Música

Nova geração de artistas coloca seus corpos políticos em defesa da diversidade

Por respeito e espaço: Doralyce (PE) e o duo Rap Plus Size (SP) - artistas da mesma trincheira - lançaram seus novos discos na semana passada

Doralyce e Rap Plus Size defendem o a quebra de preconceito com corpos dissidentesDoralyce e Rap Plus Size defendem o a quebra de preconceito com corpos dissidentes - Foto: Divulgação | Dani Souza

Por gerações, o padrão de beleza da indústria cultural oprimiu pessoas que não se encaixam em moldes e manequins brancos e magros, e continua a ser um muro de segregação. Em contraponto a essa normatividade imposta, uma nova geração de artistas tem colocado seus corpos políticos em defesa da liberdade e do empoderamento da estética, quebrando preconceitos através da arte e da força de suas mensagens. Na última semana, o duo Rap Plus Size, de São Paulo, e a pernambucana Doralyce - artistas dessa mesma trincheira - lançaram novos discos que reafirmam essa luta por respeito e espaço.

Doralyce é uma dessas artistas engajadas em questionar estereótipos. Ela lançou, na semana passada, "Dádiva", seu terceiro álbum autoral gravado em estúdio. O disco foi selecionado pelo Rumos Itaú Cultural, dentro do projeto "DASSALU: da descolonização ao afrofuturismo", dentro do conceito do Movimento de Emancipação e Liberdade (M.E.L).

Já o Rap Plus Size, duo formado por Jupi77er e Sara Donato, estreou o EP "Revoada", ampliando a discografia da dupla, que já tem dois álbuns lançados, sendo o primeiro disco homônimo, em 2016, e o segundo intitulado “A Grandiosa Imersão em Busca do Novo Mundo”, em 2019. A dupla participou recentemente do reality "Sobre Junto" da Budweiser e tocou pela primeira vez no palco do Lollapalooza. 

 

A pernambucana Doralyce lançou o álbum A pernambucana Doralyce lançou o álbum "Dádiva"

A potência da mulher preta
Em seu novo álbum, Doralyce expõe a potência da musicalidade das mulheres pretas, nordestinas e fora do 'padrão', reafirmando seu posicionamento ideológico e político. Entre as diversas participações no disco, duas artistas mulheres, de gerações diferentes da cena RAP brasileira: Preta Rara, de São Paulo, em "Aeropurpurinada"; e a pernambucana Bione, em "Deixa eu relaxar".

Sobre a mensagem que pretende transmitir em "Dádiva", Doralyce não titubeia: "trazer esperança, falar sobre prazer feminino, diversidade dos corpos, sobre a nossa emancipação e a queda desse sistema hegemônico que exclui, silencia e apaga pessoas. O disco todo gira em torno disso, em torno de mulheres que falam o que pensam e o que sentem. E eu quero encorajar outras mulheres a serem protagonistas das suas histórias", afirma a artista.

A diversidade dos corpos sempre esteve em pauta nas canções da artista. Em "Miss Beleza Universal", do álbum "Pílula livre" (2019), ela já desafiava os paradigmas da beleza feminina. "Mode on high tech, modelo ocidental, magra, clara e alta, miss beleza universal. É ditadura! Quanta opressão! Não basta ser mulher, tem que tá dentro do padrão", diz trecho da letra. "Existe um padrão que foi construído com base na perspectiva ocidental que dita regras sobre nossos corpos, sobre nossos comportamentos. E é extremamente limitador e violento", avalia Doralyce.

"A melhor forma de levar a informação para as pessoas é através da cultura e da arte. E a música é minha ferramenta, minha arte, minha arma nessa guerra de narrativas. Eu falo isso o tempo inteiro. Toda vez que você promove um discurso feminista, você mata um discurso machista. Toda vez que você defende um discurso da comindade LGBTQIAP+ - principalmente da população trans - você mata o discurso binário que exclui", diz a pernambucana. 

Ouça "Dádiva":



Corpos dissidentes empoderados
Desde que surgiu, o Rap Plus Size (SP) assumiu o papel de questionar a ditadura da beleza. Em seu novo EP, chegam sem papas na língua, agora em canções mais dançantes. Com rimas que versam sobre a importância do empoderamento dos "corpos dissidentes" - conceito que surge nos estudos de gênero e sexualidade (queer studies) e se refere às práticas que desviam da norma heterossexual.

"A gente já se viu muitas vezes boicotado dessa estrutura do meio artístico e da indústria da música de várias maneiras e também dessa questão da indústria da moda. Porque não existe - e se existe é muito pouco - essa representatividade de corpos gordos dentro dessa indústria. E aí a gente questiona essa indústria", dispara Jupi77er. 

 

Rap Plus Size lançou novo EP, Rap Plus Size lançou o Ep "Revoada"

Plus Size: para dançar e refletir
Sara Donato destaca as diferenças desse novo trabalho para os discos anteriores. "Antes a gente era mais incisivo e hoje falamos com mais leveza. É importante falarmos sobre nossos corpos e sobre quem somos, porque no final nunca é apenas sobre nós. Esses discursos sempre acabam afetando outros corpos e outras histórias. E isso é importantíssimo. Sempre tivemos vontade de falar sobre outras coisas e com uma estética diferente, mostrando também que temos somos flexíveis e dispostas a inovar sempre", diz a rapper.

"Revoada vem pra trazer um novo ciclo e vai somar muito pois corpos como os nossos se divertindo, dançado e cantando liberdade é revolucionário", completa Sara. "Revoada" teve a participação de Doralyce, no brega "XGG", que exalta a sensualidade dos corpos gordos e seus desejos. "É uma artista fantástica. A gente aprecia muito o trabalho dela e a tem como amiga pessoal mesmo, de muito axé e afeto. Então, para a gente foi muito importante ter ela nesse trabalho (...) Essa é a Revoada que a gente precisa para libertar nossos corpos para que as nossas vivências sejam mais leves e que a gente possa se divertir com elas", deseja Jupi77er.

Ouça "Revoada":
 


O rap questionando a moda
Em "só pago o que me cabe", o Rap Plus Size critica a índústria da moda por não incluir coleções para corpos gordos. "Grandes marcas, tamanhos pequenos. Não entendem nossos corpos são diversos. Não me cabe, não me serve", diz um verso da música. "Por que só tem para corpos magros? Por que essas grandes marcas não pensam em corpos gordos, sendo que a gente quer consumir e pagar para ter uma roupa legal e a gente pode fazer isso?", questiona Jupi77er.

"E aí vai para a questão política, não só das roupas, mas em todas as situações que a gente se coloca na sociedade. Porque a gente paga por tudo e nós, como pessoas gordas, acabamos nem se encaixando nesses espaços e na sociedade. E essa música retrata muito disso, para além do vestuário. Nesse som a gente fala da moda e como a gente tem buscado recursos para estar dentro da moda, se vestir bem e estar legal com a gente mesmo. Então, a gente fala dos brechós, fala de marcas que atendem nossos tamanhos e sobre a gente mesmo desenhar e fazer nossas roupas", explica Jupi77er, que se identifica como pessoa trans não binária.

Assista "Só pago pelo que me cabe":
 


A questão de gênero, aliás, é outro tema bastante presente nas músicas, a exemplo da faixa "Euforia", que remete ao antônimo de disforia, conceito muito debatido por transgêneros. "Entre as pessoas trans é muito comum essa palavra, porque trata daquela inconformidade de gênero por não estarem dentro dos padrões  que são cis-normativos e binários. Então, a gente fez a música e chamou a MC Xuxu para participar. E eu acho que é muito natural pessoas gordas falarem sobre isso também, sendo cis ou trans, porque pessoas gordas também passam por disforia, não de gênero mas de imagem".

"A disforia é alimentada por uma mídia que coloca corpos normativos o tempo inteiro e exalta esses corpos e a gente sabe que corpos são esses: brancos, magros, sem deficiência, cisgêneros e heteronormativos. Então, a gente vem contrariando tudo isso na música "Euforia". Falando que a gente é lindo, maravilhoso, do jeito que a gente é e se a gente se sente bem com a gente mesmo,  ninguém pode falar o contrário", defende Jupi77er.

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