"Napoleão": imprecisões históricas e boa atuação de Joaquin Phoenix marcam épico de Ridley Scott
Filme, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (22), foca na relação entre Bonaparte e sua primeira esposa, Josefina de Beauharnais
Uma disputa ronda qualquer produção audiovisual que propõe lidar com acontecimentos e personagens reais: veracidade histórica versus liberdade narrativa. Com “Napoleão”, sobre o estadista e líder militar francês, não é diferente. O filme, que chega nesta quinta-feira (22) aos cinemas, tem sido criticado pelas incorreções no seu enredo, mas esse não é o seu maior problema.
Não é que o longa-metragem seja uma total perda de tempo, mas é preciso dizer que não corresponde às expectativas criadas em torno dele. Afinal, as apostas eram altas. Primeiro, pela assinatura de Ridley Scott, diretor responsável por clássicos como “Alien” (1979), “Blade Runner” (1982) e “Gladiador” (2000). Além disso, seu protagonista está nas mãos de ninguém menos que Joaquin Phoenix, uma unanimidade em qualquer papel que defenda.
O épico promete desvendar uma das figuras mais controversas da história mundial. Visto como um déspota megalomaníaco por alguns e, por outros, como um brilhante conquistador, Napoleão tem sua biografia contada desde a ascensão como um militar proeminente até a derrocada de um imperador deposto e exilado. No meio disso, está a conturbada relação com Josefina de Beauharnais (Vanessa Kirby), por quem cultivava uma paixão obsessiva.
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Com base nas cartas enviadas pelo governante à primeira esposa, o roteiro retrata Napoleão como uma figura que transita entre inseguranças e grandes aspirações. Sua inteligência em batalha é destacada, assim como sua falta de traquejo social e bons modos - o que gera inevitáveis comparações com figuras políticas contemporâneas. O tom de sátira é adotado algumas vezes, mas não chega a ser abraçado por completo pelo roteiro, que parece meio perdido entre as tantas camadas de seu protagonista.
Em mais um irretocável trabalho de construção de personagem, Phoenix entrega trejeitos e expressões faciais que o tornam um Napoleão crível. Vanessa Kirby também brilha em cena, embora os dramas pessoais de sua Josefina não tenham sido aproveitados por completo pelo roteiro. A química entre os atores funciona muito bem em cena e traz alma a uma relação que nunca foi das mais românticas.
Scott mostra todo o seu vigor como diretor nas tomadas de ação, que reproduzem confrontos históricos, como as batalhas de Austerlitz e de Waterloo. Embora o uso de CGI confira certa artificialidade a alguns cenários, é impossível negar o espetáculo visual proporcionado por essas cenas. Ao contrário do que ocorre com o casamento, esse aspecto da vida de Napoleão não é aprofundado pelo filme. Os contextos geopolíticos por trás de cada um dos conflitos registrados no longa são completamente ignorados pelo roteiro.
Há ainda o dilema da fidelidade histórica na produção, que vem sendo apontado por alguns historiadores. O filme escorrega ao, por exemplo, colocar Napoleão presente na decapitação de Maria Antonieta, entre outras imprecisões. Esse não seria um problema se a produção tivesse a proposta de reinventar os fatos históricos com liberdade poética e inovação na linguagem, mas não é o caso. O longa - que, por vezes, parece um resumo escolar, com datas e personagens mencionados apressadamente - adota a estrutura de um drama histórico convencional, sem, no entanto, servir como uma boa fonte de informações.
“Napoleão” é um filme bem produzido, com atuações marcantes e dignas de prêmios, mas não passa disso. A impressão que fica é que, ao final de 2h38 de duração, chegamos ao final do filme sem conhecermos muito mais do que a imagem do líder francês que já é amplamente difundida. Suas motivações são soterradas pela caricatura sem profundidade que a obra audiovisual entrega.