Nicole Kidman fala sobre nudez em ''Babygirl'', morte da mãe e esforços para ajudar outras mulheres
Atriz é uma das favoritas a conseguir uma indicação ao Oscar por seu papel no novo longa-metragem, que rendeu um prêmio no Festival de Veneza
Os olhos de Nicole Kidman se arregalaram. "Você nunca foi no show das Rockettes?", ela perguntou. "Eu vou todo ano. Sou obcecada!"
Enquanto tomava uma sopa de aipo no Empire Diner em Manhattan, na semana passada, a atriz de 57 anos (vencedora do Oscar de 2003 por "As Horas" e provável indicada este ano) contou histórias sobre o espetáculo de Natal, que ela tinha assitido na noite anterior com seus filhos e o marido, Keith Urban: "Eu falava com ele: 'Por que gostamos tanto?' E ele disse: 'Porque é uma memória. Lembramos da crianças em nós mesmos.'"
Ultimamente, Kidman tem pensado muito sobre esse tipo de coisa, traçando sua vida e carreira como parte de um continuum. Seu novo filme, ''Babygirl'', é uma dessas reconexões: embora ela tenha sido vista recentemente em séries de sucesso como ''O Casal Perfeito'' e ''Operação Lioness'', ele marca um retorno ao tipo de produção cinematográfica arriscada e autoral pela qual ela costumava ser aclamada.
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Dirigido por Halina Reijn, ''Babygirl'', que estreia no Brasil em 9 de janeiro, traz Kidman como Romy, uma CEO centrada que tem um marido amoroso (Antonio Banderas), mas uma vida sexual insatisfatória. Com medo de explorar seu desejo de ser dominada, Romy terá sua tara satisfeita por um jovem estagiário (Harris Dickinson), com quem ela embarca em um caso tumultuado.
''É muito revelador'', admitiu Kidman sobre o filme de fortes tintas sexuais. Quando ela assistiu pela primeira vez com uma plateia, se sentiu tão nua e vulnerável que enterrou a cabeça no colo de Reijn.
''Babygirl'' já deu a Kidman o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, uma indicação ao Globo de Ouro ( que ela disputará com Fernanda Torres) e ainda pode render sua sexta indicação ao Oscar. Ela não pode ir receber o troféu em Veneza, pois na mesma época perdeu sua sua mãe, Janelle, aos 84 anos.
As duas eram bem próximas e a morte colocou Kidman em um clima contemplativo. Ao longo da entrevista, ela discutiu não apenas ''Babygirl'', mas também as ambições abandonadas por sua mãe e as dificuldades que impedem a realização feminina, abordando esses tópicos de uma forma surpreendentemente livre.
Que tipo de reações você recebeu por "Babygirl"?
Todas. Eu me tornei uma terapeuta sexual, e respondo, "Eu não tenho formação para isso!" Mas as pessoas ficam fascinadas, querem falar sobre o assunto, ficam excitadas, perturbadas.
Com um filme sobre sexo, às vezes as pessoas medem seu sucesso pelo fato de ele as excitar ou não. Mas há muito mais do que isso em jogo com este filme.
É sobre uma crise existencial. Sim, é sobre (sexo), mas também há uma mulher dizendo, "Quem sou eu?" Ela está em um estado muito turbulento porque não tem certeza de quem é ou o que realmente quer, e as pessoas se identificam muito com isso. Por mais que tenha o olhar feminino, também não tem gênero: tenho muitos amigos que viram, homens, e dizem: "É sobre segredos", ou "É sobre ter que ficar no armário", ou "É sobre como eu nunca consegui me expressar". Há algo muito libertador nisso.
Como foi sua relação com Halina? Você já fez alguns filmes sexualmente explícitos antes, como "De olhos bem fechados" e "The Paperboy", mas desta vez trabalhou com uma cineasta mulher.
Parece mais seguro, como se você estivesse com sua melhor amiga. Nós duas nos tornamos tão próximas, e agora fica uma sensação horrível porque ela provavelmente vai seguir em frente com outra pessoa. É horrível como atriz, porque você fica pensando, "Ah, não, eu não posso mais ser sua 'babygirl'. Você não vai mais me dar seu amor."
Eu sempre me perguntei como isso funciona para os atores. Vocês têm essas experiências realmente intensas com diretores e colegas de elenco e então abruptamente seguem caminhos separados. É como o fim de férias de verão ou algo assim.
Sim, é! Ninguém fala sobre isso. Você nunca sabe: talvez os caminhos se cruzem novamente, você espera. Mas tem que ser escolhido novamente e agora, porque ela é tão atraente, vai ser tipo, "Nah, terminei com você." (Risos.)
Como um cineasta conquista sua confiança para fazer algo como "Babygirl"?
Eu tenho uma confiança natural. Minha mãe sempre dizia: "Você confia demais, Nicole, para com isso". Mas eu sempre confio até me queimar, e então volto atrás. Eu gosto de intimidade, e é provavelmente por isso que me aborrece tanto perder Halina agora.
Criamos essas amizades com pessoas que vão muito além do trabalho. Com atores também acontece, você está olhando nos olhos de outra pessoa, você está lá. Quando (atores) se abraçam e passam por alguma coisa, estão passando por isso juntos. Essa é uma conexão genuína e real.
E seu corpo sente isso de verdade?
E meu coração e meu cérebro. Está tudo lá, e eu paro no dia que não sentir mais isso. É a parte bonita do que fazemos.
Isso já te cansa? "Babygirl" exige que você se exponha muito.
É estimulante, no final das contas. As pessoas dizem: "Foi uma escolha corajosa fazer isso". Eu penso: "Não, teria sido devastador não fazer". Teria sido muito, muito destrutivo para mim não fazer.
Mas não é fácil ficar tão vulnerável.
Eu provavelmente sou aberta e disponível demais — meu marido diz que não tenho escudos e proteção o bastante ao meu redor. Minha natureza é um pouco tímida, mas conforme fui crescendo, tive conversas muito, muito profundas.
Ver minha mãe passar pelos últimos 10 anos de sua vida — uma mulher altamente intelectual, passando pela morte de seu corpo, mas não de sua mente — foi um caminho extraordinário ser parceira dela nisso. Eu era a filha primogênita e confidente, então foi uma experiência muito profunda ser mãe de meninas (ela tem duas filhas com Urban e uma filha mais velha e um filho com seu ex-marido, Tom Cruise) e ver minha mãe passar pela última década de vida falando muito abertamente sobre isso.
O que ela te disse?
Foi frustrante, pois o corpo dela cedeu em momentos diferentes e ela não conseguia fazer as coisas que queria. As ligações noturnas eram as mais interessantes porque vinham às 3 da manhã e às vezes conversávamos por duas horas sobre o que significa envelhecer, a beleza e a dor disso.
Ela estava muito ciente do que isso significava e tinha muita frustração e raiva. Você conhece o poema “Do not go gentle into that good night?”. Isso era muito dela.
Você estava em Veneza quando descobriu que ela tinha morrido?
Eu tinha acabado de desembarcar do avião lá, e tudo veio como uma avalanche. Como Halina diz em "Babygirl", a avalanche está chegando. Bem, a avalanche da minha mãe veio.
A mortalidade continua surgindo quando falo com as pessoas sobre este filme. Quando perguntei ao seu colega de elenco Harris Dickinson se ele se preocupava com a forma como seria percebido depois de "Babygirl", ele disse: "Por que eu me preocuparia? Todos nós vamos morrer um dia". Isso colocou as coisas em perspectiva.
É a juventude falando. E então Antonio é fascinante porque você tem o oposto: ele sofreu um ataque cardíaco e sobreviveu, então tem uma visão extraordinária da vida. Vitalidade! Quero louvar Antonio, porque ele apareceu no set tão aberto, disposto e solidário com Halina. Temos homens incríveis neste filme, o que tem que ser elogiado porque isso não é garantido. Haveria homens que não quisessem fazer isso? Provavelmente, porque é muito sexual, e isso é confrontador.
Foi confrontador para você?
Sim, porque é incrivelmente profundo. Sinto que expus uma parte de mim que é muito privada.
Você já se sentiu assim no passado quando fez outros filmes com carga sexual?
Não tanto quanto isso. "Big Little Lies", às vezes, porque eram temas muito, muito duros, e eu estava ferida. Agora, meu coração estava na tela. Agora é diferente. Eu tive que ir para outro lugar para fazer isso, simplesmente pensava: "Não pense que isso será visto por alguém, pense como algo profundamente íntimo que acontece apenas aqui e agora."
O filme é sobre se libertar da vergonha. Como você consegue fazer isso sendo uma atriz que faz trabalhos arriscados e explícitos?
Eu sempre tive esse comprometimento louco. Encontrei meu lugar no mundo através da literatura e do teatro quando era mais jovem. Eu ia ao teatro nos fins de semana e expressava muitas coisas diferentes que passavam a fazer parte de mim. Tem sido meu conforto, minha salvação e meu consolo. Salvou minha vida.
Então, com a perda da minha mãe, eu pensei: "Para onde vai toda essa emoção?" Posso colocá-la numa caixinha ou numa voz artística. Há uma razão para fazer essas coisas, e isso me conecta ao mundo: o que estou passando, outra pessoa passou.
Se você pudesse voltar 15 anos e dar uma espiada no que estava por vir na sua carreira, o que pensaria?
Eu ficaria chocada.
O que te chocaria?
Que eu ainda estou aqui e há uma vitalidade no trabalho, porque você nunca sabe. Os diretores têm que escolher trabalhar com você — assim como os roteiristas, outros atores. Você realmente não está no banco do motorista e muitas coisas são incontroláveis. Então simplesmente ainda estar trabalhando neste nível... Eu não teria previsto isso.
Em 2017, você prometeu trabalhar com uma diretora a cada 18 meses. Hoje em dia, a maior parte do seu trabalho é com cineastas mulheres.
É uma satisfação incrível ver a carreira das pessoas decolar com o seu apoio. Sei que voltei sempre a falar da minha família, mas minha mãe veio de uma geração de mulheres que não conseguiram o que queriam. Parte dos últimos 10 anos dela foi de arrependimento. Ela não teve a carreira que queria, não teve a jornada em termos de intelecto que ela poderia ter tido. Provavelmente há uma necessidade profunda em mim de realizar isso para outras mulheres, porque não gostei de ver (minha mãe passar por) isso. Foi um momento devastador para mim.
Até certo ponto, "Babygirl" é sobre isso: embora Romy aparentemente tenha tudo, há algo importante que ela precisa desesperadamente e nem sente que pode pedir.
Mas ela está em uma posição de poder, enquanto muitas outras mulheres estão agora na casa dos 80 e não tiveram as oportunidades que deveriam ter tido. Então, como você muda isso? Não deixando que aconteça novamente, garantindo que a próxima geração não sofra isso. É muito, muito gratificante poder dizer: "Eu tenho um pouco de poder" ou "Se as pessoas investirem em mim, quero poder transferir isso para vocês e criar trabalho".
E não estou falando apenas de atores, estou falando de equipe, porque é difícil. Agora mesmo na indústria, sei que parece que muitas coisas estão sendo feitas, mas não estão. Isso teve um impacto enorme nas equipes. Agora mesmo, estou fazendo um show no Tennessee e todos estão trabalhando. Não consigo te dizer como é isso. É emocionante, porque você pensa: "Meu Deus, estou em uma posição em que se eu fizer isso, pode ser muito legal."
No início da sua carreira, você alternou entre grandes produções de estúdio e filmes independentes menores e mais ousados. Hoje em dia, parece que grandes séries de streaming tomaram o lugar desses filmes de estúdio? Quando "O casal perfeito" chega ao primeiro lugar na Netflix, talvez possa oferecer o mesmo tipo de impulso na carreira que ajuda a fazer um filme como "Babygirl".
Foi incrível, acontecer ao mesmo tempo que "Babygirl", e eles são tão diferentes. Há pessoas que viram "O casal perfeito" e não vão assistir a "Babygirl" e nem ouvir falar dele. Poucas produções hoje atingem o zeitgeist, mas há muitas que funcionam em áreas específicas, então é melhor você encontrar seu amor pelo que faz e esperar que as pessoas o encontrem. Meu próximo projeto é fazer uma peça, porque é pequena.
Você acha que vai continuar pequena com você estrelando?
Bem, eu quero tratar como se fosse pequena para manter a coragem. Quando você pensa, "Meu Deus, isso vai ser julgado por milhões de pessoas", aí é você perde a força. Mas se simplesmente pensa, "Bem, é pequeno" — como eu fiz com "Babygirl" — quem sabe?