Nélida Piñon é velada na Academia Brasileira de Letras
Primeira mulher a se tornar presidente da instituição literária criada por Machado de Assis, escritora morreu em Lisboa no último dia 17
Ocupante da cadeira 30 da Academia Brasileira de Letras, Nélida Piñon foi velada na manhã desta quinta-feira, 29, no salão Petit Trianon da ABL, no Centro do Rio. O enterro acontece às 15h, no cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul da cidade.
O velório teve a presença de seus colegas de fardão e de notáveis do mundo da cultura, que vieram se despedir da autora de romances como "A casa da paixão" e "A república dos sonhos". Presidente da Academia Brasileira de Letras, Merval Pereira destacou sua importância, dentro e fora do ambiente literário:
A Nélida não era apenas uma grande escritora, era uma grande brasileira. Não lutava apenas pela literatura, mas por valores, e suas obras refletem isso. Ela vai ficar entre nós através da sua obra.
Nélida preferiu não ser velada de fardão. Ela escolheu a mesma roupa com que ganhou o Prêmio Príncipe das Astúrias, em 2005. Também estava com dois broches: um com a imagem de Gravetinho, seu amado cachorro já falecido, e outro com a imagem de Suzy, cachorra ainda viva que se tornou uma de suas "herdeiras".
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As cinzas de Gravetinho permaneceram ao lado dela. Nélida deixou quatro apartamentos em um prédio na Lagoa para Suzy e Pilara, suas “filhas” caninas que agora estão sob a guarda de sua assistente e amiga íntima, Karla Vasconcelos. Os imóveis só poderão ser vendidos após a morte dos bichinhos.
Para o acadêmico Antonio Carlos Secchin, a autora garantiu em vida que futuros leitores tivessem acesso a sua obra:
Costumo dizer que em Nélida conviviam dois temperamentos que parecem opostos. De um lado, uma imaginação poderosa, e do outro um pragmatismo na organização do espólio de sua obra, com fortunas críticas, versões preliminares de suas obras etc. Por isso, acredito que teremos o privilégio de desfrutar uma herança literária que ela deixou muito bem preparada para os futuros leitores. Ela já apostava no futuro, para que novas gerações tivessem acesso ao seu trabalho
Mais de três décadas na cadeira número 30
Nélida morreu no último dia 17, aos 85 anos, em Lisboa, em Portugal, onde estava há três meses. Ela teve um problema de vesícula e ao ser examinada, descobriu que estava com entupimento dos vasos biliares e precisou fazer uma operação. Segundo amigos, a escritora estava se recuperando bem da cirurgia, mas, ainda no hospital, sofreu complicações e não resistiu.
Carioca, Nélida Piñon foi a primeira mulher a se tornar presidente da ABL, entre 1996 e 1997. Eleita em 1989, ela foi a quinta ocupante da cadeira 30, que tem por patrono Pardal Mallet. Foram mais de 30 anos como imortal da Casa de Machado de Assis.
Iniciada em meio ao boom da Literatura Latino-americana, a obra de Nélida foi traduzida em mais de 30 países. Contempla todos os gêneros, da poesia ao romance, passando por conto, ensaio e memorialismo. Seu primeiro romance, "Guia-mapa de Gabriel Arcanjo", publicado em 1961, já apresentava alguns dos temas que atravessariam seus escritos, como a relação dos mortais com Deus.
"A Nélida entendeu que naquele boom da literatura latino-americana no anos 1960 havia também uma brecha para a prosa em português, não só a espanhola. Ela soube surfar essa onda e sempre fez questão de exportar o Brasil em todos os lugares que ia", ressalta Carlos Andreazza, que foi seu editor entre 2013 e 2019. "Sempre que participava de um evento lá fora, falava de Machado de Assis , que considerava nosso principal produto de exportação."
A autora também foi integrante do Conselho da Fundação Roberto Marinho (FRM) por 26 anos. Para o Secretário Geral da FRM, João Alegria, “Nelida Piñon vai fazer muita falta para o país, especialmente num momento de reconstruções, como o que estamos vivendo. Nós, da Fundação, perdemos uma amiga, conselheira, uma voz crítica e equilibrada ajudando a enxergar e definir os caminhos.” Já para o presidente da Academia Brasileira de Letras, e igualmente conselheiro da FRM, Merval Pereira: “a ausência de Nelida Piñon nas nossas reuniões do Conselho da FRM será sentida pela falta de seus comentários, sempre lúcidos e atualizados. Nélida não era apenas a grande escritora, era intelectual pública por excelência, que sempre contribuiu com suas ideias para o avanço do papel social da educação na vida do país”.