica parceria com o selo Lennon & McCartney, “Now and then” (a expressão, se tomada de forma literal, significa “agora e então”, mas também é usada no sentido de “de vez em quando”, ou “às vezes”) fala de um amor inconstante: “Sei que é verdade/ É tudo por sua causa/ E se eu conseguir/ É tudo por sua causa”, canta Lennon, no começo. As idas e vindas (que podem ser uma referência a Yoko, aos Beatles, ou apenas a pura poesia do compositor) vêm em seguida: “E se às vezes/ Precisarmos começar de novo/ Bem, saberemos com certeza/ Que eu vou te amar”. A sutileza do poeta está no uso da expressão “Now and then”: “Agora e na época (ou “Às vezes?”)/ Eu sinto a sua falta/ Oh, agora e na época/ Quero você por perto/ Volte sempre para mim”.

Puro Lennon. Suco de Beatles em 2023.

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