No bicentenário da Independência, produções revisitam história brasileira a partir de novos olhares
Filme, minissérie, exposição e livro trazem destaque para narrativas e personagens ofuscados nos últimos 200 anos
No próximo dia 7, o Brasil celebra os 200 anos de sua independência em relação a Portugal. Para além dos tradicionais desfiles cívico-militares e eventos de cunho político que marcam o feriado nacional, o bicentenário vem sendo discutido através de produtos culturais, como filme, série, livro e exposição. Mais do que comemorar a data, essas obras buscam refletir sobre suas contradições e apresentar outras perspectivas da história nacional.
Um desses projetos é a minissérie “Independências”, criada para a TV Cultura pelo cineasta e diretor de TV Luiz Fernando Carvalho, que traz no currículo obras como “Hoje é dia de Maria” (2005) e “A Pedra do Reino” (2007). Com 16 episódios exibidos semanalmente, a produção estreia no dia 7, resultando de um trabalho de um ano e meio, entre pesquisa, criação e realização. No elenco, estão grandes nomes como Antonio Fagundes, Daniel de Oliveira, Ilana Kaplan, Gabriel Leone, Maria Fernanda Cândido, Fafá de Belém e Margareth Menezes.
Para reviver o passado na tela, Luiz Fernando recorre a uma “nova historiografia”, muito diferente daquela ensinada nos livros escolares. Em sua releitura, o diretor chama atenção para a presença de vozes que foram silenciadas pela narrativa tida como oficial. O protagonismo feminino é reivindicado através da figura de Leopoldina, verdadeira arquiteta da Independência. Também ganham destaque importantes personalidades negras da época, como Maria Felipa, que lutou pela independência da Bahia, e o Padre José Maurício, maestro negro da Corte Imperial.
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“Iremos escavando em busca do passado, reencontrando fantasmas nas salas do império: colonialismo, violência social, autoritarismo e escravidão”, afirma o diretor. “O século XIX foi um período estrutural, iniciando avanços e tragédias com as quais lidamos até hoje. A história do Brasil sempre nos foi contada de forma romantizada, quando, na verdade, é trágica, bárbara, marcada por golpes e genocídios que precisam ser iluminados”, complementa.
Embora não tenha sido projetado com esse objetivo, “A Viagem de Pedro”, de Laís Bodanzky, chega às salas de cinema impulsionado pelas comemorações do bicentenário. Com Cauã Reymond na pele de Dom Pedro I, o filme retrata a volta do monarca ao seu país de origem, nove anos após o seu famoso grito às margens do rio Ipiranga.
A contribuição do longa-metragem, que estreou na última quinta-feira, é a desconstrução da imagem do homem que ainda é vendido como figura central no processo de separação política. Prova da solidificação dessa imagem é a recente vinda do coração de Dom Pedro de Portugal para o Brasil, transportado em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), para exposição no Palácio do Itamaraty, em Brasília.
“Essa apropriação da história de forma ufanista nós temos que questionar. Essa data tem que ser lembrada, mas não festejada ou idolatrada. Ela tem que ser usada, na verdade, para olhar para trás e pensar: será mesmo que houve independência?”, defende Laís.
O processo de construção de um discurso enviesado sobre os acontecimentos de 1822 é analisado no livro “O Sequestro da Independência - Uma história da construção do mito do Sete de Setembro”, lançado no mês passado pela Companhia das Letras. Na publicação, Lilia Schwarcz, Lúcia Klück Stumpf e Carlos Lima Junior partem de elementos visuais, como em especial o quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, para mostrar como cada contexto político tomou para si os significados do 7 de setembro.
Além de seu uma das autoras do livro, a antropóloga Lilia Schwarcz também assina a curadoria da exposição “Histórias Brasileiras”, em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (Masp) até 30 de outubro. Integram o acervo da mostra 380 trabalhos de 250 artistas e coletivos, que buscam um olhar mais plural para o que conhecemos oficialmente no País.